Em declarações à agência Lusa, o investigador Miguel Semedo, do centro da Universidade do Porto, esclareceu hoje que o estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, visava compreender "o impacto das descargas diretas em águas residuais provenientes das estações de processamento de frango".
Conduzido por um investigador do Virgínia Institute of Marine Science, nos Estados Unidos da América, o estudo analisou o impacto desta indústria em dois ribeiros, perto de indústrias aviárias, situados na baía de Chesapeake, estuário norte-americano cercado pelos estados de Maryland e da Virgínia.
"Estas descargas têm uma grande quantidade de nutrientes, isso já era conhecido, mas desconhecia-se o impacto que essas descargas tinham nos microrganismos desses ambientes costeiros", observou Miguel Semedo, destacando ser "importante" perceber se as descargas "afetavam a capacidade destes microrganismos removerem os nutrientes".
"Num primeiro trabalho, que foi publicado em 2019, descobrimos que as zonas impactadas por estas descargas diretas não só tinham muitos nutrientes, como a capacidade natural desses ribeiros removerem esses nutrientes estava reduzida. Essas descargas estão a adicionar muitos nutrientes e estão a inibir a capacidade de os organismos removerem esses nutrientes. Para além disso, podem existir outros contaminantes na água como antibióticos, cloro e outros compostos com potencial para inibir essa capacidade microbiana", referiu.
Face à variedade de compostos reportados pela indústria aviária, neste artigo, os investigadores procuraram no genoma dos microrganismos se existiam genes de resistência a antibióticos que, "normalmente só aparecerem em maior abundância quando há uma exposição anterior a antibióticos".
"Descobrimos que as zonas impactadas por estas descargas tinham uma maior abundância e diversidade de genes resistentes a antibióticos do que zonas não impactadas por essas descargas diretas e isso é uma potencial causa para haver uma inibição dos microrganismos removerem os nutrientes", esclareceu.
Destacando que o estudo não prova a existência de uma relação "causa/efeito", Miguel Semedo afirmou, contudo, que o resultado é "indicador de que algo está a favorecer o aparecimento de genes resistentes a antibióticos".
"Por si só, isso já é um efeito negativo no ecossistema porque estes genes de resistência podem ir para as populações humanas", observou.
E acrescentou: "tendo em conta que há um aumento da abundância e diversidade de genes resistentes a antibióticos em zonas impactadas por essas águas residuais isso representa um risco para a saúde humana porque este gene da resistência pode ser transmitido de bactéria em bactéria até entrar no organismo humano".
Apesar da investigação ter uma "aplicação local", Miguel Semedo destacou que a importância é "mundial", face ao impacto que a resistência bacteriana a antibióticos tem causado na saúde pública, segurança alimentar e economia.
"Os reguladores da gestão ambiental devem fazer um esforço para controlar esta dispersão de genes de resistência a antibióticos, de forma a mitigar os potenciais impactos na saúde das populações", acrescentou.
Em comunicado, o CIIMAR destaca que na União Europeia a administração de antibióticos na produção animal é considerada uma medida de tratamento quando uma doença é identificada no animal, sendo que a sua aplicação como medida preventiva é proibida.
Destacando que “a lei resolve apenas parte do problema", o centro da Universidade do Porto afirma que a redução do uso de antibióticos nas indústrias de produção e transformação de carne é "sobretudo uma questão de prevenção de doenças, com estratégias que vão muito além da atual legislação sobre o uso de antibióticos".
"As abordagens possíveis incluem esforços de prevenção, através da redução de visitantes aos sistemas de produção, a implementação de medidas de higiene e preparação adequada das equipas", refere o centro.
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