Ter saúde sexual é poder fazer escolhas

A OMS define a saúde sexual como "um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social", mas, para quem não está familiarizado com este conceito, o que é que engloba?

Realmente é um conceito bastante vasto porque engloba todos os aspetos relacionados com a sexualidade feminina e masculina, não só a vertente da ausência de doenças ou o direito a experiências seguras e prazerosas. Ter saúde sexual é poder fazer escolhas relacionadas com a reprodução, com o controlo sobre a fertilidade individual, poder escolher usar métodos contracetivos ou mesmo recorrer à interrupção voluntária da gravidez. Ter saúde sexual é igualmente estar protegido contra a infeções sexualmente transmissíveis, estar livre de violência sexual, de violência ou discriminações e ter a possibilidade de tratar qualquer disfunção que surja, com a mesma naturalidade com que se trata qualquer outra doença. E é a junção de todos estes aspetos que nos permite afirmar que se trata de um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social. A ausência de um destes estados compromete uma saúde sexual plena e equilibrada.

as disfunções sexuais femininas podem ser tratadas, controladas

Parece-nos que é uma área da saúde mais complexa do que aparenta e com impacto não só na nossa qualidade de vida, mas também social. Concorda? 

Totalmente. Quando não estamos bem fisicamente e emocionalmente, a nossa vida social retrai-se. E se este mau estar se verificar por motivos de disfunção sexual, evitamos não só estar com outras pessoas socialmente, como recusamos qualquer tipo de relações de proximidade.

Este afastamento pode levar a situações extremas de isolamento e/ou de depressão, muitas vezes por vergonha ou desconhecimento, quando, na verdade, as disfunções sexuais femininas podem ser tratadas, controladas e são mais comuns do que se imagina.

é fundamental iniciar o acompanhamento médico logo na adolescência

Como é que, em casa, podemos vigiar a nossa saúde sexual e avaliar o seu estado? Com que frequência deveríamos fazer um check up médico e quais são os sinais/sintomas que nos devem levar a procurar ajuda especializada?

É fundamental que a saúde sexual passe a ser encarada com naturalidade quer no seio familiar, quer junto dos médicos. É um aspeto da nossa vida e da nossa saúde como qualquer outro. As principais dificuldades incluem a falta de informação, vergonha, preconceito e medo de diagnósticos. No entanto, é importante reforçar que a deteção precoce de sintomas facilita tratamentos eficazes e melhora a qualidade de vida

No caso das mulheres, é fundamental iniciar o acompanhamento médico logo na adolescência, com a primeira visita ao ginecologista por volta dos 13-15 anos, para se falar sobre puberdade, menstruação e métodos contracetivos. É importante que a educação sexual comece logo na adolescência para se evitarem desconhecimentos e problemas futuros. Na casa dos 20, começam os primeiros exames ginecológicos, vacinação contra HPV, e reforça-se o tema da contraceção. Aos 30 acentuam-se temas como a saúde reprodutiva, fertilidade ou doenças sexualmente transmissíveis. Por norma, aos 40 surgem de forma mais frequente as mamografias, controle hormonal e prevenção do cancro. A partir dos 50, além da prevenção do cancro surgem cuidados com a menopausa e andropausa.

A saúde sexual vai muito além da prática de sexo seguro

Tal como em outras áreas, a prevenção acaba por ter um papel importante para a manutenção de uma boa saúde sexual. Neste caso, não passa apenas pela prática de sexo seguro, correto? Ao não cuidarmos da nossa saúde sexual não corremos apenas o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, também existem as disfunções sexuais…

A saúde sexual vai muito além da prática de sexo seguro, embora este seja um aspeto fundamental também, porque está diretamente relacionado com a possibilidade de escolha da mulher em usar métodos contracetivos e, por consequência, evitar as DST’s ou gravidezes indesejadas. Mas, tal como o nome indica ter saúde sexual é ter saúde, e, como em qualquer outro aspeto da nossa saúde, a aposta na prevenção é fundamental. Neste caso, as mulheres já procuram ter um acompanhamento mais regular no que diz respeito à saúde íntima que se traduz, inevitavelmente, num aspeto positivo de forma a diagnosticar de forma precoce eventuais problemas de saúde que podem existir.

doenças têm sintomas em comum, pelo que é muito importante que cada pessoa conheça bem o seu corpo

Quais são as disfunções sexuais femininas mais comuns e como é que podem ser tratadas? 

São várias as disfunções que afetam as mulheres e que podem ser facilmente tratadas, contribuindo para melhorar consideravelmente o seu dia-a-dia e a sua vida.

No caso da vaginose bacteriana, os sintomas são o corrimento vaginal com odor forte (geralmente de peixe), prurido, desconforto, secreção amarelada, esbranquiçada ou acinzentada. O tratamento é simples e passa por antibióticos orais ou creme vaginal prescrito por médico. Devem evitar-se as lavagens vaginais, que podem alterar o pH natural da vagina.

Outra disfunção muito comum é a candidíase vaginal, que se destaca pelo prurido intenso, ardor, corrimento branco espesso (parecendo leite coalhado), vermelhidão e inchaço na vulva. O tratamento passa por antifúngicos em creme, comprimido ou supositório vaginal. É fundamental também melhorar os hábitos de higiene íntima e evitar roupas apertadas.

As doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) são outra preocupação e os sintomas dependem da infeção, mas frequentemente incluem corrimento anormal, dor ao urinar, feridas ou verrugas na área genital. Dependente da DST (como clamídia, gonorreia, herpes, sífilis), o tratamento pode incluir antibióticos ou antivirais. O uso de preservativo é essencial para prevenção.

Existe ainda a Endometriose, que tem como principal sintoma a dor intensa durante a menstruação e relações sexuais, ciclos menstruais irregulares e possíveis problemas de fertilidade. O tratamento pode incluir o uso de contracetivos, terapia hormonal, analgésicos e, em alguns casos, cirurgia para remover o tecido endometrial fora do útero.

Outra disfunção é o Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), que se caracteriza por irregularidades menstruais, acne, crescimento excessivo de pelos, dificuldade para engravidar, ganho de peso. O tratamento passa por contracetivos hormonais para regular o ciclo menstrual, medicamentos para controle das hormonas e tratamento dos sintomas (acne, pelos).

A Atrofia vulvovaginal (secura vaginal) é também muito comum e fácil de tratar. Caracteriza-se pela secura, dor durante as relações sexuais, irritação, prurido e sensação de queimadura vaginal, comum após a menopausa. O tratamento passa por lubrificantes, cremes à base de estrogénio, terapia hormonal e radiofrequência.

Por último, referir o cancro ginecológico (colo do útero, ovário, útero), que tem como principais sintomas o sangramento vaginal fora do ciclo menstrual, a dor pélvica, o corrimento anormal e a perda de peso inexplicada. O tratamento varia conforme o estádio e tipo de cancro (cirurgia, quimioterapia, radioterapia) e a deteção precoce aumenta probabilidade de cura.

Como se pode verificar, estas doenças têm sintomas em comum, pelo que é muito importante que cada pessoa conheça bem o seu corpo, que procure ajuda profissional sempre que achar que algo não está bem, que use métodos contracetivos, que faça exames regulares e que não desvalorize os sintomas que sente. A prevenção é muito importante e quanto mais cedo for detetado um problema, maior a probabilidade de cura.

por desconhecimento muitas mulheres consideram que o desinteresse sexual é uma questão social ou moral

Por questões sociais e morais, muitas mulheres podem não considerar o desinteresse sexual como um problema de saúde…

Diria que por desconhecimento muitas mulheres consideram que o desinteresse sexual é uma questão social ou moral. E por vergonha não falam abertamente com o médico ou com o parceiro, o que contribui para o prolongamento de uma situação que é um problema de saúde e não uma escolha.

Muitas vezes existe também a auto culpabilização, porque não percebem o que está a acontecer ou o apontar do dedo por parte do parceiro, que também as responsabiliza e que gera mais stress. O preconceito associado à saúde sexual faz com que os temas continuem a ser tabu e que as mulheres achem que estão sozinhas, quando, na realidade, são situações muito comuns.

Por tudo isto, é fundamental começar a falar-se de saúde sexual com naturalidade, colocar-se o tema na agenda diária e encarar estas consultas com naturalidade, como qualquer outra fundamental para o desenvolvimento e bem-estar humano.

ter saúde sexual vai muito além da sua sexualidade

Se as mulheres começarem a explorar mais a sua sexualidade, a ter uma mais consciência e controlo sobre a sua saúde sexual, que benefícios ou melhorias poderão ter na sua vida?

É fundamental que as mulheres percebam que ter saúde sexual vai muito além da sua sexualidade. É um direito que têm, é ter o controlo da suas escolhas, da sua saúde. É o poder dizer que não.

Se as mulheres perceberem que ter saúde sexual é tão importante quanto ter saúde mental, ou saúde física, torna-se mais fácil falar sobre o tema sem tabus e procurar ajuda profissional sempre que sintam que algo não está bem.

Contudo, para que exista esta confiança por parte das mulheres, é fundamental que a sociedade esteja aberta ao tema e que a própria comunidade médica tenha facilidade em abordar o tema.

Quando este passar a ser um tema natural, aí sim, as mulheres poderão gozar de uma saúde sexual plena.

A saúde sexual associada ao prazer é apenas um aspeto

A atualidade tem estado marcada por muitos escândalos de abuso e exploração sexual e as mulheres continuam a ser grande parte das vítimas. Sermos educadas a olhar para o sexo como fonte de prazer, a ter conhecimento dos nossos direitos sexuais e reprodutivos, ao mesmo tempo que consciência de que o nosso corpo é o nosso território, pode ajudar a empoderar mulheres e a sentirem mais segurança para denunciar situações de abuso?

A saúde sexual associada ao prazer é apenas um aspeto, mas é um aspeto muito importante porque está diretamente associado ao direito à escolha e ao saber dizer não. É fundamental que as mulheres percebam que ter saúde sexual é um direito e não um prazer e esse direito traduz-se em todos os aspetos relacionados com a sua sexualidade.

No caso das situações de abuso, a saúde da mulher fica claramente comprometida, pelo que é fundamental continuar-se a lutar e a denunciar os abusos para que num futuro próximo este deixe de ser um tema recorrente.