Estas pseudo-relações são potenciadas pela exposição repetida à vida da celebridade que tem vindo a ser recentemente facilitada pelos media, particularmente as redes sociais como o Instagram em que a celebridade utiliza um discurso de proximidade, na primeira pessoa (“eu”, “nós”) e que quebra a barreira entre espectador-celebridade. Não raras vezes, as interações nas redes sociais são ricas em informação, detalhes e histórias que, o que reforça a sensação de intimidade e de uma relação privilegiada.
Esta sensação de proximidade emocional tende a aumentar consecutivamente, resultando numa lealdade à celebridade que é expressa, por exemplo, na visualização de todo o seu trabalho, entrevistas e acompanhamento diário e constante das publicações nas redes sociais. Por sua vez, quanto maior a sensação de familiaridade e de conhecimento acumulado sobre uma celebridade, maior a sensação de partilha de experiências e consequente sentimento de compreensão dos valores, princípios e motivações de vida, apoiando e defendendo a celebridade em todas as decisões – como se de uma amizade genuína e recíproca se tratasse.
Segundo evidências científicas, estas relações assumem uma carga real para as pessoas que as vivenciam. Com a ideia de conhecer a totalidade do funcionamento do outro, o comportamento da celebridade torna-se previsível, o que aumenta a sensação de saber e compreender o outro, assim como os sentimentos de ligação emocional.
No entanto, não é apenas o contacto frequente que facilita o desenvolvimento de um sentido de intimidade e amizade percebida, com o ídolo, mas também outros fatores de natureza psicológica, como a empatia. A empatia é uma reação afetiva desencadeada em resposta à emoção de outra pessoa, especificamente uma reação concordante facilitadora da identificação com o outro. Nas relações reais, a empatia está fortemente relacionada com a proximidade da relação e com a força, intensidade e estabilidade dos laços relacionais. Nas interações parassociais, as reações empáticas representam a esmagadora maioria das reações emocionais vivenciadas neste tipo de relação, uma vez que tende a ser exatamente a identificação com o outro que facilita o desenvolvimento da proximidade emocional.
Expectativas elevadas, rígidas e inflexíveis nas relações baseadas numa personagem fictícia ou idolatrada, cuja vida nunca é totalmente exposta nas redes sociais pode resultar em dificuldades acrescidas nas relações reais
São reconhecidos benefícios positivos das relações parassociais, tais como a redução do medo da rejeição social ou a motivação para o crescimento e desenvolvimento pessoal e atingir o “eu idealizado” (por vezes, semelhante à celebridade). Todavia, estas relações não substituem as relações interpessoais ditas reais, visto que a experiência emocional não é semelhante. Em poucas palavras, as relações parassociais devem ser meramente complementares e não substituir as relações reais.
As evidências apontam também que não são meramente as pessoas com dificuldades nas relações interpessoais que desenvolvem as ditas relações parassociais. De facto, as pessoas que experimentam relações parassociais podem apresentar redes sociais robustas e, segundo algumas investigações, a probabilidade de experimentar uma relação parassocial está positivamente relacionada com a existência de competências sociais e a perceção do alcance e dimensão da própria rede social.
Porém, perante a possibilidade de descontrolo por parte de algumas pessoas, é importante refletir acerca de alguns riscos associados a estas relações, como o delinear de critérios elevados e difíceis de atingir para as relações interpessoais, que, por sua vez, dificultam as interações sociais e a manutenção das relações.
Tome-se como exemplo uma mulher que, na sua série predileta, assiste à interação entre um casal em que o marido se encontra constantemente a dar atenção e afeto à esposa. Ainda que na vida real, o seu marido auxilie nas tarefas domésticas e nos cuidados aos filhos, após o trabalho, podem ser criadas expectativas irrealistas em relação ao comportamento e dedicação do marido à interação com a mesma. Ou seja, apesar do retrato irrealista que é transmitido, acerca do número de horas dedicado à relação, na vida real, a mulher pode sentir-se negligenciada e, por sua vez, serem desencadeadas dificuldades e fragilidades na relação conjugal.
Assim, importa reconhecer que uma relação parassocial tanto pode trazer vantagens, como desvantagens. As expectativas elevadas, rígidas e inflexíveis nas relações baseadas numa personagem fictícia ou idolatrada, cuja vida nunca é totalmente exposta nas redes sociais pode resultar em dificuldades acrescidas nas relações reais, as quais justificam um investimento afetivo.
Não raras vezes, a celebridade expõe apenas parte da sua vida ao mundo online e que nem sempre corresponde ao que acontece no mundo offline, que é o mundo real. Cada vez mais, as notícias ou alguns testemunhos de coragem demonstram que os holofotes não anulam os problemas ou dificuldades que qualquer pessoa poderá vivenciar.
Por isso, se uma relação real ou parassocial lhe está a causar sofrimento, procure ajuda; seja um anónimo, ou uma celebridade, se está em sofrimento, não adie.
As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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