Ao sair do metro, no Martim Moniz, confrontamo-nos com uma intensa atividade de transporte de mercadorias à volta do Centro Comercial da Mouraria. A maioria das pessoas parece ser de origem chinesa. Dos entrepostos comerciais, armazéns e lojas entram e saem enormes embalagens de cartão. O esforço físico e a intensidade do negócio são evidentes.

Os telemóveis não param de tocar e ninguém presta atenção a ninguém, num local que não é particularmente apelativo.

Na praça, há pequenos jardins com alguns arbustos e relva pisada. Há sacos de plástico com pertences ou lixo lá dentro, e muito cartão na terra, dando a impressão de estes serem locais usados para pernoitar.  À volta da praça estão uma ou duas dezenas de pequenos grupos de imigrantes. Uns com pessoas de origem asiática, outras com pessoas de origem africana. A aproximação de desconhecidos é vista com alguma desconfiança e desconforto. Só há homens na rua. Parecem um pouco tensos, falam uns com os outros, mas não há misturas, nem habitantes locais. Estes últimos abandonaram os bairros populares onde viverem durante gerações, empurrados pelo estado degradado em que se encontravam, pela pobreza em que viviam e pelo poder de compra de alguns dos novos moradores. O pequeno comércio local e as organizações de moradores que sustinham as comunidades, ligando as pessoas entre si, praticamente que desapareceram, deixando as que ainda lá vivem ainda mais desamparadas.

A pobreza dos outros, seja ela qual for, acaba sempre por nos empobrecer a todos.

A Praça da Figueira está repleta de barracas de comes e bebes, restaurantes de ocasião e superfícies anexas, com dezenas de mesas e cadeiras. Está tudo cheio. O ar cheira a fritos e a comida de rua. Pelo que se ouve, os turistas são maioritariamente espanhóis.

O ambiente não é agradável, nem convidativo.

Daqui até ao Chiado e arredores, encontramos dezenas de edifícios e andares abandonados. Há também muitos edifícios que foram convertidos em hotéis. Outros, de acordo com os painéis pendurados na fachada, vão ser transformados em apartamentos T1 e T2, de luxo. Não é expectável que se destinem a cidadãos comuns, ou a famílias e muito menos a famílias com crianças.

Não há famílias, nem crianças, no centro de Lisboa, mas a Santa Casa afirma que “A Sorte sorri a 1 em cada 3**”.

Ao fim da tarde, já escuro, depois de um café que no bar de uma livraria custa 1,50 €, milhares de pessoas deambulam pelas ruas, sem rumo. É uma procissão ininterrupta, uma extensa nuvem de pessoas, quase coladas umas às outras. Numa esquina, sentada no chão húmido, uma senhora de idade avançada, toda embrulhada em panos negros, acompanhada por dois coelhos que não mechem, agita uma lata onde, com alguma vergonha, deposito algumas moedas.

Não se vêem sorrisos, nem se ouvem risos.

Só o barulho desagradável de muitas pessoas a falarem ao mesmo tempo, carros e autocarros a passarem, motos a acelerar. Sem fazer ruido, deslizam de minuto em minuto, os transportadores de refeições pré-feitas, que nunca param, nem à noite quando o centro da cidade fica deserto.

Quase ninguém mora no centro de Lisboa.

A ausência da alegria e dos nacionais no centro da cidade, onde se publicita a imensa riqueza paredes-meias com a extrema pobreza, a confrontação com os grupos étnicos socioculturalmente isolados, mas predominantes, o deambular, sem rumo, da massa humana, tudo isto cria uma experiência stressante e angustiante que potencia a doença.

A cidade, desfigurada e desumanizada, parece sentir-se ameaçada.

A cerimónia presidida pelo Sr. Presidente do Município na qual um religioso apela à proteção divina e benze, com água benta, a máquina perfuradora utilizada na nova linha do metro, parece não ter como efeito diminuir o mal-estar, a angústia e a tristeza que se sente.

Provavelmente precisamos que o cidadão, as crianças e as famílias nos digam para humanizar a cidade e torná-la saudável.

A baixa de Lisboa precisa, urgentemente, que muitos cidadãos e famílias lá se instalem. A cidade precisa também de afastar carros e aviões, criar grandes jardins, com conceitos diversificados, para as crianças brincarem e os adultos descansarem.

A cidade precisa que os cidadãos a reclamem e lhe prestem mais atenção para assim melhor protegerem a sua saúde, hoje e amanhã.

Um artigo de opinião de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.