Nos anos noventa surgiram as primeiras investigações acerca dos efeitos potencialmente prejudiciais do Natal, como por exemplo os níveis elevados de stress, conflitos familiares, preocupações financeiras, excessos alimentares e frustração emocional. Ao longo dos anos, a origem destas manifestações tendeu a ser explicada pelas expectativas irrealistas acerca do poder da magia natalícia para solucionar os problemas que exigem mais do que o espírito de um único momento.
Neste sentido, têm surgido igualmente relevantes contributos da Psicologia para facilitar a gestão da ansiedade evocada por esta quadra, como por exemplo a planificação dos gastos financeiros, a gestão das tarefas em família ou a valorização dos aspetos simbólicos em detrimento dos materiais (https://lifestyle.sapo.pt/saude/bem-estar/artigos/natal-sem-stress-7-dicas-de-uma-psicologa).
Uma vez que nem sempre o Natal é vivenciado de forma encantadora, importa refletir sobre possíveis comportamentos disfuncionais e, se estes, são exclusivos desta quadra ou fazem já parte do seu quotidiano.
Tome-se como exemplo o recurso a estratégias compensatórias para preencher um vazio emocional, como o consumo exacerbado de bens alimentares (“fome emocional”) e materiais (por exemplo, prendas para o próprio ou para os outros em detrimento da componente afetiva).
Para nos ajudar nesta reflexão, entenda o vazio emocional como uma sensação de mal-estar, tristeza e solidão, tipicamente descrita como a sensação de que “falta algo”.
Relativamente aos consumos alimentares, nos últimos anos, tem vindo a ser explorado o conceito de fome emocional, isto é, um conjunto de necessidades emocionais não satisfeitas que provocam uma sensação de insatisfação e vazio. Consequentemente, as pessoas recorrem à comida como uma estratégia para atenuar este vazio interior, bem como regular outras emoções, como a tristeza.
No Natal, a comida pode funcionar como um escape, quando a ceia não corresponde às expectativas da pessoa. Por outras palavras, como uma estratégia para prolongar o momento de convívio familiar (“Merenda comida, companhia desfeita”), ou meramente como forma de obter algum prazer e conforto depois de todo o stress vivenciado. Para além disto, destaca-se como fator adicional a cultura portuguesa, a qual tende a incitar os excessos alimentares. Ditados populares como “Barriga vazia não tem alegria” ou “Gordura é formusura” podem ser representativos desta tendência. No entanto, o alívio e conforto proporcionados pela comida, no contexto do Natal ou mesmo do dia-a-dia, são temporários, dando, muitas vezes, lugar a sentimentos de culpa, vergonha, arrependimento e auto-condenação, que reforçam o vazio emocional.
O mesmo se aplica ao recurso à aquisição não ponderada de bens materiais no quotidiano ou no Natal. A título de exemplo, recorrer às compras, enquanto estratégia para atenuar a tristeza. Apesar da sensação inicial de bem-estar, a pessoa é invadida por sentimentos de culpa e remorso, sentindo-se novamente incapaz de regular a tristeza, o vazio e as representações negativas de si própria (“Não valho nada!”, “Não me sei controlar!”). Esta estratégia tende a estar associada a níveis elevados de impulsividade, dificuldades de autocontrolo, baixa autoestima, perfecionismo, dificuldades na tomada de decisão e níveis elevados de desejabilidade social. Quantas vezes perdemos horas a escolher uma prenda, com receio do que a pessoa possa considerar acerca do seu respetivo valor? Será o valor monetário representativo do investimento emocional na relação? Ou será uma forma de compensar essa ausência? Será uma estratégia para transmitir o quanto gostamos ou valorizamos o outro?
Enquanto período de reflexão acerca das nossas necessidades e de potenciais mudanças a implementar para alcançar o bem-estar, o Natal poderá tornar-se efetivamente mágico, quando existe um investimento afetivo nos outros e em si.
Neste sentido, pode ponderar beneficiar da ajuda de um profissional especializado, com a finalidade de promover o crescimento e desenvolvimento pessoal. Tomem-se como exemplos de intervenções:
- a promoção da autocrítica acerca do próprio funcionamento emocional;
- o aumento das competências emocionais e de comunicação assertiva e empática;
- o investimento no autocuidado e na autoestima;
- a aprendizagem de competências de gestão do tempo;
- reconhecimento e aumento do reportório de estratégias para lidar com a ansiedade ou outras emoções negativas, como a tristeza.
Recorde-se que o bem-estar não envolve apenas a ausência de doença, física ou mental, mas uma caminhada constante, no sentido do crescimento e do autoconhecimento. Implementar mudanças no Natal, como um maior autocontrolo e investimento na partilha de momentos com os outros em detrimento de bens materiais, são apenas um ponto de partida para alterações mais sólidas no quotidiano.
As explicações são de Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da Mind – Psicologia Clínica e Forense (www.mind.com.pt)
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