O anúncio foi feito por Helena Rebelo de Andrade, virologista e diretora do Museu da Saúde, a propósito do centenário da gripe espanhola, também conhecida por pneumónica, que terá causado cerca de 40 milhões de mortes em todo o mundo, das quais entre 50 mil a 70 mil em Portugal.

Em entrevista à agência Lusa, a especialista explicou que o trabalho do INSA – que tem o nome do diretor-geral da Saúde na altura da pandemia, Ricardo Jorge – é uma investigação histórica, com os dados da época e com o objetivo de perceber como evoluiu a pandemia nos diferentes distritos.

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“É uma investigação detalhada, do ponto de vista histórico, de todo o enquadramento, desde a resposta das autoridades de saúde” e também “do ponto de vista social, económico, político e sanitário”.

Helena Rebelo de Andrade recordou que “a pandemia atingiu Portugal num contexto de crise económica, social, política e sanitária”.

Não terá tido origem em Espanha

Para a virologista, a designação muitas vezes utilizada de “gripe espanhola” não é correta do ponto de vista da origem da pandemia.

“A designação gripe espanhola é muitas vezes incorreta, porque a propaganda associada à primeira guerra mundial, à revolução russa, obrigava a um media ‘blackout’ em tudo o que era notícia que pudesse influenciar negativamente a moral das tropas e também as ofensivas militares”, disse.

“Afonso III, que tinha mantido Espanha neutral, começa a permitir que no seu país circulem notícias sobre uma epidemia que grassava no país interior com grande gravidade. As primeiras notícias nascem em Espanha e nessas circunstâncias começa-se a associar a origem da pandemia ao país espanhol”, explicou.

No entanto, a designação acaba por ter “algum sentido”, porque os primeiros casos surgem, em maio de 1918, em Vila Viçosa, a partir de trabalhadores provenientes de Badajoz e Olivença.

“A epidemia em Portugal entra de facto por Espanha”, declarou.

Helena Rebelo de Andrade sublinha as “características únicas” desta pandemia.

“Esta pandemia teve características últimas: enquanto na maior parte das epidemias de gripe temos nos extremos das idades (mais novos e mais velhos) a maior mortalidade, no caso da pandemia de 1918 a curva de mortalidade tem a forma de um w. Além dos extremos de idade, aparece um pico de mortalidade da população jovem”, disse.

Para isso terá contribuído o contexto de guerra em que Portugal se encontrava.

“Havia tropas que se movimentavam, que estavam juntas em aquartelamentos militares, havia uma superlotação dos hospitais de campanha e de retaguarda, baixas da própria guerra, com a guerra química, população malnutrida, militar, as condições sanitárias não seriam as melhores, o ‘stress’ da própria guerra”, acrescentou.

Outra justificação passa pelas características do próprio vírus que poderá ter provocado “uma tempestade de citoquinas, que é uma exacerbação da reposta imunitária, que faria com que o sistema imunitário respondesse de uma forma diferente, causando maior mortalidade”.

Há ainda uma justificação relacionada com o pantropismo do vírus, que significa que o vírus poderia estender-se para outros tecidos e outros órgãos, além do respiratório, provocando uma infeção sistémica e com maior mortalidade.

Helena Rebelo de Andrade sublinha que algumas das medidas recomendadas na altura aos doentes ainda “são muito atuais”.

“No início, o que se recomenda é o doente ficar em casa, em repouso, ter uma dieta saudável, tomar tisanas, semelhante ao que hoje se recomenda. Recomendava-se os caldos de galinha, água com açúcar, sumo de limão, de laranja, os gargarejos mentolados. E para a terapêutica para a redução da febre eram utilizados soluções de quinino e os salicilatos”.

Para os casos graves, na segunda onda pandémica, eram recomendadas injeções com soluções arsenicais, e usado injeções de cafeína e de adrenalina.