Qualquer aniversário é sempre maior do que o aniversariante. Sinto-o sempre mais dos outros do que meu, talvez por não me lembrar de todos.
Nunca experimentamos fazer anos no mesmo dia da semana do ano anterior. É propositado, para não julgarmos que a celebração é a mesma e para impedir que a rotina se apodere do dia. No ano passado fiz anos no dia da mãe, mas o dia da mãe nunca calhou no dia do meu aniversário. Nem calhará. É uma questão de proporção que deve ser respeitada, porque não há dia nenhum maior do que o de uma mãe. Nem há vida que deva ser mais celebrada do que a delas. Há uma perversidade em fazer anos no dia da mãe. É como se me inserisse numa imensidão que não me pertence. Como se festejasse um dia que não é meu e o trocasse por algo maior. E foi essa beleza que me assoberbou o dia.
O dia de anos adivinha-se sempre grande, porque não há outra forma de colocar toda a gente de quem gostamos no espaço temporal de um dia normal. E tudo acontece sem uma ordem, porque essa só nos faz perder.
Ligam-nos os amigos de infância. Um pleonasmo, porque a vida emaranhada no tempo, ensina-nos que são os únicos. Mesmo as amizades que fazemos em adultos e que permanecem na vida que vem, tornam-se amizades de infância. As amizades verdadeiras são apenas essas. Só a infantilidade é que torna capaz uma entrega sem defesas. Tal e qual os garotos, esses pirralhos detentores da beleza da ingenuidade. Os amigos são aqueles que, tantas vezes, não falamos, mas que os sabemos lá. É quase como se fosse a única forma que temos de os respeitar e honrar-lhes a longevidade da relação, não os cansando com problemas triviais.
Fazer anos une-nos, porque todos o fazemos. Há uma compaixão e uma partilha que me fazem baixar a guarda
Guardamo-los para momentos grandes, para os importantes e para os que são isto tudo ao mesmo tempo. Bons e maus. Às vezes até os guardamos para os momentos simples, que tantas vezes são os maiores. Outras até lhes confiamos as pequenas infelicidades, porque não os queremos maçar com mais nenhumas. Talvez suportemos as maiores porque, caramba, somos amigos. A gestão da importância da felicidade e do dolo é feita por cada um e, por norma, todos optamos por não importunar. A não ser quando a vida o exige. Mesmo assim, pensamos e ponderamos, porque o fazemos de mais. E, num sem querer propositado, fazemos a amizade render no tempo.
Fazer anos une-nos, porque todos o fazemos. Há uma compaixão e uma partilha que me fazem baixar a guarda. Os telefonemas inesperados, as mensagens melhores do que imaginávamos, os que nunca se esquecem e os que nos surpreendem. As surpresas, as pessoas que fazem por estar, os que ligam mais do que uma vez. Não sei se estamos a celebrar o que passou, se o que aí vem. Mas sei que não importa.
Um dia inteiro com o coração em sobressalto, que nos faz crer que estamos todos juntos e que nunca estaremos sós. Não celebra o aniversariante, mas a vida de todos os que nos permitimos ter.
O aniversário é sempre maior do que nós. E é nessa pequenez que nos ganhamos. Uns aos outros.
Um artigo do médico e humorista Carlos Vidal.
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