Tal como outros coronavírus, o SARS-CoV2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) é um vírus neurotrópico (ou seja, entra no cérebro) e pode ser responsável por sinais e sintomas neurológicos e psiquiátricos, seja pela sua acção directa, pela resposta inflamatória local ou pelas diferentes complicações da infecção (por exemplo, o efeito da diminuição de oxigénio).
Nas anteriores epidemias por coronavírus (MERS e SARS-CoV1) já tinham sido reportadas alterações neuropsiquiátricas agudas e crónicas, inclusivamente com maior frequência que na Covid-19. No entanto, a pandemia Covid-19, pelo número de pessoas infetadas em todo o mundo, poderá vir a representar um aumento significativo da procura de cuidados psiquiátricos e/ou neurológicos nos próximos meses e anos.
As manifestações neuropsiquiátricas agudas da Covid19 encontram-se descritas e são relativamente frequentes em doentes internados, com um espectro alargado de gravidade – síndrome confusional agudo, eventos cerebrovasculares (por exemplo AVC), encefalite/encefalopatia, psicose, perturbações do humor, catatonia, entre muitas outras – podendo mesmo ser a primeira apresentação da infeção pelo virus.
A médio e longo prazo, há evidência para a existência de sequelas neuropsiquiátricas, à medida que vai sendo publicado um número crescente de relatos de casos. A forma severa (crítica) da doença parece relacionar-se com um maior número de sequelas neuropsiquiátricas, sobretudo em doentes com internamento prolongado em unidades de cuidados intensivos.
Dos estudos realizados, e em doentes sobreviventes Covid-19 que estiveram internados, uma percentagem significativa mostrou prevalência aumentada de depressão, ansiedade, perturbação de stresse pós-traumático (PTSD), sintomatologia obsessivo-compulsiva, ideação suicida e insónia, sendo o principal factor de risco a história de doença psiquiátrica prévia.
Relativamente à PTSD, é curiosa a sua aparente relação com níveis baixos de oxigénio no sangue durante o internamento.
A inflamação do cérebro parece ser o principal factor a contribuir para as queixas depressivas, ansiosas e cognitivas, estando também relacionadas com o uso de alguns medicamentos para o tratamento da infecção.
Doentes com quadro clínico ligeiro e moderado também poderão apresentar sintomas após a infeção, estando as complicações em “assintomáticos” ainda por determinar.
A maior preocupação tem estado centrada na elevadíssima percentagem de doentes com queixas cognitivas a longo prazo, sobretudo de défices de atenção e fadiga crónica anteriormente inexistentes, que têm merecido a designação “long covid”.
Estes sintomas têm sido descritos mesmo em doentes que não requerem hospitalização e têm impacto significativo na funcionalidade das pessoas, resultando num atraso no regresso ao funcionamento prévio.
Quadros clínicos mais graves como a psicose, mesmo que não ocorram na fase aguda, podem surgir mais tarde. De facto, parece haver um aumento da incidência de Primeiro Episódio Psicótico esquizofrénico após a infecção por SARS-CoV2, com um desvio no seu início para idades mais avançadas.
Apesar de contarmos com mais de 1 ano da Pandemia Covid-19, muito ainda se encontra por descobrir relativamente às complicações tardias da doença, o que poderá demorar décadas. Por exemplo, pondera-se o efeito da infeção por SARS-CoV2 em grávidas e sua relação com o aumento da frequência perturbações do neurodesenvolvimento e psicóticas nos filhos, tal como estão bem documentadas com o vírus influenza.
É necessária mais informação para melhor compreender os mecanismos na base das alterações neuropsiquiátricas e formulação de guidelines para orientação e tratamento das mesmas.
Até lá, qualquer quadro neuropsiquiátrico que implique alteração significativa no funcionamento habitual deverá motivar a procura de uma avaliação especializada nestas áreas.
Texto: Filipa Moutinho, médica psiquiatra
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