Com a oposição à patente do Kymriah, da companhia Novartis, apresentada hoje no Instituto Europeu de Patentes (IEP), a Médicos do Mundo (MdM) pretende condenar os abusos associados aos preços dos novos medicamentos para o tratamento do cancro, possibilitar aos governos a negociação de valores mais reduzidos, ou a organizar a utilização de tratamentos similares, e assegurar o acesso universal do tratamento médico mais adequado à sustentabilidade dos sistemas de saúde.

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Em agosto de 2018, duas novas terapêuticas com células CAR–T receberam autorização de comercialização na Europa – o Kymriah (tisagenlecleucel), da Novartis, e o Yescarta (axicabtagene ciloleucel), da Gilead Sciences. Utilizados no tratamento dos cancros sanguíneos, por via da modificação genética das células linfócitas T para que reconheçam e ataquem as células cancerígenas, estas terapêuticas genéticas trazem uma grande esperança para os doentes, famílias e profissionais de saúde.

"De facto, para os doentes com linfomas que podem representar risco de vida, os estudos clínicos disponíveis apontam para taxas de sobrevivência estimadas em 40% para o Kymriah e 60% para o Yescarta", admite a MdM em comunicado.

A 320 ou 350 mil euros por doente, o preço da esperança e a abordagem extremamente personalizada desta tecnologia médica inovadora é "exorbitante", defende a organização. "Tais valores não podem ser justificados nem pelos custos de produção, nem pelos investimentos em investigação e desenvolvimento, já que são amplamente suportados por fundos públicos nos EUA e Europa. A própria Organização Mundial de Saúde, num recente relatório sobre o custo dos medicamentos contra o cancro, chamou a atenção para o facto de este reflectir apenas os interesses comerciais da indústria farmacêutica", acrescenta a nota.

Governos acusados de aceitar monopólios na indústria

"Em 2014, o preço do sofosbuvir, medicamento utilizado para o tratamento da hepatite C, no valor de 41 mil euros por doente, levou os países a limitarem o acesso a um determinado número de doentes", relembra Philippe de Botton, presidente da Médicos do Mundo em França. "No que se refere ao preço dos novos medicamentos contra o cancro, e em particular das novas terapêuticas CAR-T, o problema é elevado a um novo nível. Quanto tempo ainda vai ser necessário para que os governos revejam os critérios que baseiam o acesso aos medicamentos contra o cancro?", questiona o responsável.

Atualmente utilizadas para o tratamento de determinados tipos de cancros raros e muito específicos, as terapêuticas CAR-T continuam em investigação em ensaios clínicos para um conjunto de outras indicações. No futuro, os sistemas de saúde poderão adoptar esta abordagem terapêutica de forma mais alargada. "No entanto, com estes preços elevados, não vão conseguir assegurar o acesso universal ao tratamento médico mais adequado, sem comprometerem a sua viabilidade financeira", adverte a MdM.

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A MdM decidiu assim denunciar estes preços exorbitantes, através da oposição à patente de um destes novos medicamentos, nomeadamente o Kymriah. "As patentes que protegem estas terapêuticas impedem a concorrência e permitem também às companhias a prática de preços exorbitantes. Ao aceitarem estes monopólios, os países concordam com os preços elevados sem mesmo os questionarem", alerta a organização.

"As patentes da terapêutica CAR-T incluem as células modificadas dos doentes actuais e são estas células que estão a ser comercializadas a um valor superior a 300 mil euros", chama a atenção Olivier Maguet, chefe da Missão para os Preços dos Medicamentos e Sistema de Saúde da MdM. "É legítimo questionar o estatuto da terapêutica CAR-T. É um medicamento? Um procedimento médico? As implicações em termos de patentes e de direitos das companhias e dos governos no que se refere à produção de um medicamento e, logo, da formulação do seu preço, são consideráveis. Estas são algumas das questões que queremos trazer a debate público", diz.

Ao opor-se à patente, a MdM pretende alertar os governos e sociedade civil para os preços destes medicamentos e para a ameaça que representam, tanto no presente, como no futuro, ao acesso ao tratamento médico. Trata-se de uma iniciativa já levada a cabo anteriormente por duas vezes, quando a organização apresentou oposição à patente do sofosbuvir.