Já tinha ouvido já falar desta doença mental?
Sim, sempre li sobre produtividade e como nos devemos manter ativos, dormir bem, ter uma alimentação saudável para nunca termos problemas com o corpo ou mente, mas sempre gostei de dar o meu melhor em tudo o que fazia, e o meu perfeccionismo levou-me a picos de ansiedade para conseguir sempre dar ainda melhor e atingir patamares e ritmos de produtividade nunca antes vistos, o que me estimulava a continuar a entregar sempre mais e melhor.
Na empresa diziam muitas vezes – “Não sei como consegues, eu já não aguento” e eu respondia “eu consigo tudo o que quero” e a verdade é que conseguia, mas não estava a escutar corretamente o meu corpo e não me apercebi dos primeiros sinais.
Quais foram os primeiros sinais que sentiu?
Os primeiros sinais passam muito despercebidos, vêm quase sempre associados a muito trabalho. Dormimos pouco, porque estendemos o horário de trabalho até muito tarde e quando acordamos no dia seguinte sentimo-nos muito cansados, mas como trabalhámos até horas muito tardias pensamos que é normal. Eu acordava quase todos os dias cansada, mesmo dormindo 7 horas por dia, que para mim era um luxo, dado que havia dias que só conseguia dormir 2 ou 4 horas para conseguir terminar o trabalho.
Depois comecei a não ter limites durante o dia também. Almoçar em 10 ou 20 minutos passou a ser normal, pois assim tinha a perceção que conseguia ser mais produtiva e eventualmente conseguir não sair tão tarde. Por vezes, até preferia comer diretamente no meu posto de trabalho em frente ao computador (ou porque tinha reuniões durante a hora de almoço ou tinha de finalizar a apresentação para essa tarde).
Não sentia fome, nem sede, nem vontade de descansar, o mais importante era só e apenas terminar as tarefas para conseguir sair e ir para casa para estar com a família e entrar no segundo trabalho, o de mãe e esposa. Os dias repetiam-se e nada parecia anormal, apenas uma profissional, mãe e mulher a tentar o melhor de si, com as consequências de ter uma carreira promissora de Diretora.
Mais tarde, começaram a vir pensamentos acelerados sobre trabalho a qualquer hora da noite. Acordava sobressaltada e já não conseguia dormir, ligava o computador para terminar o que tinha ficado a meio ou resolver uma situação difícil cuja solução acabava por vir enquanto dormia ou responder as centenas de mails que recebia diariamente. Sonhava com trabalho e falava durante os sonhos sobre o trabalho, quando acordava já não conseguia adormecer.
O cansaço começou a ser cada vez maior e comecei a ter períodos de tristeza profunda, por vezes com ataques de choro compulsivo sem razão e sem conseguir parar, felizmente sempre em casa e de manhã quando acordava, nunca no trabalho!
No trabalho e em casa comecei a experienciar situações físicas até então nunca vividas como aceleração cardíaca muito rápida, dores de cabeça insuportáveis (enxaqueca) e ainda dormência na cara e nos membros superiores. A sensação era horrível e parecia que estava prestes a ter um ataque cardíaco ou AVC. Só mais tarde percebi que eram ataques de pânico. Enquanto duravam estes episódios ficava imóvel, à espera que passasse, pois não me conseguia mexer, só falar. Penso que nunca ninguém notou, mas era uma situação muito constrangedora, aterradora e de impotência, principalmente porque tipicamente estava a fazer uma apresentação para toda a empresa.
O que fez quando sentiu esses sinais?
No início nada, pois achava que era cansaço normal por não dormir e estar a trabalhar demais. Quando os sinais começaram a ser físicos, de ataques de pânico, ou choro incontrolável, recorri a um psicólogo e mais tarde a um cardiologista que me disse que estava com stress crónico e com síndrome de pensamento acelerado e que deveria mudar o meu comportamento, impor limites na carga de trabalho e recorrer a um psiquiatra, pois fisicamente estava tudo bem e, portanto, o problema era comportamental e mental.
No início, tendemos a desvalorizar porque não é uma doença que nos limite imediatamente e permanentemente, são episódios pontuais que com o tempo começam a ser mais recorrentes, mas pensamos sempre que é devido ao trabalho excessivo e que a partir daquele dia vamos melhorar o nosso comportamento e impor limites e tudo vai ficar bem. A realidade é que acabamos por nunca o fazer, porque somos engolidos pelo stress laboral e ainda pelo facto de, até que ao próximo episodio de ataque de pânico aconteça, acreditarmos que não temos nenhum problema mental, pois estamos perfeitamente lúcidos e com capacidade de trabalhar e de decidir. Vamos sentindo-nos mais cansados e menos produtivos, mas associamos sempre à carga excessiva de trabalho (estamos em negação) e cada vez agravamos mais a nossa situação.
Quando decidiu ir ao psiquiatra?
Só depois de um ano no psicólogo e de várias consultas e exames de medicina interna, cardiologista, fisioterapia, dermatologia e ainda sessões de acupuntura, massagens, terapias variadas é que assumi que não tinha nada a perder em pedir ajuda também a um psiquiatra.
Não encontrei à primeira a minha atual psiquiatra, mas foi à segunda e ainda bem que a encontrei. Tem sido uma ajuda maravilhosa, porque só depois de começar a ter o seu acompanhamento é que me percebi que estava pior do que eu julgava. Após várias consultas, medicação e conselhos da psiquiatra, os ataques de pânico terminaram, as dores de cabeça diminuíram, o stress diminuiu, bem como os episódios de aceleração cardíaca. O processo não foi simples. Inicialmente rejeitei um período de baixa médica indicado pela médica, decisão essa que mais tarde levou a que o tratamento tivesse que ser mais prolongado. Existiram momentos em que receei ficar dependente de antidepressivos (6 meses) e ansiolíticos (6 meses, que devia ser apenas 1 mês) devido ao período prolongado do tratamento. Com a ajuda preciosa da minha psiquiatra definimos um plano de desmame da medicação e evitar a dependência dos fármacos.
Hoje aconselho que sigam as indicações do médico desde o início quanto à baixa e à medicação, pois a recuperação pode ser de 1 a 3 meses e não de 6 a 12 meses, como no meu caso. O mais importante é mesmo reconhecer os sinais, aceitar e pedir ajuda médica especializada pois a doença mental é tão importante como qualquer outra doença. Tem de ser tratada o quanto antes e vigiada após a recuperação para não haver espaço para recaídas, que infelizmente são bem frequentes.
Acha que há muitas pessoas em burnout?
Tenho ideia de que sim, mas gostava de ter acesso a estatísticas recolhidas por institutos competentes até para outros sectores, pois penso que com as exigências atuais das empresas em que os recursos são cada vez mais escassos, esta pode mesmo ser a doença silenciosa do século e que vai custar muito dinheiro a todos nós, através da Segurança Social, pois as baixas são sempre no mínimo de 30 dias e, normalmente, renováveis. Como as recaídas são frequentes, o melhor é mesmo prevenir e não deixar que as novas gerações entrem nesta espiral de doenças mentais que vejo afetar muitos amigos em vários sectores.
Qual o conselho que tem a dar a quem nos está a ler?
O melhor conselho é que se priorizem sempre em primeiro lugar, escutem os sinais do corpo, pois ele começa a dar sinais que tipicamente desvalorizamos. Aos primeiros sinais peçam ajuda especializada. Recorram a um psicólogo se for apenas comportamental ou a um psiquiatra se já existirem sintomas físicos para complementar. Sigam as instruções à risca, foco nos hobbies que vos dão prazer para não se dedicarem 200% ao trabalho. Aceitem o facto de precisarem de descansar e assim que o médico aconselhar a baixa médica de 30 dias, iniciem-na. Sigam à risca a medicação prescrita pelos médicos e não tenham receio de eventuais dependências ou medicação que vos vai retirar a vossa essência ou adormentar-vos durante todo o dia. A medicina evoluiu e os médicos estão cada vez mais sensíveis para estas situações.
No momento em que estiverem recuperados, partilhem a vossa história, pois temos de desmistificar as doenças mentais. Têm cada vez mais que ser encaradas como as restantes doenças ditas “normais”. O preconceito que atualmente ainda existe sobre a doença mental, psiquiatria e ou depressão, potencia comportamentos de negação e leva a que as pessoas tenham vergonha de recorrer a ajuda médica para superarem as suas dificuldades. Hoje em dia, infelizmente é muito mais comum do que pensamos, ao nosso lado podemos ter pessoas que sofrem silenciosamente com doença mental e que, às vezes, apenas precisam de ouvir testemunhos semelhantes para deixarem de pensar que é um problema que apenas as afeta a elas. Esta sensação de empatia e identificação com a pessoa que partilha a sua estória irá ajudar a motivar as pessoas a procurarem ajuda e passarem a ser também elas acompanhadas por médicos especializadas para rapidamente recuperarem e não evoluírem para outros casos mais complicados (casos de depressão crónica com 10 anos) ou suicídios.
Partilhem e divulguem para que chegue ao maior número de pessoas possível. Necessitamos que a saúde mental seja o foco de todos e a base para o bem-estar de todas as gerações.
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