A Patrícia tem Atrofia Muscular Espinhal do Tipo 2, uma doença neuromuscular genética rara. Quando é que começaram os primeiros sintomas?
Tinha seis meses quando começaram a existir desconfianças, porque desequilibrava-me muito. Tinha as pernas muito moles e nunca tinha reflexos quando me sentavam. Não tinha as reações normais de um bebé de seis meses. Só aos 9 meses é que veio o diagnóstico de Atrofia Muscular Espinhal do Tipo 2. Foram feitos testes genéticos cá em Portugal e, entretanto, os meus pais foram comigo a França, a um hospital especializado, e o diagnóstico foi reconfirmado.
A doença impediu a Patrícia de prosseguir o curso normal da vida de uma criança?
Não. Sempre andei em escolas públicas, absolutamente normais. Nunca tive ensino especial, porque a doença não afeta o nível cognitivo. Afeta apenas a componente muscular. Tive apoios em algumas disciplinas, mas nunca me encaixei, porque de facto não precisava. A doença nunca me impediu o raciocínio. Por isso, fiz o ensino normal até ao nono ano e matriculei-me num curso profissional de comunicação e marketing onde terminei o 12.º ano. Na altura quis ir para a faculdade, mas em 2012 precisava de uma pessoa que me pudesse apoiar - como dar alimentação - e as faculdades não têm auxiliares como nas escolas.
Foi nesse dia que a sociedade me disse que eu não podia seguir aquilo que eu queria por causa da minha condição física
Foi isso que a impediu de seguir para o Ensino Superior?
Eu preciso de apoio, eu dependo das pessoas. Mas quando não havia auxiliares, os meus próprios colegas na escola ajudavam-me e davam-me a comida, por exemplo. Mas esse não foi o único impeditivo.
O que a impediu de seguir esse rumo?
Quando terminei o 12.º ano quis seguir comunicação. Tentei uma escola superior de teatro e cinema. Na altura, havia uma disciplina que era Expressão Corporal que eu não podia fazer. Disseram-me que, sem essa disciplina concluída, não acabaria o curso e, portanto, não poderiam dar-me acesso ao curso. A escola, e refiro-me ao espaço físico, até tinha infraestruturas para me acolher, mas houve essa barreira. Foi o primeiro choque que tive. Foi nesse dia que a sociedade me disse que eu não podia seguir aquilo que eu queria por causa da minha condição física. Foi algo que me marcou e que ainda hoje me magoa. Não me deixaram seguir o que eu queria por estar numa cadeira de rodas. Na entendo a decisão, mas respeito.
Como é que chega ao banco Santander onde trabalha desde 2017?
Tínhamos estágios no curso profissional que fiz. Primeiro passei pelo departamento de comunicação de um laboratório da indústria farmacêutica. Lá arranjaram-me os meios necessários para eu poder trabalhar. Depois estagiei no Teatro da Malaposta, em Odivelas, também no departamento de marketing. Foram os meus colegas que durante um mês e meio me deram a alimentação. Cheguei ao banco através da associação Salvador. Até lá, mandava o meu currículo, ia a várias entrevistas, mas não obtinha resposta. As pequenas empresas não estão preparadas para receber uma pessoa com deficiência. Quando entrei no Santander, eu era a única pessoa em cadeira de rodas elétrica. Era a mais dependente, porque o banco já tinha outras pessoas com deficiência. O banco adaptou o espaço sempre em comunicação comigo. Mandaram fazer uma mesa igual à dos meus colegas, com os pés mais altos, para estar adaptada a mim. Arranjaram forma de eu atender o telefone fixo através de um auricular ligado ao computador. Depois de eu lá estar, entraram mais pessoas também a precisar de ajuda. Foi aí que o banco chamou uma cuidadora para ajudar todas as pessoas do banco com necessidades especiais.
Está no banco há quase seis anos, sente-se integrada?
Foi uma integração excelente. Não era a minha área, aprendi tudo do zero, mas as pessoas foram inexcedíveis. Nunca senti discriminação. As pessoas, de maneira geral, têm medo do desconhecido e o primeiro impacto é sempre difícil, porque têm medo de magoar e não sabem o que dizer nem o que fazer. Mas eu sou muito comunicativa e desmistifico as coisas. Correu muito bem. Eu vou muitas vezes almoçar com os meus colegas e não preciso da cuidadora todos os dias, por exemplo.
No seu dia a dia, há algo que a impeça de ter uma vida normal?
Eu sou, acima de tudo, uma privilegiada, porque tenho uma vida bastante normal para a minha situação. Mas respondendo à sua pergunta, o que me impede de ter uma vida normal são, sem dúvida, os acessos. As infraestruturas não estão preparadas. O nosso país ainda tem muito caminho para desbravar em relação aos acessos. Refiro-me à calçada, aos espaços públicos, balcões de atendimento, caixas de multibanco, transportes... O problema hoje em dia não são tanto as pessoas, mas mais a infraestruturas. A capital não está de todo adaptada para pessoas com cadeira de rodas e outro tipo de deficiências.
Infelizmente nós ainda não estamos preparados para ver uma apresentadora em cadeira de rodas. Mas acho que isso seria um choque social importante
Todos temos os nossos sonhos de vida. Qual é o seu?
Estando muito feliz por estar no banco, admito que o meu sonho é trabalhar em televisão. Adorava apresentar um programa. Adorava ser apresentadora de televisão, mas acho que ainda não estão preparados para mim. Infelizmente nós ainda não estamos preparados para ver uma apresentadora em cadeira de rodas. Mas acho que isso seria um choque social importante. Não desisti e ainda tenho esse sonho.
A Patrícia tem uma boa disposição que é contagiante. Herdou esse traço de alguém?
Tenho uma estrutura familiar excelente. Nós somos pessoas muito alegres. Brincamos com a situação. Desmistificamos muito a minha condição física. Eu vejo as coisas sempre pelo lado positivo e não me agarro às coisas negativas, caso contrário passaria os dias a chorar e a fazer-me de coitadinha. Se eu me tivesse feito de coitadinha, não tinha chegado onde cheguei hoje. O meu sonho é mesmo fazer televisão e ainda não desisti. Acho que tenho de dar tempo à sociedade para entender que é possível. Nunca quis nada por pena. Sempre quis tudo por mérito. No banco Santander, todo o meu trabalho é por mérito, e isso é muito bom.
Gostaria de ser mãe ou já pensou nessa possibilidade?
Já tive essa conversa com o meu companheiro. Gostava, mas sou muito consciente da realidade. Não quero ter uma criança para os outros cuidarem. Eu não consigo mudar uma fralda, nem dar um biberão. Não quero dar mais trabalho a terceiros por um capricho meu. Gostava de ser mãe se não tivesse esta condição, mas tendo a deficiência motora que tenho seria egoísmo da minha parte trazer uma criança ao mundo para os outros cuidarem. É uma responsabilidade muito grande. Tenho três cães e um gato e - não sendo a mesma coisa - são os meus filhos. Além disso há uma coisa boa no meio disto tudo: o meu companheiro já tem um filho de nove anos. No entanto, quero salvaguardar que conheço casos de pessoas com a minha doença que têm filhos e está tudo certo. No entanto, no meu caso, eu não vejo essa necessidade para ser feliz.
O que é que é um bom dia para si?
Um dia bom para mim é saber que cheguei a casa e ter na consciência que fiz o meu trabalho bem feito e poder acordar no dia seguinte para mais um dia.
Ao fim de semana gosto de passear. No verão gosto de ir à praia, gosto de ir ao cinema e à piscina. Tenho uma vida absolutamente normal. Também saio com os meus amigos para tomar café, por exemplo.
Estima-se que 6% da população tenha uma doença rara, o que significa que em Portugal existirão cerca de 600 mil pessoas com uma destas patologias. Que mensagem é que a Patrícia gostaria de deixar para todas elas?
Acima de tudo quero dizer-lhes que nunca desistam. Eu ouvi muitos "nãos" em relação a trabalhos e entrevistas, por exemplo. Mas eu sabia que tinha de continuar a tentar. Eu não podia desistir por ouvir um não. Até podemos ouvir um não, mas numa próxima oportunidade podemos ouvir um sim. Não devemos desistir perante as dificuldades que nos aparecem.
Comentários