E se um dia vestíssemos um fato de mergulho e não o conseguíssemos tirar? Começávamos a sentir o fato apertado, calor e uma comichão alucinante na dobra do braço, depois no pescoço, na barriga e mais tarde sentíamos picadas nas pernas e nas costas. Sentíamos a pele seca e áspera e tentávamos controlar a comichão, mas não conseguíamos… Precisávamos mesmo de tirar aquele fato, mas não era possível. Não conseguíamos dormir ou descansar, era difícil vestir ou manter a roupa por cima do fato, era difícil fazer as coisas do dia-a-dia pois as feridas causadas pelo mesmo tornavam-se dolorosas, e limitavam os nossos movimentos. E a comichão tornava-se insuportável. Precisávamos mesmo de tirar o fato, mas não conseguíamos.
A Dermatite Atópica (DA) é uma doença complexa e visível que se manifesta através de lesões secas, descamativas, avermelhadas e salientes, que surgem em zonas características consoante a idade, e às quais está associada uma comichão intensa que pode ser muito impactante e limitativa. A DA não controlada está associada a uma qualidade de vida significativamente comprometida e a impactos físicos, psicológicos e sociais que vão muito para além da pele, principalmente nos casos mais graves.
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A DA, também é conhecida como eczema atópico (EA), é a doença crónica inflamatória da pele mais comum, atualmente não tem cura, e afeta cerca de 4,4% da população europeia. Atinge principalmente as crianças (entre 15 e 25%) mas, ao contrário do que se concebia antigamente, hoje sabemos que a doença pode ter diferentes cursos e que pode surgir em qualquer idade. Quando surge mais tarde, na idade adulta, geralmente, é mais grave, mais difícil de controlar. É uma doença ainda desvalorizada por parte de quem não conhece a doença (“Isso é só stress”, “devias pôr mais creme”, “isso não é uma doença de crianças?”, “É contagioso?”, é algo que, infelizmente, ainda ouvimos muito).
Felizmente, as formas ligeiras de DA são as mais frequentes. No entanto, as formas moderadas-a-graves, que podem atingir cerca de 46% das pessoas com DA, se não forem devidas e atempadamente diagnosticadas e controladas, podem ser altamente impactantes e tornar a pessoa e a sua família reféns do que, infelizmente, para muitos ainda é uma “simples doença da pele”.
Para compreendermos o impacto real da DA, sobretudo da sua forma moderada-a-grave (não controlada), é necessário ter em conta as partes visível e invisível do “Iceberg DA”. Para além das lesões visíveis, a (falta de controlo da) DA está associada a uma comichão permanente que causa noites mal dormidas e um cansaço continuado, a infeções cutâneas recorrentes, reflete-se na espera emocional e no bem-estar da pessoa, ao influenciar a sua aparência e causar sentimentos de impotência, frustração, baixa autoestima, ansiedade e até mesmo depressão. A DA é muitas vezes acompanhada por outras doenças não atópicas e atópicas como a asma, a rinoconjuntivite alérgica e as alergias alimentares, que agravam, ainda mais, a carga de doença e o impacto no quotidiano. Por outro lado, temos de ter em conta o impacto financeiro do controlo da DA que pode atingir em média cerca de 150€ por mês em consultas e tratamentos que incluem produtos de higiene e hidratação apropriados (essenciais), um custo que é incomportável para a maioria das pessoas e famílias e acaba por decorrer num descontrole da doença.
Quando falamos em casos graves de DA, estamos a falar, por exemplo, de adultos ou crianças (e seus pais) que não conseguem dormir ou dormem mal em mais do que 14 noites por mês, e por isso têm todo o seu dia-a-dia impactado pelo cansaço. Estamos a falar de pessoas que não conseguem vestir ou suportar a roupa em contacto com a pele, e para as quais tomar um duche pode ser insuportável e sair de casa, ou mesmo da cama, é algo impensável.
A DA precisa de ser devidamente valorizada como doença crónica e cada vez mais prevalente que é. Os bebés, crianças, adolescentes e adultos com DA, e as suas famílias, precisam de uma abordagem holística, de cuidados centrados e personalizados às suas características e necessidades individuais, precisam de acesso a soluções terapêuticas que permitam o controlo sustentado da sua doença, com o máximo de eficácia e segurança, que devolva, a qualidade de vida que nunca tiveram ou que foi subtraída pela doença. A DA é uma doença multifatorial (depende de fatores genéticos, imunológicos e ambientais), com múltiplos impactos que precisam de ser amplamente reconhecidos, compreendidos e respondidos, com humanismo e empatia.
Um artigo de Joana Camilo, presidente da ADERMAP – Associação Dermatite Atópica Portugal.
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