Gonçalo nasceu no dia 1 de julho de 2017 depois de uma cesariana de emergência. Veio ao mundo pouco reativo, descreve a mãe, Tânia Vargas, que conta que mais tarde o filho foi diagnosticado com hipotonia, ou seja, baixo tónus muscular devido à diminuição do estado normal de firmeza ou elasticidade dos músculos.
Após uma semana de internamento na neonatologia, Gonçalo continuou hipotónico. Saiu do hospital com indicação para fazer uma ecografia transfontanelar para determinar se tinha algum tipo de problema que justificasse aquele estado clínico. Mas os testes diziam que "estava tudo bem".
Gonçalo iniciou fisioterapia com um mês de idade e dois meses depois foi visto pela primeira vez pela especialidade de genética médica, que pediu exames complementares de diagnóstico. Durante este tempo, o pequeno Gonçalo não atingiu as metas de desenvolvimento motor esperadas para a sua idade. Só conseguiu segurar a cabeça com segurança aos 6 meses, por exemplo.
Durante o crescimento, os pais de Gonçalo, Tânia Vargas e Ricardo Lopes, aperceberam-se que o bebé era altamente alérgico à proteína do leite, reagindo inclusivamente ao toque e cheiro. Mais tarde Gonçalo revelou ter alergia ao ovo, soja e trigo.
Aos 6 meses, Gonçalo fez um exame genético chamado exoma clínico ou mendelioma, um painel desenhado para estudar milhares de genes. O diagnóstico chegou poucos dias antes dos 12 meses, já depois de aos 9 meses fazer a primeira fratura visível. Gonçalo sofre de Osteogénese Imperfeita e Síndrome de Ehlers-Danlos. Duas doenças raras.
Ambas são patologias que afetam o tecido conjuntivo e têm origem numa mutação genética que afeta o colagénio, uma estrutura presente nos ossos, músculos, órgãos e articulações. Esta mutação genética só está presente em mais dois casos registados no mundo. A incidência das duas síndromes em simultâneo é inferior a 1/1000000.
A Osteogénese Imperfeita (OI) caracteriza-se por ossos frágeis que levam a fraturas de forma quase espontânea. Esta síndrome tem diversos possíveis problemas associados, como vasos sanguíneos que rompem com facilidade; deformidades ósseas; restrição de crescimento; falta de densidade óssea; perda de audição (50% dos afetados) ou prolapso da coluna cervical, só para nomear alguns.
A síndrome de Ehlers-Danlos (SED) afeta maioritariamente os músculos e articulações e tem como possíveis sintomas hipotonia; lesões musculares; deslocamento das articulações; subluxações e luxações; hipermobilidade das articulações; deformidade em botoeira; escoliose; pele frágil e com facilidade de hematomas; entre outros.
Como foi receber este diagnóstico, Tânia?
O diagnóstico aconteceu poucos dias antes dos 12 meses, em junho de 2018. O Gonçalo tem uma mutação num gene ligado ao colagénio, que provoca Osteogénese Imperfeita e Síndrome de Ehlers-Danlos. Para nós acabou por ser um alívio, porque já nos debatíamos com a incerteza há muito tempo.
Ter um nome, uma "entidade" para a qual nos poderíamos preparar, foi um ponto-chave no nosso dia-a-dia. Depois de recebido o diagnóstico, as nossas pesquisas e trabalho viraram-se para as doenças raras, para a inclusão da deficiência na infância e para o esforço de preparação que as síndromes exigem.
Acreditamos que a informação é o caminho para a inclusão e cá continuamos a fazer este caminho de divulgação
Consegue descrever esforço de preparação?
Tivemos de aprender a segurá-lo, porque temos de distribuir a pressão das nossas mãos pelo corpo dele, levantá-lo pelas axilas e por debaixo do rabo. Os movimentos têm de ser todos ponderados e calculados. É preciso vigilância constante de modo a não ficar em situações de perigo. Ele tenta sentar-se em W e nós temos de o sentar corretamente, pois já fez uma fratura assim. Tivemos de aprender a mudar-lhe a fralda por causa do risco de fratura, evitamos espaços apertados ou com muitas pessoas pois um puxão mais forte pode significar uma luxação...
No início, sentíamo-nos perdidos, porque não tínhamos ninguém que nos ensinasse a lidar com uma criança com as especificidades do Gonçalinho. Torna-se muitas vezes difícil explicar a pessoas que não nos conhecem e começam a interagir com o Gonçalo na rua que umas cócegas nos pés ou puxar pela mão é suficiente para o magoar. Ou caso a pessoa tenha tido contacto com um alérgeno, um toque na pele é o suficiente para desencadear uma reação alérgica. No entanto, como acreditamos que a informação é o caminho para a inclusão e cá continuamos a fazer este caminho de divulgação.
Quais são as limitações do Gonçalo para um bebé de 21 meses?
O Gonçalo tem diversas limitações associadas às síndromes e aos outros problemas de saúde. Tem de ser vigiado 24 horas por dia, porque o perigo de fratura ou luxação é muito grande. Não se segura de pé sozinho nem anda, como tal ainda tem de ser carregado ao colo, pois já não aceita carrinho. Todos os movimentos do Gonçalo têm de ser feitos com calma e paciência, que lhe tem de ser incutida por nós, pais. A própria colocação de mãos e pernas no sítio correto tem de ser apoiada por nós, porque como o Gonçalo tem hiperlascidez, acaba, por exemplo, por rodar um pé demasiado ou tirar um dedo do sítio, o que acarreta riscos físicos.
Relativamente às alergias, como reage não só por ingestão, mas também por toque e cheiro, temos de evitar ao máximo estar próximo dos alérgenos dele. A dieta do Gonçalo é extremamente bem definida, porque qualquer alimento pode sofrer contaminação de um alérgeno e desencadear uma reação alérgica. Ainda em relação à dieta, devido à questão sensorial e à dificuldade na mastigação/deglutição, a comida tem de ser toda passada. Os únicos sólidos que o Gonçalo tolera são bolachas especiais e cenoura crua.
No que diz respeito à dificuldade respiratória e apneias, quando está mais entupido, temos de vigiar mais atentamente o sono dele, pois muitas vezes engasga-se e tem dificuldade em respirar.
Algumas fotos do Gonçalo e da família
Cuidar de um bebé com este diagnóstico exige viver em constante estado de alerta. Como é a gestão do vosso dia a dia enquanto pais?
O nosso dia a dia é passado em hospitais, entre consultas, exames e terapias. O Gonçalo faz diariamente diversas terapias e o único dia livre que temos é o domingo. São, se não estou em erro, cerca de 15 especialidades médicas que o seguem neste momento, o que faz com que a agenda seja bastante preenchida.
Cada micro evolução é motivo de celebração e é isso que nos dá força enquanto pais
O Gonçalo, como criança cognitivamente típica, já se começa a aperceber das suas próprias limitações, o que desencadeia alguma frustração nele. Ele quer fazer o que os outros meninos fazem e não consegue ou não pode. Como não fala, também não consegue comunicar o que deseja, o que acaba por ser outra fonte de frustração.
O quotidiano exige uma gestão de expectativas constante. Por mais que tentemos focar-nos apenas nas vitórias do nosso pequeno, é inevitável olhar para crianças da idade dele, com desenvolvimento típico e pensar na diferença que ainda existe. No entanto, cada micro evolução é motivo de celebração e é isso que nos dá força enquanto pais. O sorriso do Gonçalinho, a sua boa disposição, e a sua simpatia acabam por ser a força que nos move.
Tratando-se de doenças em que se sabe pouco, como é a vossa relação com os profissionais de saúde?
Temos recebido um enorme apoio por parte da equipa de médicos, terapeutas, enfermeiros e auxiliares administrativas. São profissionais fantásticos, preocupados e disponíveis. Ouvem as nossas preocupações e tentam sempre tranquilizar-nos, mas nunca desvalorizam a nossa opinião. Acredito piamente que o Gonçalo não teria chegado tão longe se não fossem eles. O Gonçalo é atualmente seguido em Braga, Coimbra e Porto.
Qual o prognóstico do Gonçalo?
O prognóstico do Gonçalo é desconhecido, nem se tentam estabelecer metas. O objetivo é ir trabalhando pouco a pouco o seu desenvolvimento. Por exemplo, não sabemos se, como e quando vai andar (se vai necessitar de auxiliares de marcha, por exemplo). É uma incógnita.
Sabemos que, por exemplo, terá de evitar desportos de contacto ou de stress. Sabemos que terá certos problemas de saúde associados (as fraturas, a hipotonia, hiperlascidez, problemas auditivos, problemas cardíacos, respiratórios). Não fazemos ideia de até quando terá de fazer a evicção de certos alimentos ou se as alergias irão desaparecer num futuro próximo. É cedo ainda para sabermos o que nos reserva o futuro.
Têm recebido apoio de outros pais de crianças com doenças raras?
Ao início desconhecíamos o que seria este mundo e acabámos por receber muito apoio em grupos internacionais sobre a hipotonia (o grande sintoma do Gonçalo, quando não sabíamos de mais nada) e mais tarde das síndromes. Depois acabamos nós por nos tornar nesse apoio, devido às imensas pesquisas, experiência e horas a navegar toda a burocracia neste mundo das doenças raras. Atualmente, na página no Facebook do "Mundo do Gonçalinho" vou relatando o nosso dia a dia e tentando passar informação a outros pais e sociedade no geral.
Qual foi o vosso objetivo quando criaram a página de facebook?
A página pretende dar a conhecer a realidade das doenças raras, das deficiências e alergias e dar apoio a outros pais em particular. Surgiu devido à quantidade de informação que fui reunindo e guardando, não só ao nível de doenças e alergias, mas também ao nível burocrático, de pesquisa, entre outros.
O objetivo principal acaba por ser desmistificar este mundo tão desconhecido para tanta gente.
O SAPO Lifestyle agradece a cedência das fotografias a Vânia Santos Fotografia.
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