Na carta a que a agência Lusa teve hoje acesso, a OM refere que “não detém” legitimidade, à luz da lei, para requerer a fiscalização abstrata sucessiva das normas em causa do Orçamento do Estado para 2022 e que, por essa razão, requer que “seja intentado o competente processo de fiscalização junto do Tribunal Constitucional”.

Fonte da OM adiantou que carta foi enviada ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, à Procuradora-Geral da República, à Provedora da Justiça, aos líderes parlamentares, com exceção do PS, entre outras entidades.

Esta posição foi aprovada no plenário do Conselho Nacional da Ordem e surge na sequência da possibilidade de contratação de clínicos sem especialidade para colmatar a falta de médicos de família, uma medida que a anterior ministra da Saúde, Marta Temido, assegurou que pretende responder apenas aos casos de doença aguda, não contando para os rácios de cobertura de medicina geral e familiar.

Para a OM, esta medida consubstancia “uma grave violação do Direito da União Europeia”, uma vez que coloca em causa as obrigações dos Estados-membros, neste caso de Portugal, previstas numa diretiva comunitária sobre o reconhecimento das qualificações profissionais.

“Em particular, é violado o artigo 29.º da Diretiva que faz depender o exercício da atividade de médico especialista em Medicina Geral e Familiar no âmbito do respetivo serviço de saúde da posse de um dos títulos de formação que a própria diretiva identifica”, alega a ordem, ao avançar que, por essa razão, enviou a sua exposição também à Comissão Europeia.

Além disso, sublinha a OM, a norma em causa representa uma “grave violação do direito ao acesso aos cuidados de saúde e no direito à saúde” consagrados na Constituição.

“O princípio da igualdade impõe aos poderes públicos (e ao legislador) a obrigação de um tratamento igual de todas as pessoas individuais perante a lei e uma proibição de discriminações infundadas, sem prejuízo de impor diferenciações de tratamento entre pessoas, quando existam especificidades relevantes que careçam de proteção”, refere o documento.

Segundo a ordem liderada por Miguel Guimarães, ao atribuir a médicos não diferenciados a responsabilidade por listas de utentes que não possuem médico de família, a norma em causa está a “ferir o princípio da universalidade e a discriminar estes utentes no acesso aos cuidados de saúde primários, impedindo-os de aceder a cuidados diferenciados, sem que existam situações fundamentadas que justifiquem este tratamento desigual”.

“Isto é, estão a ser violados os citados princípios constitucionais da universalidade e da igualdade”, preconiza a OM.

A carta salienta também que a “medida a adotar nem sequer é provisória”, uma vez que o contrato do médico não diferenciado pode atingir até três anos de vigência, o que quer dizer que o utente pode permanecer na lista do clínico não especialista por esse período de tempo.

A OM alerta que a atribuição da responsabilidade pelo atendimento de utentes nos cuidados de saúde primários a médicos não especialistas, “para além de constituir uma violação das qualificações profissionais e das carreiras médicas que se encontram consagradas no Serviço Nacional de Saúde”, representa também um “recuo na qualidade dos cuidados de saúde primários que, de há décadas, contribuem para a melhoria dos índices de saúde em Portugal”.

De acordo com dados do Governo, cerca de 1,4 milhões de pessoas não têm médico de família atribuído em Portugal.