O cancro da cabeça e pescoço é responsável por 3.000 novos casos de cancro da cabeça e pescoço em Portugal, mas 60% das pessoas a quem é diagnosticado este tipo de cancro apresentam a doença localmente avançada.
Se diagnosticado numa fase inicial, a taxa de sobrevivência após o tratamento está nos 80-90%. Mas o tratamento também pode trazer efeitos secundários e até devastadores para a vida dos sobreviventes. A cirurgia muda frequentemente a capacidade do doente mastigar, engolir ou falar.
Falámos sobre este tipo de cancro com Ana Joaquim, médica oncologista e presidente do Grupo de Estudos de Cancro de Cabeça e Pescoço em entrevista ao SAPO Lifestyle.
O que causa o cancro da cabeça e pescoço?
O cancro da cabeça e pescoço localiza-se nas zonas da cabeça e pescoço por onde circulam a comida e o ar. Portanto, a boca, as fossas nasais e, na garganta, a faringe, que se divide em três partes (naso, oro e hipofaringe), e a laringe.
As principais causas do cancro de cabeça e pescoço são o tabagismo e o consumo de álcool, o que se compreende por serem substâncias que contactam cronicamente com a mucosa dos órgãos referidos em cima. Quanto mais prolongados, no tempo, forem estes hábitos, maior o risco.
Outro importante fator de risco, neste caso apenas de cancro da orofaringe, é a infeção por vírus do papiloma humano (HPV). Esta é uma infeção transmitida por via sexual, pelo contacto de pele e mucosa.
As boas notícias para quem tem comportamentos de risco, nomeadamente consumo de tabaco e/ou álcool e/ou promiscuidade sexual, são que o risco de cancro diminui quando há cessação destes mesmos comportamentos de risco. Portanto, uma importante mensagem é a de que nunca é tarde para parar.
Em Portugal, esta doença atinge mais homens ou mulheres?
Os cancros de cabeça e pescoço associados ao tabaco e álcool são muito mais frequentes nos homens e, frequentemente, em idades superiores a 45-50 anos. Por sua vez, apesar de também ser mais frequente nos homens, o cancro da orofaringe associado à infeção a HPV atinge proprocionalmente mais mulheres e idades mais jovens.
Em Portugal, os cancros de cabeça e pescoço mais frequentes continuam a ser em associação ao tabagismo e ao consumo de álcool, pelo que continuam a ser muito mais frequentes no género masculino e em idades superiores a 50 anos. Contudo, a prevalência do cancro da orofaringe tem vindo a aumentar e, por outro lado, os hábitos tabágicos e alcoólicos também têm sido mais frequentes nas mulheres, pelo que há uma tendência para aumentarem os casos em populações previamente consideradas de menor risco, como o género feminino e jovens adultos.
É preciso estar atento à duração dos sintomas e sempre que atingirem ou ultrapassarem as três semanas é conveniente procurar um médico
Quais os sinais e sintomas de alerta?
Os sinais e os sintomas de alerta estão diretamente relacionados com as zonas envolvidas, nomeadamente aftas e lesões brancas ou vermelhas na boca, dor de garganta, rouquidão, dificuldade em engolir, escorrência nasal (principalmente se unilateral e com sangue) ou nódulos ou massas do pescoço.
Por serem sinais e sintomas comuns aos de outras condições menos graves, muitas vezes passam despercebidos. Contudo, é preciso estar atento à sua duração e sempre que atingirem ou ultrapassarem as três semanas é conveniente procurar um médico.
Quando detetado um sinal, como se deve proceder?
Em caso de ocorrência dos sinais ou sintomas, principalmente se se mantiverem durante 2 a 3 semanas, deverá ser procurada consulta médica, nomeadamente o médico de família ou outro médico assistente, principalmente se a pessoa já for seguida em consulta de especialidade, nomeadamente Otorrinolaringologia, Estomatologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço ou Maxilo-Facial, ou ainda, no caso das lesões da boca, uma consulta de Medicina Dentária poderá ser, também, uma opção.
Que tipos de tratamentos estão disponíveis?
Quando o cancro de cabeça e pescoço é diagnosticado numa fase inicial, o tratamento pode ser cirurgia ou radioterapia, habitualmente com poucas ou nenhumas sequelas e com uma taxa de sucesso de cerca de 80 a 90%. Daí a importância de um diagnóstico precoce, principalmente numa doença que é facilmente detetável se as pessoas estiverem atentas aos sintomas.
Infelizmente, o cancro de cabeça e pescoço é habitualmente diagnosticado em fase avançada, quando os tratamentos com objetivo curativo são muito mais complexos, consistindo em várias modalidades, como cirurgias extensas, radioterapia e quimioterapia, com sequelas importantes, por exemplo a nível da fala, da respiração e da ingestão dos alimentos, e com uma probabilidade de sucesso que reduz para metade.
No caso de recidiva ou da presença de metástases (que são como que raízes da doença em órgãos distantes, como o pulmão, o osso ou o fígado), os tratamentos, não sendo curativos, têm o objetivo de aumentar a quantidade e a qualidade de vida dos doentes, e passam por quimioterapia, imunoterapia (que estimula o sistema imunitário dos doentes a lutar contra o próprio tumor) e outras terapêuticas-alvo (que se chamam assim por se dirigirem à doença oncológica especificamente), sempre associados ao melhor tratamento de suporte, com o objetivo de reduzir os efeitos secundários da terapêutica e da própria doença, como a dor.
É importante, também, que o doente seja envolvido no processo terapêutico e de reabilitação desde o primeiro momento
Os tratamentos têm evoluído nos últimos anos?
Tanto os tratamentos contra o cancro (como a imunoterapia) como os tratamentos de suporte têm evoluído muito, com ganhos importantes na sobrevivência e na qualidade de vida dos doentes de cancro de cabeça e pescoço que vivem com e para além da doença.
É possível sobreviver ao cancro da cabeça e pescoço?
Sim, claro que é possível. Os tratamentos e os serviços dedicados a esta doença têm evoluído muito.
Para além dos tratamentos, o esforço aplicado na reabilitação dos sobreviventes é muito importante. Por exemplo, a utilização de próteses fonatórias no caso de doentes traqueotomizados, ou a reabilitação oral no caso de doentes que se vêm totalmente desdentatos depois dos tratamentos.
É importante, também, que o doente seja envolvido no processo terapêutico e de reabilitação desde o primeiro momento.
Como se previne o seu aparecimento?
Sendo os fatores de risco totalmente modificáveis, a principal forma de prevenção é não consumir tabaco ou álcool, aderir ao programa nacional de vacinação, nomeadamente a vacina a HPV nas crianças de ambos os géneros, e evitar a promiscuidade sexual.
Reforço que o risco diminui nas pessoas que abandonam os comportamentos de risco, portanto nunca é tarde para começar a prevenir o seu aparecimento.
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