O mundo acordou com declarações do Trump e cedo se apercebeu de que estava bem era na caminha. Já foi útil para colocarmos o sono em dia, mas parece-me pouco para um presidente de um país. Como tal, optou por ir mais longe e fazer deduções ao nível do pensamento da canalha, porque o melhor do mundo são as crianças.
Tudo isto aconteceu depois de Bill Bryan, pessoa que dirige a divisão de ciência e tecnologia do Departamento de Segurança Interna, apresentar a mais recente investigação da sua equipa que conclui que o vírus não sobrevive por longos períodos em temperaturas mais quentes e húmidas. Face ao que Trump nos tem habituado, estávamos todos à espera que aconselhasse o mundo a não usar máscaras e a falar directamente para a virilha alheia, mas a sua canalhice foi mais longe. Segundo Bryan, “o vírus morre mais rapidamente quando exposto à luz do sol”. Claro que Trump não demorou a questionar se seria possível levar a luz “para dentro do corpo”. O brilhantismo não se ficou por aqui, optando por questionar, infantilmente, que se “o desinfectante derruba o vírus num minuto. Um minuto. Haverá alguma forma de fazer algo do género, como injectar ou fazer o género de uma limpeza numa pessoa?”. Claro que sim. Há várias formas de o fazermos. Há sempre a hipótese de cozinharmos umas rabanadas de sol, invertermos o protector solar ou espalhá-lo ao contrário no organismo para absorvermos os raios ultravioleta todos e, já carregadinhos de luz interior, conseguirmos cegar o coronavírus. Este seria obrigado a usar uma bengala para se movimentar e todos os infectados começariam a sentir picadas no corpo, devido ao vírus invisual bater nas paredes do organismo, enquanto se desloca. Desta forma, conseguiríamos saber a localização exacta do COVID-19 no corpo de cada um. Depois era só ir a essa zona e, como o vírus gosta de ambientes quentes e húmidos, cantávamos uma música de carnaval e o bicho, para pensar que estava no Brasil, saía a sambar na cara das invejosas, com uma máscara cheia de lantejoulas e penas de pavão. Depois era só borrifá-lo com CIF e ele morria, todo limpo.
Esta ideia de injectar ou ingerir produtos de limpeza tem um pequeno senão, que é a pessoa morrer. O que não deixa de ser chato. Convenhamos que uma medida proporcionar aquilo que queremos evitar, não deixa de ser o que na gíria se intitula de “estúpido”. Percebo que a ideia de entrarem no céu completamente desinfectados seja atraente, na medida em que é de bom tom chegar a casa do Senhor a cheirar bem. Quase que até daria a ideia de que Trump prima por medidas asseadas. O problema é que esta “terapêutica à la Trump” de ingerir produtos de limpeza coincide com uma técnica rudimentar de, vamos lá ver, uma pessoa se suicidar. Claro que não vejo nada mais patriota do que o presidente dos Estados Unidos preferir que as pessoas morram com uma medida nacional do que com um vírus importado. E a nível político eram só vantagens: é que uma pessoa que morra por ingerir álcool ou lixívia não entra para os números do COVID-19 e, instantaneamente, o número de infectados baixa.
Por cá, com os esforços todos direcionados para o combate à pandemia, deixámos que o vírus da “Gustavo Santice” tenha proliferado e surgido frases como “o COVID é um mensageiro do amor”. Se os países cooperarem nesta pandemia dos gurus da charlatanaria, pode ser que também se encontre uma vacina de lixívia para desinfectar o mundo desta imundice criada pela banha da cobra.
É que isto já vai da sorte, mas cada um tem o Trump e o Gustavo Santos que merece.
Carlos Vidal é médico e humorista e escreve no SAPO Lifestyle às sextas-feiras.
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