Joana Latino volta a estar numa polémica o que, tendo em conta a protagonista, é apenas mais uma segunda-feira normal. Desta vez, é porque considera os artistas lamechas, esquecendo-se que chorar e sorrir faz, muitas vezes, parte da profissão. Mas nem foi por isso. Latino considera os artistas fingidores. É tão convicta da escória que profere que, volta e meia, já a imagino a reescrever a “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa:
“O artista é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é um discurso miserabilista, catastrofista e de autocomiseração
Quando são cilícios na perna que deveras sente”
A Joana é uma poetisa, mas dos tempos modernos. Daqueles tempos em que todos nos consideramos poetas por dizermos meia dúzia de coisas que nem pensamos e que, muitas vezes, nem nós entendemos. Os poetas modernos abrigam-se no conceito de “se nem eu percebi o que quis dizer, é porque deve estar bom”. Se o criticarem refugiam-se no “pode ter várias interpretações”. Latino fez quase isso, com a diferença de que misturou umas palavras e disse exactamente o que pensa, porque a liberdade se conquistou para isso mesmo. Pode só soar menos bem, na medida em que a interveniente desta história teve sempre trabalho numa altura em que a maioria dos portugueses era obrigada a estar confinada entre quatro paredes, para o bem de todos, inclusive da Joana Latino. Não se colocou foi no lugar do outro e, provavelmente, acha que fez bem, que foi educada. Imaginem o que era alguém sentar-se num lugar de autocarro já ocupado ou fazer Porto-Lisboa no intercidades ao colo de um idoso. Seria de mau tom.
Para quem apela que os artistas se deviam mexer, perde credibilidade quando é criticada e se esconde. Devia mexer-se mais tentando remediar o erro crasso que cometeu. O que é certo é que a Joana Latino conseguiu fazer mais pelos artistas do que um Estado preguiçoso que os renega para segundo plano, como se houvesse portugueses de primeira e de segunda categorias. Latino conseguiu unir os artistas como já não víamos acontecer há muito. O problema, para ela, é que os uniu contra si.
É como o meu gato: também faz tudo fora da caixa e isso não o torna num animal irreverente, mas sim pouco asseado, dado que os seus dejectos ficam todos ao redor da areia
Por outro lado, parece-me pouco crível uma opinião vinda de alguém que comenta fofocas e que, ao fazê-lo, se torna numa também. Fazer um “inception da coscuvilhice” foi a forma da Joana Latino se mexer em época de pandemia. E realizou aquilo que apregoou: conseguiu, da noite para o dia, ser tendência no Instagram, Twitter, Facebook e noutras redes sociais que ainda nem sequer abriram. Talvez tenha é percebido que isso nem sempre se transforma em seguidores e, por conseguinte, numa remuneração que seja capaz de sustentar a vida de quem sustenta a cultura do país.
Joana Latino força-se a fazer tudo fora da caixa, mas fazê-lo na altura errada, torna-se numa ideia pouco inteligente. É como o meu gato: também faz tudo fora da caixa e isso não o torna num animal irreverente, mas sim pouco asseado, dado que os seus dejectos ficam todos ao redor da areia.
O que é certo é que é uma pessoa coerente. Gabava-se de não frequentar o mundo social e casou, posteriormente, em pleno Rock In Rio, perante milhares de pessoas. As suas polémicas também são todas nutridas de um cariz de extrema importância para o país. Como é que viveríamos sem o seu comentário ao alegado caso de cocaína no seu local de trabalho, sem a sua opinião sobre as mamas grandes da Júlia Palha ou sem a sua comparação da Cristina Ferreira a brócolos? Isto é aquilo a que eu chamo uma vida recheada de sucessos.
O mundo precisa da Latrina, de papel de folha dupla e de um bidé, porque já estou com as pernas dormentes de escrever sobre isto há tanto tempo.
Um artigo do médico e humorista Carlos Vidal.
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