HN- A Pulmonale concorda com a decisão comunicada pelo ministro da Saúde de alargar os rastreios ao cancro do pulmão?

Isabel Magalhães (IM)- A Pulmonale tem defendido o alargamento do rastreio ao cancro do pulmão, pelo que, naturalmente, concorda com a decisão comunicada, esperando a sua concretização.

Desde a nossa fundação, acreditamos que o caminho no cancro do pulmão passa pela prevenção, realizando muita da atividade na prevenção primária, sem nunca deixar de acompanhar de perto a questão da prevenção secundária.

A forma de rastrear o cancro do pulmão já se estuda no mundo há muitos anos, passando por grandes estudos, no sentido de avaliar a melhor forma de efetuar esse rastreio, sendo que 2020 e 2021 foram absolutamente conclusivos quanto à eficácia do rastreio através de uma TAC de baixa dose.

No mundo desenvolvido, há vários países onde se realiza este rastreio, sendo que, a nível da Europa, temos países que já têm o rastreio do cancro do pulmão a nível nacional e outros que têm projetos-piloto, ou projetos a avançar localmente. Em Portugal, nada se passava, pelo que, em 2021, a Pulmonale entendeu reunir um conjunto de especialistas em saúde e particularmente na área do cancro do pulmão para avaliar este tema. Dessa iniciativa resultou a conclusão de que era absolutamente urgente avançar para o rastreio, e esse grupo de especialistas continuou a reflexão conjunta, delineando o modo como, em sua opinião, se deveria iniciar esse processo, concluindo que se deveria levar a cabo um projeto-piloto de rastreio em Portugal. Esse projeto-piloto de rastreio permitiria confirmar os dados relativamente ao custo-eficácia na nossa população e, por outro lado, através da monitorização de todo o processo e aperfeiçoamento daquilo que pudesse vir a ser melhorado, recolher informação para um alargamento do projeto à escala nacional.

Há um projeto-piloto pensado, desenhado em detalhe, que naturalmente envolve múltiplos recursos e, sobretudo, necessita de uma correta articulação com a tutela, uma vez que é crucial assegurar que todos aqueles utentes que fazem o rastreio e nos quais é detetado um problema, seja ele cancro do pulmão ou outra patologia, têm tratamento adequado em tempo útil.

De referir ainda que, a nível europeu, a Pulmonale, tal como outras organizações internacionais, integrou um movimento no sentido de sensibilização de entidades europeias da saúde para a necessidade da inclusão deste rastreio nos planos nacionais de rastreio. Esta decisão do Conselho Europeu já esteve para ocorrer em 2021. Não chegou a ser incluído; mas, felizmente, este ano, após o parecer dos peritos emanado em setembro, em que se recomenda exatamente isso, o Conselho de Ministros europeu aprovou a inclusão deste rastreio.

Não podemos esquecer que o cancro do pulmão é a doença oncológica que mais mata em Portugal, tal como no mundo. Isto terá associado o facto de ser uma doença por norma diagnosticada numa fase muito avançada. Apesar de haver hoje imensos tratamentos e novas abordagens de tratamento, continuam os resultados a ser pobres face às expectativas.

Obviamente que é uma patologia com um grande custo para os cidadãos e para a sociedade como um todo. Não nos podemos esquecer de que o custo do tratamento de um cancro de pulmão avançado é muito elevado.

HN- Tencionam avançar com o vosso projeto de rastreio já no próximo ano de 2023?

IM- Não podemos avançar com datas, nem podemos assumir esse compromisso. Para nós, há aqui duas questões. Primeiro, o projeto tem um custo associado. Isto é um rastreio que exige bastantes recursos, não apenas numa perspetiva meramente financeira, mas em termos globais, nomeadamente equipamento e especialistas perfeitamente credenciados.

A outra grande questão crucial passa por garantir que as pessoas que são rastreadas vão ter um seguimento adequado e atempado. Isso obriga a uma articulação com as autoridades da saúde. Temos aqui algumas questões que ultrapassam a nossa vontade. Temos o processo pensado e organizado para avançar no terreno, mas há aqui componentes importantes que nos ultrapassam e terão de ser asseguradas.

HN- A União Europeia poderia ter feito esta recomendação mais cedo?

IM- É difícil responder. Nós achávamos que, pelo menos, em 2021 já poderia ter sido aprovado. Os principais estudos foram realizados nomeadamente nos EUA e, eventualmente, houve a preocupação de aguardar pelos resultados do estudo NELSON, ocorrido nos Países Baixos desde 2000.

Como já referido, 2020 e início de 2021 foram marcantes, com resultados a demonstrarem a efetividade deste rastreio.

O facto é que, mesmo sem estas recomendações, nós olhamos para a Europa e vemos países como a Croácia e a Polónia com rastreios nacionais, e temos muitos outros países que têm vários projetos. A Grã-Bretanha, que atualmente não está no espaço europeu, mas já pertenceu, tem o rastreio a decorrer, não com um caráter nacional, mas com vários projetos. Nos países desenvolvidos, alguma coisa está a acontecer, ou já aconteceu. Eu diria que, lamentavelmente, Portugal ficou para trás.

HN- Portugal tem tido a postura certa na prevenção? Em relação à indústria do tabaco e cessação tabágica, Portugal tem tomado as decisões certas?

IM- A questão do tabagismo, como toda a prevenção, é um parente pobre na saúde, porque em Portugal tem havido um entendimento de saúde que não é propriamente de saúde, passando muito pelo tratamento de doença e, sobretudo, de episódios graves. Nós respondemos bem por exemplo a uma pandemia, por algum motivo os portugueses recorrem muito às urgências, mas depois temos, mesmo ao nível do tratamento, uma resposta mais pobre no que concerne à doença crónica e no acompanhamento das pessoas ao longo da vida. Tanto numa fase de doença crónica como de doença aguda, estamos a falar sempre de doença e não temos enfoque na saúde. Obviamente que o tratamento dos episódios de doença ao longo da vida é uma componente importante, mas, sobretudo, pretende-se que a saúde seja muito mais do que isso. Basta olhar para a definição de saúde da Organização Mundial de Saúde para se ter uma visão muito mais centrada na prevenção.

Se tivermos cidadãos saudáveis, vamos ter menos gastos e menos consumo de recursos no futuro, vamos ter menos episódios de doença. Não é isso que se tem privilegiado em Portugal. Como há uma visão da saúde como sendo o tratamento da doença, acha-se que a prevenção é um custo. A prevenção não pode ser vista como um custo, tem de ser vista realmente como um investimento. Os rastreios, enquanto prevenção secundária, também devem ser analisados como um investimento. Se não rastrearmos, vamos ter mais carga de doença e um custo maior. Só que, quando não se tem uma perspetiva de médio prazo, quando se olha só para os resultados de curto prazo, obviamente que as pessoas não querem gastar na prevenção, porque a prevenção é algo que gera frutos mais à frente. Os resultados não se veem de imediato, portanto não é uma coisa que interesse muito aos nossos decisores. Portugal tem um ganho enorme em esperança média de vida, mas as pessoas a partir de determinada idade apresentam uma carga de doença mais elevada do que noutros países onde há outras condições, onde há mais investimento na prevenção.

Voltando à questão concreta do tabagismo, ao longo dos anos, tem sido realizado algum trabalho, mas não será suficiente. O tabagismo constitui uma das principais causas de morte evitáveis do mundo. E não estamos a falar apenas de cancro do pulmão, onde se sabe que 85% dos casos decorrem do tabagismo. Para além das complicações do foro das doenças cardiovasculares, tem também implicações noutras doenças oncológicas.

A sensibilização para os malefícios do tabaco e procurar que os jovens não iniciem o tabagismo é fundamental, devendo também promover-se a cessação tabágica – mais facilitada do que há uns anos, mas claramente ainda com uma resposta insuficiente face às necessidades.

Os estudos mostram que o rastreio deve ser sempre acompanhado do programa de cessação tabágica, porque os resultados são sempre melhores quando esta é facultada à população que vai fazer o rastreio, sendo que um dos critérios para o fazer é a carga tabágica. Sabemos que isto é fundamental.

Relativamente à sensibilização, é importante começar esse trabalho junto das crianças, ainda nas escolas, e estar atento aos jovens. É preciso fazer determinadas sensibilizações para o tabagismo, consistentes e que acompanhem o cidadão ao longo da vida.

Por outro lado, de referir que enfrentamos uma nova ameaça com as novas formas de tabagismo. Nos Estados Unidos, onde o tabagismo era algo bastante abandonado, nomeadamente por grupos mais informados, temos visto um grande retrocesso por via das novas formas de tabaco, que mais do que promover alteração junto daqueles que são fumadores, estão a induzir a novos consumos, ao passar-se a ideia de que são pouco nocivas e com a criação de determinados gadgets que os miúdos utilizam. Tudo isso está a promover novos hábitos de tabagismo. Nós sabemos que o tabaco tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo, mas há uma coisa que se tem mantido: tem sido sempre nocivo. Portanto, devemos estar particularmente atentos a este novo fenómeno e redobrar o esforço no sentido da sensibilização da população para o malefício do tabaco em geral.

HN- Do trabalho da Pulmonale este ano, o que é que destacaria?

IM- Relativamente ao trabalho da Pulmonale este ano, destacaria a preparação do projeto-piloto. Porque uma coisa é falar no rastreio de uma forma teórica, analisar os resultados que surgiram, ter discussões no fórum teórico; outra é pensar num projeto real, concreto, de um rastreio que não é simples. É simples para o cidadão, sim, porque o exame é uma TAC de baixa dose, demora pouco tempo e não exige preparação prévia; mas não é simples para implementar corretamente, de forma articulada e integrada e que assegure uma resposta adequada aos achados do rastreio.

Tudo isto envolveu imenso trabalho. Nós conseguimos chegar a algo muito concreto com base no trabalho e na disponibilidade de vários especialistas, a quem agradecemos profundamente.

Não quisemos, apesar disso, deixar de realizar as nossas atividades correntes, como, por exemplo, informar os cidadãos de uma forma muito assertiva, atualizada e em linguagem acessível sobre temas importantes. Continuámos a fazer os nossos webinars, com especialistas, sobre temas muito importantes, no sentido de capacitar os cidadãos para toda a problemática do cancro do pulmão. Continuámos a participar em fóruns nacionais e internacionais em prol do doente com cancro do pulmão e não só.

Nós integramos duas organizações internacionais: a LuCE, da qual somos membro fundador, que aglomera associações de doentes do cancro do pulmão do espaço europeu, e a GLCC, que é uma organização a nível mundial. Estas duas organizações desenvolvem trabalhos ao longo do ano, há reuniões, há um conjunto de atividades nas quais participamos.

A nível nacional, também participámos em vários fóruns. Somos membro do Conselho Nacional de Saúde.

Nos últimos anos, vemos com muito agrado os convites dirigidos pelas sociedades médicas às associações de doentes para participar em debates inseridos nos seus eventos, nas suas reuniões, nos seus congressos.

Continuamos muito focados naquilo que nos parece fundamental, que é informar, capacitar a população em geral e, em particular, os doentes com cancro do pulmão e os seus cuidadores.

Entrevista de Rita Antunes