Healthnews (HN) – Qual a importância de programas de rastreio eficazes para o cancro do pulmão em Portugal, e como poderiam ser implementados?

Magda Alvoeiro (MA) – Os programas de rastreio são ferramentas importantes no diagnóstico precoce das doenças oncológicas, em doentes assintomáticos. No cancro do pulmão isto é particularmente importante, uma vez que a maioria dos doentes não tem sintomas nos estadios iniciais da doença. Os diagnósticos são feitos mais habitualmente quando uma pessoa vai ao médico por tosse, dor torácica ou fadiga, sendo estes relacionados com uma doença mais avançada e com pior prognóstico.

Em Portugal, o cancro do pulmão tem uma incidência de 52 casos/100.000 habitantes, sendo o cancro com maior mortalidade, correspondendo a 3,5% da mortalidade anual (2022). Sabemos também que a sobrevida aos 5 anos é extremamente afectada pelo estadio da doença à data do diagnóstico, variando entre 73% no estadio IA e 13% no estadio IV. Por este facto, é relevante para oferecer um tratamento eficaz com impacto na sobrevida, que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível.

Os resultados obtidos nos estudos pioneiros sobre rastreio do cancro do pulmão (NELSON, NLST, etc.), validados pelas sociedades europeias, e aplicados em diversos países europeus, mostraram que os programas de rastreio de cancro do pulmão são custo-efectivo, com redução da mortalidade específica aos 10 anos.

Em Portugal, a implementação está em fase de estudo, e poderá ser feita à semelhança dos outros rastreios oncológicos já implementados na comunidade – exemplo do cancro da mama, próstata e cólon. O percurso começa com a identificação do doente-alvo, realização de exames de imagem indicado, seguindo um caminho até ao especialista para tratamento quando necessário. Os critérios para a recomendação de rastreio incluem doentes de risco acrescido para neoplasia do pulmão, isto é, fumadores ou ex-fumadores, dentro da faixa etária onde o diagnóstico é mais prevalente, da quinta à sétima década de vida, definindo um protocolo de avaliação por TC de tórax de baixa dose com uma periodicidade variável conforme os achados em cada caso.

HN – De que forma o diagnóstico precoce do cancro do pulmão pode melhorar a taxa de sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes?

MA – O diagnóstico precoce do cancro do pulmão permite identificar a doença em estadio inicial, facto associado a um melhor prognóstico à partida, possibilitando a oferta de uma estratégia terapêutica com intuito curativo, mais eficaz e com maior impacto na sobrevida. Os estadios iniciais são potencialmente tratáveis por cirurgia, conferindo um tratamento da doença localizada ao tórax, com menor impacto na qualidade de vida, facilitando o regresso à actividade habitual após o tratamento.

HN – Quais são as principais inovações no tratamento do cancro do pulmão, como as terapias-alvo e a imunoterapia, e como podem beneficiar os doentes?

MA – A terapêutica do cancro do pulmão tem evoluído a um ritmo elevado na última década, alargando o leque de armas farmacológicas e da técnica cirúrgica que temos ao dispor para tratar os doentes.

Na área da Oncologia, o conhecimento das mutações mais frequentes do cancro do pulmão e o desenho de fármacos dirigidos especificamente a estas alterações genéticas permitem administrar um medicamento feito “à medida”, com excelentes resultados no controlo da doença. Ainda no campo da terapêutica sistémica, a imunoterapia veio mudar o paradigma do tratamento desta doença, utilizando a estimulação das células do sistema imunitário do doente para combater as células malignas, gerando respostas com uma magnitude muito superior ao descrito com outras estratégias farmacológicas. Estes fármacos, classicamente utilizados em fases mais tardias da doença, são agora aplicados em fases mais precoces, com excelentes resultados.

Na área da Cirurgia Torácica, a evolução técnica centra-se agora na cirurgia minimamente invasiva por técnica robótica que permite uma cirurgia mais precisa, de maior complexidade e com menor impacto para o doente no pós-operatório.

HN – Pode explicar-nos em que consiste a técnica de segmentectomia e quais as suas vantagens para os doentes com cancro do pulmão em estágio inicial?

MA – A segmentectomia é um tipo de ressecção pulmonar em que se retira uma parte anatómica menor (segmento) de um lobo pulmonar e é utilizada para tratar tumores do pulmão localizados e de pequenas dimensões. É uma técnica muito vantajosa para os doentes uma vez que permite evitar remover a totalidade de um lobo pulmonar e com isto “poupar” capacidade funcional respiratória.

A escolha por este tipo de ressecção exige maior complexidade da técnica cirúrgica e utilização de software de planeamento e reconstrução tridimensional ou imunofluorescência. A era da cirurgia robótica veio facilitar esta técnica por permitir uma abordagem com maior precisão muito necessária neste tipo de procedimentos.

HN – Como podemos sensibilizar a população para a importância da prevenção do cancro do pulmão, nomeadamente no que diz respeito aos malefícios do tabaco?

MA – O tabaco é reconhecidamente o fator de risco mais importante para o desenvolvimento do cancro do pulmão, atualmente responsável por cerca de 80-90% dos casos de cancro na população mundial, representando um risco de desenvolver cancro em indivíduos fumadores 30 vezes superior aos não fumadores. A exposição ao fumo do tabaco desencadeia uma resposta inflamatória crónica potenciadora do desenvolvimento de tumores do pulmão, bem como de outras doenças respiratórias como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica e Enfisema e doenças Cardiovasculares. Além disso, o tabaco é ainda responsável por aumento da incidência de tumores da orofaringe, laringe, esófago e estômago pelo mesmo fenómeno de exposição aos químicos inalados.

A sensibilização da população para estes factos é de extrema importância para modificar hábitos, tanto da população fumadora, bem como os comportamentos futuros dos mais jovens, focando na prevenção de doenças e promoção de estilos de vida saudáveis. É importante salientar que o cancro do pulmão tem uma relação fortíssima com os hábitos tabágicos e que o risco é passível de ser modificado, quanto mais cedo se deixar de fumar.

A instituição de programas de cessação tabágica na comunidade e de forma oportuna em doentes em contexto hospitalar é de extrema importância para diminuir o impacto desta variável no desenvolvimento de doenças graves.

HN – Quais os principais desafios e obstáculos no acesso aos tratamentos inovadores para o cancro do pulmão em Portugal, e como podem ser superados?

MA – Atualmente, Portugal tem acesso à maioria das ferramentas terapêuticas e tratamentos inovadores existentes no mercado no contexto europeu. No entanto, a disponibilidade e utilização destes recursos no sistema público é altamente regulada pelas entidades competentes do Estado, de forma que sejam utilizadas de forma criteriosa e no melhor interesse da distribuição equitativa de cuidados para o conjunto dos doentes do SNS.

Este obstáculo poderá ser ultrapassado pelo cumprimento rigoroso dos critérios de recomendação de aplicação – no caso dos fármacos – e no investimento tecnológico para desenvolvimento de cirurgia diferenciada nos hospitais com Cirurgia Torácica que tratam estes doentes.

Entrevista MMM