Em declarações à Lusa, o provedor dessa Santa Casa do distrito de Aveiro diz que a delegação de saúde pública de Ovar está a proceder a um segundo ciclo de testes na instituição, mas critica "a descoordenação geral do sistema".
Álvaro Silva considera que esses exames não são realizados todos ao mesmo tempo e que os resultados só são divulgados "cinco ou seis dias depois", o que gera "um desfasamento entre uma fornada e a outra", inviabilizando a separação atempada de doentes e não doentes.
"É uma confusão total, uma descoordenação que não se percebe. Quase um mês depois dos primeiros testes, começámos esta semana a ter uma nova ronda de exames, mas a autoridade local só fez alguns e depois suspendeu a operação, não se sabe porquê, talvez por alguém ter chamado a equipa para outro sítio que acharam mais importante", afirma o provedor.
Os funcionários da Misericórdia estão organizados em turnos semanais e o provedor também queria que esses recursos humanos fossem testados antes de regressarem ao serviço, mas "a autoridade local recusa-se a fazer testes em quem não tem sintomas" e, entretanto, "já se descobriu que uma funcionária que parecia não ter nada afinal estava contaminada e infetou alguns idosos".
Para o provedor da Santa Casa, esta "falta de sensibilidade é assustadora", considerando que a instituição lida com "o maior grupo de risco" em caso de infeção e acolhe uma série de utentes "com mais de 80 e 90 anos, e muitas outras patologias".
segundo o responsável, no lar principal estão 60 doentes "que testaram negativo, mas já há cerca de um mês", pelo que a situação entretanto se pode ter alterado.
No centro de dia, reorganizado para garantir isolamento profilático a infetados, estão 25 seniores com covid-19 confirmada, na residência da Casa de São Tomé há mais dois seniores com o vírus SARS-CoV-2, em hospitais estão internados outros 12 idosos infetados e, em isolamento domiciliário ou na própria instituição, há ainda 15 funcionários com a doença.
"Não sei o que se passa aqui, mas isto não está a correr bem. Continuamos com o problema de se demorar muito tempo a fazer as análises e a saber os resultados, o que não se percebe, quando já há tantos sítios que garantem resposta em 24 horas", diz Álvaro Silva.
O provedor da Misericórdia de Ovar insiste que "os lares de idosos não são unidades de saúde" e reclama que os infetados dessas instituições "deviam ser sempre hospitalizados" na rede pública. Critica ainda a repetida indisponibilidade do hospital de campanha local, instalado na Arena Dolce Vita, para acolher seniores da Santa Casa diagnosticados com covid-19.
"Disseram-me que o hospital de campanha não é para utentes da Misericórdia e, entretanto, lá continua ele quase vazio, enquanto nós estamos aqui cheios de problemas. Parece que os responsáveis não percebem que mandar um doente de 40 anos recuperar em casa não é o mesmo que cuidar de uma pessoa com 80 ou 90 anos que, além de estar a viver numa instituição com várias dezenas de outros utentes, já está muito fragilizada pela própria idade e cheia de problemas médicos", realça Álvaro Silva.
O provedor diz que a situação da Misericórdia de Ovar é ainda agravada por dois outros fatores, um deles o facto de que "as enfermeiras da instituição estão em ‘burnout' total", num contexto de esgotamento a que não é alheia a intensidade de um trabalho que "chega a envolver 20 monitorizações por dia a cada utente", entre medições de temperatura e observação de novas reações físicas, por exemplo.
A segunda agravante é a indisponibilidade das famílias para receberem os seus próprios idosos: "Logo depois dos primeiros testes, contactámos os familiares de uns 80 idosos cujos resultados deram negativo e, mesmo sabendo que eles não estavam infetados, só umas três pessoas estiveram dispostas a recebê-los em casa".
Álvaro Silva acredita que algumas das famílias contactadas não terão efetivamente condições para acolher os seus seniores, mas defende que, na maioria dos casos, a resposta negativa "é só mesmo para delegar responsabilidades nos outros - o que é mais uma coisa muito triste que se vai ter que avaliar bem no futuro".
Nesse contexto, o provedor diz que "é preciso um sinal de esperança" para a comunidade que vive e trabalha na Misericórdia de Ovar, sugerindo: "Façam os testes para ver quem está curado, porque, até aqui, ainda não se deram a esse trabalho. Zero! Desde que isto começou, a estatística não apresenta nenhum recuperado na Santa Casa, o que não me parece realista. Se tratassem disso, alguns funcionários podiam regressar ao trabalho, onde estão a fazer tanta falta, e também passavam uma mensagem de ânimo aos idosos que aqui estão, a pensar que a covid-19 tem que ser sempre uma sentença de morte".
Dados disponibilizados pela Câmara Municipal de Ovar indicavam na quarta-feira à noite que, nesse concelho com 148 quilómetros quadrados e cerca de 55.400 habitantes, se registavam já 34 óbitos e 631 casos confirmados. Hoje, a Direção-Geral da Saúde ainda atribuía a esse concelho apenas 532 doentes com covid-19.
Em Portugal, onde os primeiros casos confirmados se registaram a 02 de março, o último balanço da DGS indica 820 óbitos entre 22.353 infeções confirmadas.
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