O que é que é a Dermatite Atópica e quais os principais sintomas desta doença?

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crónica da pele, que se estima afetar cerca de 10 a 20% da população pediátrica a nível mundial, mas pode atingir qualquer idade. Nestes doentes a pele é tipicamente muito seca e áspera o que causa prurido (comichão), e surgem lesões de eczema que se manifestam por eritema (pele vermelha) com borbulhas, descamação, vesículas (pequenas borbulhas com líquido) e crostas e que, nas formas mais graves, se tornam numa pele muito espessa às vezes com fissuras e feridas com crosta. As lesões nos primeiros anos de vida afetam sobretudo a face e os braços e pernas, mas com a idade tendem a ficar mais crónicas e confinadas às flexuras dos braços e pernas (flexuras e regiões poplíteas), punhos e tornozelos, mas com frequente envolvimento da face (pálpebras e lábios) e pescoço, mamilos e região genital.

Quais são as principais queixas dos doentes?

A queixa principal é o prurido (comichão) por vezes com intensidade tal que impede o sono e a concentração na escola ou no trabalho e obriga a coçar de forma desesperada causando feridas adicionais na pele. Esta comichão é pior durante a noite, com o calor da cama, no contacto direto com roupas de lã ou tecidos mais “ásperos” ou ainda quando se transpira, por exemplo durante a prática de desporto. Estes doentes referem ainda frequentemente dor na pele ou outros sintomas como picadelas, desconforto, mal-estar às vezes pouco definido, mas muito incomodativo.

Qual o impacto desta doença nas crianças/adolescentes e nos seus pais/cuidadores?

O impacto da doença nas crianças mais pequenas resulta do desconforto que as impede de dormir e causa irritabilidade frequente. Nas crianças mais velhas, a doença tem um alto impacto emocional pela visibilidade das lesões e nas limitações que causa. Tanto as crianças como os pais e cuidadores que lidam diariamente com a doença referem perda de “alegria”, “sono” e “liberdade” e impacto na criação de relações de amizade, na escola e no desporto, o que pode levar a episódios de ansiedade e tristeza. São assim frequentes os efeitos da D.A. ao nível emocional, com sentimentos como vergonha, ansiedade e frustração. Os distúrbios do sono, que afetam a maioria dos doentes com formas moderadas a graves podem levar a fadiga e prejudicar o dia a dia, incluindo a performance de aprendizagem, ou provocar mesmo absentismo escolar.

Nos adolescentes, os relacionamentos, a participação em atividades de lazer e a prática de desporto podem estar significativamente comprometidas. A escolha da roupa para esconder as lesões ou para evitar o prurido no contacto com certos tecidos pode ser um problema no dia-a-dia destes jovens, que vêm muitos vezes a sua vida sexual também comprometida. Não é assim raro o isolamento de alguns destes doentes e o desenvolvimento de patologia psiquiátrica.

Os pais e o restante agregado familiar são muitas vezes afetados pela perda de sono devido à necessidade de acompanhar as crianças durante a noite. Os pais manifestam também preocupações com a integração da criança na escola/desporto, com a escolha do vestuário e com a alimentação da criança, quer seja pela associação mais frequente a alergia alimentar e os riscos daí decorrentes, quer pela informação geral, muitas vezes errónea, de possibilidade de agravamento da D.A. com certos alimentos. É ainda significativo o tempo necessário à correta realização dos tratamentos tópicos e da hidratação corporal no final dos banhos, bem como a necessidade de acompanhar as crianças nas consultas ou em internamentos pontuais em fases de agudização. Além disso, a D.A. gera frequentemente receio acerca do futuro dos filhos, visto que é uma doença com grande impacto psicológico. O preço dos hidratantes e produtos de higiene corporal apropriados, que são um complemento absolutamente necessário ao tratamento destes doentes, mas não são comparticipados, pode criar um impacto significativo no orçamento familiar.

Existe estigma associado a esta doença? Porquê?

Poderá haver algum estigma pela visibilidade das lesões e pela necessidade frequente de coçar em público, o que gera eventualmente algum desconforto nos que rodeiam o doente e um receio de contágio pelas lesões cutâneas. A correta informação do público sobre esta doença, como há anos se fez com a psoríase, com a sua maior divulgação nas escolas e nos meios de comunicação social, permitiria compreender melhor os doentes portadores de D.A. e desconstruir este estigma associado à doença. Os tratamentos disponíveis que permitem um melhor controlo das lesões cutâneas poderão também ajudar os doentes a ultrapassar este estigma.

Como minimizar o impacto criado pela frustração e ansiedade, especialmente nos adolescentes?

Uma forma de minimizar o impacto da doença é explicar de forma simples o que se passa na pele para que o doente compreenda como evitar fatores de agravamento e entenda o benefício dos tratamentos. Isto pode ser feito em consultas especializadas ou em reuniões de grupos de doentes ou “escolas de atopia” com acesso aos doentes e familiares/cuidadores onde se explica o que é a doença e como se pode lidar com ela e em que há partilha de ensinamentos, atitudes e estratégias para melhor viver com D.A e reduzir a frustração de muitos destes doentes. Mas a melhor forma para minimizar a frustração é oferecer aos doentes os tratamentos mais efetivos que controlam os sinais e os sintomas da doença. Muitos destes doentes sofrem de outras doenças frequentemente associadas à D.A, como as alergias alimentares, a patologia ocular (conjuntivites alérgicas), a asma ou a rinite alérgica, doenças que podem complicar ainda mais a vida destes doentes. Ainda, notamos que alguns doentes necessitam de apoio psicológico ou psiquiátrico para lidar com a ansiedade, frustração, depressão e mesmo tendência suicida. Nestas situações, é notória a importância da colaboração multidisciplinar entre profissionais de saúde para o melhor cuidado do doente.

Margarida Gonçalo, médica dermatologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, sobre esta doença.
Margarida Gonçalo, médica dermatologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, sobre esta doença. Margarida Gonçalo, médica dermatologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Existem tratamentos disponíveis?

De momento não há cura para esta doença crónica que, por vezes, se resolve com a idade ou que surge apenas na idade adulta, mas existem tratamentos que podem minimizar ou mesmo eliminar as manifestações da D.A. Além dos hidratantes, os tratamentos locais incluem essencialmente cremes e pomadas de corticosteroides que devem ser adaptados ao tipo e localização das lesões, e de imunossupressores tópicos.

Nas formas moderadas a graves podem ser adicionados imunossupressores orais convencionais (frequentemente usados, ainda que alguns deles não tenham aprovação nesta indicação). É necessário, contudo, ter atenção às contraindicações destes medicamentos (infeções ativas como a tuberculose) e aos seus efeitos adversos (hipertensão arterial e lesões renais, hematológicas ou hepáticas) sobretudo em tratamentos de longa duração. Os corticoides orais devem ser evitados, a não ser em períodos muito curtos e, normalmente, para controlar agudizações de forma mais imediata. A fototerapia (exposição solar controlada ou em máquinas tipo solários) pode ter algum benefício, mas nas formas mais graves de D.A. esta terapia tem um efeito irregular, que surge de forma lenta e o benefício é transitório.

Nos últimos anos temos vindo a ter à disposição, apenas em meio hospitalar, outros fármacos mais eficazes e com um melhor perfil de segurança. São exemplo os fármacos biológicos (anticorpos monoclonais) que inibem a ação das citocinas Th2 e que são administrados cada 2 semanas em injeção subcutânea administrada pelo próprio ou por um profissional de saúde, à semelhança da administração de insulina para a diabetes. A sua elevada eficácia numa percentagem muito significativa dos doentes com D.A. permitiu mudar completamente a sua vida, mas obriga a manter o tratamento de forma prolongada, com a vantagem de não necessitar de controlos regulares como os fármacos que dispúnhamos anteriormente.

Os inibidores da JAK representam um outro grupo de fármacos muito eficazes na D.A. e que têm também já aprovação na D.A. entre nós. São neste caso de formulações orais sob forma de comprimidos. Têm um início de ação muito rápido, sobretudo na comichão, e uma alta eficácia mantida a longo prazo. No entanto, devido ao mecanismo de ação imunossupressor, necessitam de uma avaliação prévia ao início da medicação (exclusão de infeções ativas) e uma vigilância periódica dos elementos do sangue, do colesterol e da função do fígado, ainda que os seus efeitos adversos sejam relativamente discretos.

Estes fármacos biológicos e os inibidores da JAK abriram perspetivas completamente novas para o tratamento dos doentes resistentes aos tratamentos anteriores e permitiram ainda aumentar o conhecimento médico sobre a D.A. e das suas diferentes formas, de maneira a ser possível caminhar cada vez mais para uma terapêutica mais individualizada, ou seja, mais adaptada às necessidades e tipo de lesões de cada doente.

Porque é que é importante falar sobre esta doença?

 

Importa conhecer a doença para a desmistificar, de forma que o público em geral não permita o isolamento destes doentes e, sobretudo, para informar os doentes da existência de novas terapêuticas já disponíveis no nosso país que lhes podem modificar a vida. Devem ainda saber que a Dermatologia está a trabalhar para aperfeiçoar estas e descobrir futuras terapêuticas que possam ser ainda mais eficazes ou mais adaptadas à sua D.A.. Há assim uma nova esperança para um futuro com melhor qualidade de vida e mais normalidade para os doentes com D.A., mesmo nas formas mais graves da doença.