Com cerca de 501 novos casos de cancro do ovário diagnosticados por ano em Portugal, este tumor é a oitava causa de morte por cancro na mulher em todo o mundo. No entanto, segundo o Dr. Henrique Nabais, Presidente da Secção Portuguesa de Ginecologia Oncológica (SPGO) que integra a SPG (Sociedade Portuguesa de Ginecologia), “cerca de 70 a 80% dos casos são diagnosticados em estádios avançados. Daí toda a nossa luta, com o intuito de desenvolver um método de rastreio que, de acordo com o especialista, não estará disponível num futuro imediato. Situação que obriga a uma atenção reforçada aos sinais e sintomas da doença, para tornar o seu diagnóstico mais precoce, temática para a qual se alerta, durante o mês de Maio, mês do Dia Mundial do Cancro do Ovário.
De facto, ao contrário, por exemplo, do cancro da mama ou do cancro do colo do útero, em que existem métodos de rastreio, ou com “o cancro do endométrio em que, não havendo rastreio, 80% das mulheres apresentam uma manifestação precoce - uma hemorragia vaginal anómala - no Cancro do ovário não há nem uma coisa, nem outra. Ou seja, nem um método de rastreio definido, demonstrado como eficaz, nem uma queixa específica”, esclarece o especialista.
O que se traduz em diagnósticos tardios, que “implicam sempre tratamentos mais caros e resultados menos positivos. Para o especialista, trata-se de uma situação “altamente onerosa e não apenas no que diz respeito a uma questão monetária. São múltiplas as esferas na vida da mulher e da sociedade que são afetadas”.
No entanto, são também muitas as mulheres sem acompanhamento de rotina. “Há muitos milhares de portugueses sem acesso a um médico de família e isto leva a que, na realidade, o acompanhamento e avaliações de rotina sobre o estado de saúde geral de cada um não seja feito como deveria”, refere o presidente. E acrescenta que “a jornada de referenciação agravou-se com a pandemia. O Serviço Nacional de Saúde, fruto dessa pandemia, da falta de profissionais, de várias circunstâncias, não está, na realidade, bem estruturado na rede de referenciação”.
Para a maioria das mulheres, as queixas prendem-se com a existência “de pressão ou incómodo abdominal, algo que muitas pessoas têm, e nem é valorizado pela própria mulher, nem pelos médicos, porque é uma queixa completamente inespecífica e muito prevalente na população geral. Só quando estes sintomas se agravam muito ou persistem muito no tempo é que as pessoas acabam por lhes dar atenção”, reforça o Dr. Henrique Nabais.
Para diagnósticos mais precoces, o especialista fala então na necessidade de “ouvir o corpo. Quando alguma queixa diferente daquilo que é habitual surge, tem de ser valorizada. Imagine-se uma mulher que fica enfartada depois de comer. Se isso apenas acontecia uma vez e passou a ter uma frequência maior, ao fim de duas semanas a um mês tem de ser avaliado. Tudo o que seja uma queixa de novo ou que tenha um agravamento tem de ser tida em conta. Qualquer um dos sintomas que tenha uma frequência de mais de 12 dias por mês deve ser avaliado.”
A propósito do Dia Mundial do Cancro do Ovário, o projeto saBer mais ContA, uma iniciativa que, em 2023, conta com a Careca Power, a Evita, a Europacolon, a MOG (Movimento Oncológico Ginecológico), a Revista Cuidar, a Sociedade Portuguesa de Genética Humana, a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, a Sociedade Portuguesa de Senologia e a AstraZeneca, lança uma campanha, com o mote ‘Eu preferia saber...’, que chama a atenção para a existência de mutações genéticas que aumentam o risco deste tumor.
“Há alguns fatores de risco conhecidos para o cancro do ovário, mas a maioria deles são inespecíficos”, esclarece o especialista. “O principal é a idade - o risco de vir a ter este tumor aumenta com a idade, ao qual se juntam, por exemplo, a história reprodutiva da mulher, com um risco superior para as mulheres que têm uma menstruação precoce ou que têm uma menopausa tardia, e obesidade. Além da idade, o fator de risco mais exuberante é o genético. Acreditamos que 20 a 25% de todos os cancros do ovário possam estar associados a um fator genético, não apenas à mutação BRCA, mas a outros síndromes genéticos”.
É aqui que entram as mutações BRCA. “Há 2 tipos: o BRCA 1 e BRCA 2. Sabemos que uma mulher que seja portadora da mutação BRCA 1 tem um risco de desenvolver cancro do ovário, ao longo da vida - falamos do risco cumulativo, ou seja, à medida que a idade vai avançando, o risco é maior -, entre 39% a 65%”. O que significa, explica Henrique Nabais, “que nem todas as mulheres com mutações vão ter cancro do ovário, mas que o risco é razoavelmente alto. No entanto, temos um problema: não sabemos quais as mulheres que, tendo a mutação, vão desenvolver ou não cancro. Por isso, nestes casos, propomos medidas redutoras de risco e acompanhamentos diferentes. A partir dos 35 anos, começamos a falar na eventual cirurgia redutora de risco, que significa a remoção dos ovários e das trompas, e que só deve ser feita quando as mulheres já tiveram todos os filhos que desejaram e quando isto fizer sentido para elas. Na mulher que não queira fazer cirurgia para já, o que é perfeitamente lícito, fazemos um acompanhamento específico: a maioria dos centros oncológicos o que faz é, de seis em seis meses, uma ecografia ginecológica, com uma avaliação de um marcador tumoral”.
Existem, por isso, testes que identificam a presença de uma mutação genética. “Quando há doença na própria pessoa ou nos familiares próximos, doença essa que possa estar associada a um aumento de risco, deve fazer-se uma avaliação para determinar se temos de fazer ou não o estudo genético.”
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