“Chegam-nos relatos de pessoas que são discriminadas por terem hemofilia, por vezes por desconhecimento das próprias empresas do que é ter esta patologia e, por isso, veem estas pessoas com uma grande probabilidade de estarem sempre doentes e terem um grande absentismo laboral”, contou à agência Lusa Miguel Crato, presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia e Outras Coagulopatias Congénitas (APH).

O responsável disse que têm chegado à associação alguns relatos de que há pessoas que não contam na empresa que têm hemofilia por receio de serem discriminados.

“Muitos têm medo de ser desconsiderados em termos laborais e medo de que a entidade patronal entenda que uma pessoa por ter uma doença crónica como esta é menos valiosa para a empresa”, acrescentou.

Miguel Crato conta ainda que, nalguns casos, quando a entidade patronal sabe que a pessoa tem hemofilia, “quase que faz crer na pessoa que lhe está a fazer um favor por dar emprego” e, por vezes, “usa isso para ter salários mais baixos”.

A hemofilia é uma doença que atinge quase exclusivamente nos indivíduos do sexo masculino e caracteriza-se pela ausência ou acentuada carência de um dos factores da coagulação. Por este motivo, a coagulação é mais demorada ou inexistente, provocando hemorragias frequentes, especialmente a nível articular e muscular.

O trabalho, que será apresentado hoje analisou durante oito meses a vida de doentes com hemofilia e suas famílias, propõe para o futuro a administração ainda menos dolorosa e invasiva e a ausência de restrições na quantidade de tratamento com fator de coagulação.

Os autores do estudo defendem que as famílias com crianças hemofílicas precisam de mais serviços de suporte à organização das rotinas familiares e à autonomia familiar no tratamento e defendem, no caso dos hemofílicos adultos, que “é preciso promover condições à integração social”.

Sugerem igualmente “novas formas de portabilidade do tratamento com fator, rotinas e procedimentos” e a personalização dos cuidados.

“A personalização é uma ideia transversal a todos os cuidados da hemofilia de futuro (…). Mais do que novas rotinas é preciso haver novas mentalidades, novas tomadas de posição de cada pessoa de que há a obrigatoriedade do clínico o tratar de forma diferenciada de todos os outros pacientes”, defendeu Miguel Crato.

O presidente da APH reconhece que, sobretudo na infância, “há um processo disruptivo na forma como o casal vê a patologia do seu filho” e que “os pais não estão preparados quando recebem a noticia”.

“Aí, é preciso redes de suporte fortes, que começam na própria família”, recorda, sublinhando que é importante o contacto com a associação para ajudar a preparar a família no futuro.

Miguel Crato considera ainda que estes processos de apoio ajudam a família a ‘começar de novo’ e alerta: “É preciso que as pessoas procurem ajuda e não cometam o erro de procurar informação sobre a doença só nas redes sociais, que pode levar a um pânico desnecessário”.

Sobre o apoio da escola, o responsável chama a atenção para a necessidade de pais e, eventualmente, a associação visitarem o estabelecimento de ensino, para informar professores, auxiliares e colegas do aluno e “evitar que a criança seja vista como quem tem necessidades especiais”.

“É preciso saber alguns elementos de socorro em caso de acidente. De resto, o facto de a escola não saber lidar com a situação também ajuda a superproteger e a não deixar a criança ter a sua vida normal, como os restantes alunos”, afirmou.

O estudo, que será apresentado na conferência Hemofilia em Portugal, no Pavilhão do Conhecimento (Lisboa), envolveu 90 pessoas e durou cerca de 8 meses, durante os quais investigadores da área da Antropologia, Psicologia e Filosofia recorreram a entrevistas, acompanharam atividades quotidianas dos doentes e entrevistaram médicos especialistas em hospitais de referência e pessoas da rede de suporte destas famílias.