Para além do nosso meio ambiente, são as emoções, as nossas e as dos outros, que transformam o nosso corpo, o nosso pensamento e o nosso comportamento.

Quando o que sentimos nos perturba e nos limita, no nosso dia-a-dia, significativamente e de forma recorrente, é indispensável que a ajuda psicoterapêutica exista e convença. Para tal tem de ser independente, honesta e de proximidade afetiva e social.

A pessoa que está a braços com uma perturbação emocional grave tem de ser abordada com respeito e empatia. ‘Venha daí, não se limite, não se deixe anular, não se deixe enclausurar. Pessoas honestas e gentis, muitas, muitas pessoas, precisam de si. Preciso da sua ajuda, venha daí. Ajude-me (a ajudá-la). Vamos tentar?’  A confiança da pessoa, quando concedida e merecida, é um privilégio precioso. Quem aceita a responsabilidade de ajudar, assume um compromisso pessoal que ultrapassa o compromisso institucional.

Há pessoas que, claramente, sofrem. Mas há também aquelas em que o que é mais visível, chocante e assustador é que fazem sofrer os outros, de forma recorrente.

São pessoas que mentem, enganam, disfarçam as suas intenções, seduzem e manipulam para obter o que querem. Estas pessoas parecem não ter escrúpulos, nem compaixão. São exigentes, calculistas, impiedosas, perspicazes e inteligentes. Acham que têm sempre razão.

Quando estas pessoas não conseguem o que querem, ou acham que foram desrespeitadas, podem zangar-se, ter acessos de fúria, tornar-se vingativas e violentas. Para estas pessoas o outro é-lhes indiferente, quando muito um instrumento. Havendo oportunidade, são corruptas e corrompem. Podem ter um comportamento reservado, mas também arrogante. São temidas e evitadas por muitos, admiradas por alguns. Estas pessoas não seguem, ou então fazem-no de forma muito rígida, as normas sociais e morais vigentes na sociedade. Geralmente evitam, questionam ou provocam, de uma ou de outra forma, o outro e a autoridade, seja ela qual for, mas não aceitam que as questionem ou confrontem. Face ao sofrimento que causam, estas pessoas culpam as suas vítimas e consideram-nas as únicas culpadas.

Estas pessoas não sentem remorsos, negam tudo o que as possa comprometer e quando questionadas, exigem que as respeitem, vitimizam-se, consideram-se injustiçadas e perseguidas.

O que, em linguagem corrente, se diz ser um aldrabão, um manipulador, um fingido, um explorador, um proxeneta, um agiota, um corrupto, um especulador, um colérico, um arrogante convencido e rude, um insensível, e um fanático, um ditador ou um fascista, não sofre de uma qualquer indisposição passageira ou de uma doença infetocontagiosa, mas de algo muito mais grave; provavelmente, de uma perturbação da personalidade.

Fundamentalmente, muitas destas pessoas não gostam, nem estão interessadas em humanos. Têm ideias delirantes, podem ser violentas quando se sentem provocadas, são emocionalmente instáveis, extremamente suscetíveis e desconfiadas. Estas pessoas ignoram os outros e a vida, são irredutíveis nas suas opiniões e objetivos, tremendas manipuladoras e mentirosas. Estas pessoas estão em todo o lado, em todas as classes sociais e manifestam o seu comportamento de formas muito variadas. Nunca pedem ajuda, embora o seu comportamento, que consideram normal, represente uma ameaça terrível para os outros e para a sociedade.

Estas pessoas experienciaram, desde muito tenra idade, situações muito traumatizantes, principalmente de abandono e de violência emocional.

Em meios socioeconómicos de nível médio e abastado, que têm meios capazes de proteger e ajudar, muitas destas crianças, adolescentes e jovens adultos, aprendem a manipular e a instrumentalizar a expressão dos seus impulsos e comportamentos associais de forma a lhes permitir construir uma vida quase normal ou mesmo de (grande) sucesso social, profissional ou político. Em meios sociais menos favoráveis, mais pobres e traumatizantes, estas pessoas são rapidamente assinaladas como delinquentes e criminosos.

O normal é uma mentira

A falta de humanidade, ou a ausência de remorsos, de vergonha e de compaixão, é extremamente traumatizante e destrutiva, mas não é, necessariamente, um handicap. A sociedade convive bem com comportamentos associais e muitas vezes até os enaltece. Nos últimos anos, esta situação agravou-se exponencialmente. Não só os comportamentos associais parecem ser mais ostensivos, como entre estas pessoas, por exemplo, aquelas que tomaram de assalto os seus países e perseguem, prendem e assassinam quem questiona o seu comportamento, exigem, publicamente, ser respeitadas. Como se tal fosse um ato de justiça. Para estas pessoas, e para muitos outras que as acompanham na sua indiferença perante o ser humano em sofrimento, os seus comportamentos associais e criminosos, que negam como tais, não são mais do que a expressão normal e legitima das suas emoções e da diversidade cultural, num mundo inclusivo e multipolar!

O tratamento das perturbações da personalidade, não tem muitos segredos, mas geralmente é extremamente difícil reunir as condições indispensáveis para que a psicoterapia tenha sucesso, a começar pelo pedido de ajuda do próprio, o que raramente acontece. Assim, todas estas pessoas, particularmente as que têm ’sucesso’ com os seus comportamentos associas e traumatizantes, são deixadas à sua sorte.

Para que não destruam o indivíduo e a sociedade, é absolutamente necessário falar sobre quem faz mal aos outros e prestar ajuda a estas pessoas. Muito particularmente, entre elas, às pessoas que têm um estatuto socioeconómico médio-alto.

Um artigo de opinião de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.