No primeiro dia de levantamento da cerca naquela freguesia do concelho de Odemira (Beja), depois de 12 dias, a vila do litoral alentejano retoma a normalidade - com o comércio aberto, mas ainda a vender ao postigo -, e a população na rua a desfrutar do sol envergonhado do final da manhã.
No centro da vila, o comerciante José da Silva Jesus diz à Lusa considerar que a medida “começou tarde”, quando o “número de infeções já estava a descer” no seio da comunidade, “principalmente na população residente”.
Na sua opinião, os casos começaram a surgir “ainda no mês de março” devido às “várias deslocações de residentes a Lisboa”, movimento que diz que era visível, sobretudo, aos fins de semana, atendendo à quantidade de pessoas que via apanharem autocarros.
“Aos fins de semana, os ‘Expressos’ levavam cerca de 50 pessoas para Lisboa, ou às compras fora da vila, circulação essa que, quanto a mim, está na origem do aumento dos casos”, argumenta o comerciante de material elétrico.
Com a sua loja mesmo em frente à paragem de autocarros, José da Silva Jesus atribui, também, o aumento de casos de covid-19 à movimentação da população de imigrantes, que reside numa localidade, mas pode trabalhar noutra.
Segundo o comerciante, nos últimos tempos, chegaram “mais de mil cidadãos” do continente asiático à vila para trabalhar nas estufas agrícolas, o que, considera, também está na base do aumento da incidência de casos de covid-19.
José da Silva Jesus considera que a cerca sanitária não fez sentido no período em que foi decretada, argumentando que devia ter sido implementada “mais cedo” e não quando os casos já estavam em decréscimo.
Na sua opinião, a cerca teve algum impacto no comércio, embora, tendo em conta a atual situação de pandemia, não tenha afetado muito a “caixa”, pois as vendas já de si eram baixas devido às restrições para conter a covid-19.
Opinião diferente tem outra empresária com várias lojas na vila, que quis ser identificada apenas por ‘Guida’ e que alega que o comércio foi muito afetado, uma vez que a cerca impediu a circulação de pessoas de zonas limítrofes e de estrangeiros, os principais clientes das lojas da pequena vila alentejana.
A empresária criticou a falta de fiscalização das autoridades ao elevado número de imigrantes que são empresários e “chegam a empregar centenas de pessoas” para estabelecimentos que estão fechados, dando como exemplo uma empresa “com cerca de 300 trabalhadores” que detém uma pastelaria, mas cujas portas “estão fechadas há vários meses”.
“Há muita permissividade das autoridades àquilo que se tem dito agora que são as redes de imigração ilegal, quando o problema persiste há muito, aos olhos de todos”, sublinhou, acrescentando que nos últimos dias se tem apercebido da presença de polícia na vila, o que leva a presumir que a situação está a ser investigada.
Mais ao lado, a poucos metros, numa pastelaria na praça principal da localidade, uma funcionária relata à Lusa que já é visível um “maior movimento”, nomeadamente, de pessoas que residem fora e trabalham na vila.
“O movimento já foi visível esta manhã, com um aumento substancial de pessoas que durante a cerca não se deslocaram para os seus locais de trabalho aqui na vila”, contou Marta.
No entanto, lamenta o facto de os comerciantes ainda estarem obrigados à venda ao postigo, considerando que o alívio da medida devia ser complementado com a abertura das esplanadas.
Já um empresário do ramo automóvel disse à Lusa que a cerca não causou “grande mossa” na “caixa”, dado o pouco movimento que habitualmente se regista nesta altura do ano.
“A partir do final do mês de maio é que esperamos um aumento de clientes, à semelhança do que acontece noutros anos”, disse Fernando Gaio, manifestando-se confiante de que a situação retome a normalidade durante o verão, quando a população mais do que triplica na vila.
A cerca sanitária em Longueira-Almograve e São Teotónio foi decretada pelo Governo, em Conselho de Ministros, no dia 29 de abril e entrou em vigor no dia seguinte, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo em trabalhadores do setor agrícola, muitos deles imigrantes.
Na terça-feira, em Odemira, o primeiro-ministro indicou que o Governo recebeu, nesse mesmo dia, uma comunicação do coordenador de saúde pública do Litoral Alentejano a dar conta de que “a maior parte” dos casos atuais de covid-19 corresponde “a cadeias de transmissão já identificadas”, que não há transmissão comunitária e a propor o fim da cerca.
António Costa frisou que, nos cerca de 15 dias em que vigorou a cerca sanitária, este território registou uma “diminuição muito significativa do ritmo de transmissão”, mas alertou que a decisão do Governo “não significa que o problema tenha desaparecido”.
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