Apenas 25 metros separavam o temido Chalet - o centro clandestino de detenção que funcionou durante a ditadura argentina no Hospital Posadas - do sítio onde o médico Jorge Mario Roitman foi enterrado, a 60 centímetros de profundidade, na periferia da capital Buenos Aires.
Durante 41 anos, o corpo do jovem clínico - na altura com 32 anos - esteve desaparecido. No dia 8 de novembro, um grupo de trabalhadores encontrou umas ossadas enquanto escavava uma vala para construir um esgoto. A Equipa Argentina de Antropologia Forense (EAAF) exumou os restos mortais e a análise genética detalhada determinou a identidade do defunto: Jorge Mario Roitman.
"A descoberta foi casual", contou Zulema Chester, integrante da Diretoria de Direitos Humanos do Hospital Posadas e filha de outro trabalhador desaparecido, Jacobo Chester. "Já há muitos anos pedimos que toda essa área fosse escavada", acrescenta em declarações ao jornal espanhol El País.
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A EAAF conseguiu identificar o corpo através de amostras de ADN de Alejandra e Diana Roitman, filha e irmã do médico, que conseguiram uma coincidência de 99,99%, de acordo com o Tribunal Federal 3, encarregado da causa e que investiga os crimes do Primeiro Corpo de Exército.
Sequestro violento
Roitman tinha 32 anos quando, no final de 1976, foi sequestrado em casa, na presença da mulher, Graciela Donato, e das duas filhas.
"Era cerca de meia noite e meia, quando o meu marido viu um jogo na televisão e eu punha a das bebés a dormir... Ouvi um forte barulho. Pensei que tivesse explodido uma botija de gás. Quando me levanto vejo que o meu marido está a falar pelo olho mágico e alguém batia com uma marreta na porta. Ele abriu a porta e entraram na minha casa três ou quatro pessoas encapuzadas, com roupas militares e botas pretas. Um tinha cabelo comprido, parecia uma peruca e óculos escuros. Tiraram a menina que estava nos braços do meu marido, entregaram-ma a mim e trancaram-me em um dos quartos. A partir daí comecei a ouvir todo o tipo de ruídos", testemunhou Graciela Donato em tribunal em 1984.
Graciela Donato contou ainda que foi empurrada e espancada quando tentou fugir do compartimento onde foi encurralada. Não conseguiu despedir-se do marido nem impedir que lhe pilhassem a casa.
Jorge Mario Roitman foi transferido para o Chalet e submetido a longas horas de tortura. "De acordo com as vítimas com quem o médico partilhou cativeiro, ele foi selvaticamente torturado e o facto de ser judeu intensificou essa tortura", conclui o tribunal num juízo da década de 80. A enfermeira Gladys Cuervo, a única sobrevivente do Chalet e antiga colega de Roitman, relatou que o viu "numa uma poça de urina e sangue" a agonizar. Mais: Gladys Cuervo viu Jorge Mario Roitman ser torturado com choques elétricos, pontas de cigarro e sovas intermináveis.
O torturador, Luis Muiña, foi condenado em 2011 a 13 anos de prisão pelo sequestro e pela tortura de Roitman e de mais uma dúzia de trabalhadores pelo juiz Daniel Rafecas que deu "como provado o homicídio agravado" apesar dos corpos estarem desaparecidos.
Com a descoberta do corpo, o tribunal decidiu agora expandir a causa. Também o ditador Reynaldo Bignone vai voltar a sentar-se no banco dos réus. Ao lado dele estará Muiña e Argentinos Ríos, os dois únicos membros vivos do grupo paramilitar SWAT que "atuava no centro clandestino" e que "espalhava o terror entre os funcionários" do hospital.
Após a identificação do corpo, o juiz Daniel Rafecas tomou uma outra decisão: convocou a Equipa Argentina de Antropologia Forense a explorar todo o terreno do hospital em busca dos restos mortais de outros desaparecidos.
O corpo de Jorge Mario Roitman vai hoje a enterrar no cemitério judeu de La Tablada, Buenos Aires.
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