«Se conhecem alguém rotulado com a doença, antes de formarem opinião, tentem informar-se e perceberão que muitos preconceitos não têm razão de ser». O apelo é de João Gama Marques, Vice-Presidente da Associação de Educação e Apoio na Esquizofrenia.
Qual é a realidade da esquizofrenia em Portugal?
Em termos rigorosos não se pode responder pelo escasso número de estudos e estatísticas nacionais disponíveis sobre o tema. No entanto podemos extrapolar o número divulgado pela Organização Mundial de Saúde que tem estimado a prevalência da esquizofrenia em cerca de 1% da população mundial. Isso corresponderia a cerca de 100.000 portadores da doença em Portugal.
Quais são as faixas etárias mais afectadas?
A esquizofrenia costuma atingir jovens de ambos os sexos, com o início da doença a acontecer nos homens entre os 15 e os 25 anos, e nas mulheres entre os 25 e os 35 anos de idade. Claro está que a doença pode, menos frequentemente, surgir noutras idades antes ou depois dessa faixa etária de maior risco.
Quais são os principais mitos que existem em torno da doença?
Podemos apontar 3 mitos:
- Os portadores com esquizofrenia são violentos. Mentira! A violência no doente é a excepção e não a regra, e muitas vezes quando existe é fruto de crises psicóticas graves, próprias da doença, em que o indivíduo perde o contacto com a realidade, ou então na sequência de mal entendidos que levam o doente a sentir-se ameaçado, o que pode acontecer, por exemplo, aquando duma tentativa de internamento compulsivo.
- Os doentes com esquizofrenia são preguiçosos. Errado! Na realidade a doença evolui com uma degradação das suas capacidades cognitivas e executivas, ou seja com o passar dos anos a doença retira capacidade de trabalho, mas também capacidades sociais ou familiares ao seu portador. Os efeitos adversos de alguma medicação, necessária ao controlo da patologia, também podem prejudicar as referidas capacidades.
- Dizer que algo ou alguém é ou está «Esquizofrénico» é fixe! Ainda existe um certo romantismo à volta da doença e de alguns dos seus mais famosos e supostos portadores (e que na realidade tiveram outras doenças!). Nalguns meios de crítica artística (mas também política e até desportiva) fala-se que certa pessoa ou trabalho é «esquizofrénico», quase sempre de forma leviana e sem que haja verdadeira consciência do que se está a dizer. A esquizofrenia é uma situação muito séria que não merece este tipo de analogias ou comparações.
Quais são as principais dificuldades que os doentes enfrentam no seu dia-a-dia?
Actualmente o mais difícil para estes doentes nem sequer é o controlo da doença. A maior parte dos doentes estão estabilizados com a medicação e restantes tratamentos, que são eficazes quando seguidos como recomendam as equipas de saúde mental. Deste modo as principais dificuldades que os doentes enfrentam no seu dia-a-dia prendem-se com a reabilitação e reinserção social, nomeadamente na obtenção de emprego e habitação próprias.
Existe o apoio necessário em Portugal?
Honestamente pensamos que nenhum país do Mundo tem todo o apoio necessário que os portadores de esquizofrenia e seus cuidadores (familiares, serviços sociais e de saúde) efectivamente precisam. Portugal poderá estar bem se comparado com países do hemisfério sul mas, a nível europeu, há muitos países com mais e melhores apoios do que os nossos, que são pouco divulgados e mal distribuídos.
Apesar de existir uma boa comparticipação, por parte do Governo, no preço dos medicamentos anti-psicóticos (fundamentais para o tratamento da doença) as pensões e reformas são pequenas. Existem algumas associações de apoio ao doente, espalhadas por todo o país (especialmente nos grandes centros urbanos) mas estão enfraquecidas pela escassez de recursos financeiros e humanos e dependem, muitas vezes de um certo espírito de sobrevivência dos seus membros e dinamizadores.
O que pode melhorar?
Poderia haver uma melhor coordenação dos esforços das associações já existentes, bem como maiores apoios da parte do Governo (Ministério da Saúde) a essas entidades. Em termos concretos faltam mais estruturas para a reabilitação e reinserção bem como mais oportunidades profissionais (trabalho protegido) e de habitação (residências adequadas na comunidade) para estes doentes. Finalmente falta mais apoio às famílias, tantas vezes desorientadas e desesperadas; assim como educação para toda a população sobre a doença, sobre como lidar com os seus portadores e como evitar os seus factores de risco.
Que mensagem gostaria de deixar no Dia Mundial da Saúde Mental?
Se conhecem alguém rotulado com a doença, antes de formarem opinião, tentem informar-se e perceberão que muitos preconceitos não têm razão de ser. E quando procurarem informação sobre a Esquizofrenia procurem-na junto de fonte competente, se possível junto de técnicos de saúde ou associações dedicados à doença.
Não menosprezem o perigo que as drogas representam para o despoletar da esquizofrenia na população mais jovem. Os exemplos nefastos são os vulgarizados canabinóides (erva, haxixe), mas também os estimulantes (cocaína, anfetaminas), e outras substâncias psicoactivas (ácido LSD, ecstasy). O seu uso e abuso pode, especialmente em tenras idades, contribuir para o surgimento de esquizofrenia.
Não chamem «esquizofrénico» ao portador de esquizofrenia. É estigmatizante e aumenta o fardo, já por si pesado, que o doente e as famílias carregam. Com mais conhecimento e humanismo o convívio descomplexado, harmonioso e saudável é possível.
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2010-10-08
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