A morte é uma consequência da vida. Esta deve ser encarada como algo que temos que enfrentar e viver com esta finitude um dia. Morrer aos 80 anos não é a mesma situação que morrer aos 2 anos. A morte de uma criança é antinatural, visto não haver nome para os pais que perdem um filho.
A criança é considerada saudável e todos pressupomos que o seu futuro seja alegre e seja muito feliz. A vida por vezes contraria esta previsão e a criança é atingida por uma doença que incapacita e promove o seu fim. Todos consideramos esta situação injusta e grave. Porquê de tudo isto, quando esta, está no início de uma caminhada e poderia ter um futuro cheio de sonhos.
A morte não assusta a criança, esta por vezes verbaliza a morte como adormecer, mas demonstra preocupação como irão ficar os familiares com as saudades da sua ausência. Um dia perguntaram a uma criança de 11 anos se tinha medo de morrer, esta respondeu “não tenho medo de morrer, mas não sei como a minha mãe vai suportar a dor da minha perda. Sei que ela vai sentir muitas saudades minhas e vai ficar muito triste. Isto preocupa-me muito mais que morrer”. Uma criança quando parte, inicia a sua viagem de forma tranquila porque esta não tem terreno.
O adulto inicia a sua viagem por vezes de forma atribulada porque tem dificuldade em deixar tudo o que construiu durante uma vida. Nada é nosso, tudo fica. Nunca pensamos que um dia tudo termina, sabemos tudo isso, mas não queremos falar nem pensar nessa situação. Preferimos viver como se nada fosse acontecer um dia. Como profissional de saúde tenho que enfrentar a morte diariamente e esta acompanha-me como um fantasma que me envolve e desafia. O meu mundo é a pediatria e fico muitas vezes zangada com a morte pelos roubos que ela traz aos pais que não tiveram a hipótese de viver o seu estatuto de pai ou mãe. Ficou assim um sonho interrompido para nunca mais vai ser vivido.
O que devo fazer perante esta situação? Nada posso oferecer porque me sinto impotente para tal situação. O que eu sinto é tristeza, revolta pela atitude da morte ao levar um ser humano que não teve hipótese de viver a vida e ser feliz. Muitas destas crianças antes de partir sofrem muito como consequência dos procedimentos terapêuticos infringidos pelos profissionais que não sabem parar. Estes consideram uma derrota deixar partir quem não tem hipótese de sobrevivência. Eu também sou um deles, porque todos nós fomos formatados para curar e não para paliar.
A qualidade de vida engloba não ter dor e sermos felizes. Paliar é tão importante como curar. O início desta caminhada deve ser feito com tranquilidade, sensibilidade e acima de tudo sem dor. A morte na faixa pediátrica é o maior roubo para os pais que nunca imaginaram viver esta situação um dia. O que deve ser valorizado é a vida, esta pode ser longa ou curta, mas que esta seja de qualidade.
Os filhos são a ancora dos pais. Aos profissionais deixo esta mensagem: façam tudo o que estiver ao vosso alcance para que amanhã não sejam invadidos pelo “se eu fizesse isto talvez proporcionasse qualidade de vida à criança”, ou se “não importa, este vai provocar nos profissional dor e desanimo ou seja vão ficar doentes”. A morte provoca traumas e cicatrizes nos profissionais de saúde. Há imagens que ficam para sempre na nossa memoria, os pais que após a norte da sua única filha abraçam as enfermeiras para agradecer tudo o que fizeram pela filha mesmo não conseguindo salvá-la. Não sei se teria esta atitude de gratidão neste momento de dor dilacerante. São lições de vida que ficam na nossa memoria para sempre.
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