Na opinião de Manuel Ferreira de Magalhães, o reforço das “bactérias boas” é uma forma natural e eficaz para quebrar o círculo vicioso das típicas doenças de inverno que leva, muitas vezes, ao uso recorrente de antibióticos.
“O outono-inverno é uma altura do ano caracterizada por um ambiente frio e húmido, condições estas que são perfeitas para a multiplicação e transmissão dos vírus respiratórios. Em Portugal, entre outubro e março, os vírus aproveitam-se destas condições climatéricas e criam um verdadeiro exército patogénico”, explica o médico do Centro Hospitalar e Universitário do Porto e professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Acrescenta, por outro lado, que “as famílias frequentam mais espaços fechados, aumentando a propagação das doenças respiratórias infeciosas”. E sublinha que, entre as crianças, “os infantários, as creches e as escolas têm exatamente estas condições necessárias para uma maior propagação destas infeções”.
A razão para um grande aumento das infeções respiratórias baseia-se num ciclo que começa com a diminuição das temperaturas e aumento da humidade, criando condições ideais de multiplicação e sobrevivência vírica. Essas condições climatéricas levam muitas pessoas a procurarem espaços fechados e quentes.
“Os vírus vão multiplicar-se com maior intensidade, alojando-se nas gotículas em suspensão nos espaços fechados e quentes”, salienta. A humidade nos vidros interiores das janelas é a parte visível deste fenómeno de condensação e as pessoas que convivem nesses espaços acabam por inalar estas gotículas. O pneumologista pediátrico alerta que “uma só pessoa tem a capacidade de infetar muitas pessoas”.
Como é que os vírus atacam as vias aéreas?
“As crianças são o grupo etário mais suscetível a sofrer destas infeções”, refere. Quando as crianças inalam uma quantidade suficiente de vírus, estes começam a atacar as mucosas. Nariz, ouvidos, garganta e pulmões podem ficar lesados, libertando secreções líquidas e transparentes. À medida que esta agressão aumenta, as secreções ficam mais espessas e com cor. Com o tempo, a mucosa começa a cicatrizar e as secreções espessas acabam por desaparecer.
“Durante todo este processo o corpo reage para aumentar as defesas e eliminar detritos. Assim, aparece a febre, tosse, dor de garganta, nariz obstruído, expetoração ou mesmo falta de ar, sintomas característicos de uma nasofaringite, amigdalite, rinite, otite, laringite, bronquiolite ou pneumonia, alerta.
Nota ainda que as infeções respiratórias agudas víricas criam condições ideais para o crescimento de “bactérias más”, sendo que “estas infeções bacterianas podem originar mais complicações e obrigam, com frequência, ao uso de antibióticos”. Explica que “as crianças mais pequenas têm tendência a fazer muitas otites bacterianas devido à facilidade com que as secreções se acumulam dentro do ouvido, aumentando o crescimento de bactérias que infetam o próprio ouvido”. Ou seja, “esta desregulação das bactérias boas e más (disbiose) que habitam as vias aéreas de uma criança faz com que as infeções respiratórias se perpetuem e se repitam vezes sem conta, num círculo vicioso”.
Como os probióticos ajudam a prevenir as infeções respiratórias?
Apesar de não existirem tratamentos específicos para as infeções respiratórias víricas, o médico Manuel Ferreira de Magalhães revela que “surgiram nos últimos anos estratégias inovadoras de modelação das bactérias boas do corpo com a utilização de probióticos, parando o círculo vicioso de múltiplas infeções respiratórias”.
Assim, de forma natural, é possível reforçar a imunidade contra as doenças respiratórias agudas utilizando as nossas próprias bactérias boas. “Estes probióticos são, neste momento, o presente e o futuro da prevenção das doenças respiratórias víricas nas crianças”, sublinha.
Múltiplos estudos em todo o mundo validam a utilização de probióticos em recém-nascidos, bebés, crianças e adolescentes, principalmente na redução do número de infeções respiratórias, no número de otites, de dias que as crianças estão doentes durante o inverno, no número de dias que faltam às aulas, ao mesmo tempo que levam a uma menor utilização de antibióticos.
O que nos dizem os estudos?
De acordo com o especialista em doenças respiratórias pediátricas, os dois probióticos mais estudados para proteger as crianças destas infeções respiratórias são o Lactobacillus rhamnosus GG e o Bifidobacterium lactis. “Especificamente em lactentes, num ensaio clínico publicado em 2011 verificou-se que a suplementação com B. lactis reduziu significativamente (-31%) a ocorrência de infeções respiratórias agudas. Já em 2014, um estudo verificou uma redução na infeção por rinovírus em recém-nascidos prematuros que foram suplementados com L. rhamnosus GG (-50%), revela. Acrescenta que, num outro ensaio clínico publicado em 2012, “verificou-se que as pessoas que foram suplementadas com B. lactis durante seis semanas tiveram uma melhoria na resposta de defesa imune (+65%) quando contactaram com o vírus da gripe (influenza).
Posteriormente, um ensaio clínico publicado em 2013 mostrou que a suplementação de jovens universitários com B. lactis + Lactobacillus rhamnosus reduziu de forma significativa a duração (-2 dias) e a gravidade (-34%) das infeções respiratórias superiores, com consequente redução no tempo que precisaram de faltar às aulas.
Por isso, o pediatra conclui que a suplementação poderá ter um importante papel na prevenção das infeções respiratórias agudas tão frequentes, na idade pediátrica, sobretudo nos grupos etários mais jovens e/ou imunologicamente mais suscetíveis às infeções virais e bacterianas, o que neste período de pandemia se torna ainda mais relevante do ponto de vista clínico.
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