June Tangney, psicóloga americana e professora na Universidade de George Mason, alerta que, apesar de a sociedade tender a usar estas expressões e a percecionar estas emoções como sinónimos, isso é um erro. A vergonha e a culpa dizem respeito a fenómenos distintos, assim como têm um impacto diferente nas pessoas.
Segundo a professora americana, também autora do livro “Vergonha na Hora da Terapia” (Shame in the Therapy Hour), quando sentimos vergonha, somos invadidos por sentimentos de inadequação, de que somos “defeituosos”, inferiores aos demais. A vergonha faz com que percecionemos os erros e falhas como características da nossa identidade, como parte de quem somos (“Eu sou uma porcaria, nunca deveria ter feito aquilo!”).
Pelo contrário, a culpa é ativada pela sensação de que agimos de forma errada, ou seja, de que praticámos um comportamento desadequado. Por outras palavras, atribuímos a natureza negativa ao comportamento isolado do qual nos arrependemos (“Estive mal e nem me reconheço. Naquele dia errei e, claro, sinto-me culpado”) e não a nós próprios – como acontece com a vergonha.
Por acréscimo, outra das grandes diferenças entre vergonha e culpa relaciona-se com o impacto destas duas emoções.
Quando as pessoas sentem vergonha (seja dos seus fracassos, fragilidades ou erros cometidos em relação aos demais), tendem a negar a sua responsabilidade, a culpar os outros (naturalmente que, se a vergonha me faz sentir que sou uma pessoa horrível, tenho dificuldades em admitir isso) e a zangar com as pessoas que provocam esse sentimento. Como consequência desta negação da responsabilidade, a vergonha não motiva as pessoas para a mudança.
Pelo contrário, quando as pessoas se sentem culpadas por algo que realmente fizeram tendem a estar mais motivadas para a mudança, pois é mais fácil mudar um comportamento do que o nosso “eu”, a nossa identidade. Por conseguinte, as pessoas são invadidas por uma necessidade de pedir desculpa, corrigir as coisas, compensar o outro pelos danos causados, fazer diferente – no fundo, mudar.
Na verdade, todas as emoções (inclusive as negativas) têm uma razão evolutiva para existirem – por exemplo, a vergonha impede-nos de desfilar na rua e a culpa impede-nos de cometer determinados desvios. Contudo, apesar da culpa ser uma emoção tão negativa como a vergonha, tem a capacidade de potenciar crescimento e alimentar o mencionado papel ativo para a mudança, e o mesmo não se aplica à vergonha.
Se, por um lado, a culpa nos alerta para um comportamento desadequado e tende a motivar para a mudança e a recorrer a comportamentos alternativos mais funcionais, no sentido da aprendizagem e integração de experiências emocionalmente negativas na identidade; por outro, a vergonha alimenta os sentimentos de inadequação, inferioridade e desadequação, roubando a energia mental necessária para a mudança.
Apesar de ambas serem um fator de risco para a saúde mental, a vergonha encontra-se, particularmente, associada a sintomas de ansiedade, depressão, perturbações alimentares, stress pós-traumático e, inclusive, ideação suicida. Inclusive, para algumas pessoas, a vergonha encontra-se associada à agressão e à raiva e a formas ineficazes de gerir estas emoções, o que, em parte, justifica a relação entre a vergonha e o abuso de substâncias.
Outro elemento representativo do impacto negativo desta emoção para o ser humano é que, por exemplo, no contexto de relações tóxicas, o ato de alimentar sentimentos de vergonha no outro é usado como uma estratégia de coerção, controlo e manipulação.
Por oposição, a culpa (quando verdadeira e genuína) não permite manipular o outro. Os sentimentos de remorso, tensão e arrependimento associados à culpa estão relacionados com o facto de a pessoa estar genuinamente preocupada com o modo como o seu comportamento afetou o outro.
Porém, não tem de viver com as amarras da culpa e da vergonha. Existem estratégias que pode colocar em prática para o seu bem-estar (e ser invadido por uma enorme sensação de leveza). Como por exemplo:
1. Adotar uma atitude de autoaceitação e autocompaixão, o que envolve aceitar as fragilidades, enquanto ser humano, e a possibilidade de falhar, sem questionar o seu próprio valor.
2. Não alimentar um discurso interno negativo que aumenta os sentimentos de vergonha e inadequação (Porque dizer a si mesmo o que jamais diria a um amigo, um colega ou até um desconhecido?).
3. Questionar as suas próprias emoções e a veracidade das mesmas. Por exemplo, questionar: Será que a minha culpa/vergonha é legítima? Se um amigo estivesse na minha situação, eu iria culpá-lo/humilha-lo pelo que aconteceu? A situação estava sobre o meu controlo? Quais as potenciais consequências do meu comportamento?
4. Refletir sobre o nosso papel ativo para a libertação das emoções. A título de exemplo, pedir desculpa ao outro – seja numa interação direta ou através da escrita (uma carta a pedir desculpa, a exigir um pedido de desculpas, a expressar afeto).
5. Perdoar os outros e, principalmente, a si mesmo – sendo que perdoar não é sinónimo de esquecer ou de abdicar da responsabilidade dos erros, mas sim, analisar esses episódios como aprendizagens e experiencias de auto-conhecimento e desenvolvimento.
6. Encontrar significados para as experiências: o que aprendi? De que forma esta experiência me transformou? Ou, mesmo que não exista um significado em particular, refletir e focar nas consequências positivas associadas a essa decisão.
Recorrer a ajuda psicológica especializada pode ser importante para identificar a origem dos sentimentos de vergonha, ajudar a desconstruir sentimentos de culpa e a libertar-se do peso destas emoções. Não é tarde demais para alcançar uma maior serenidade.
Peça ajuda, não se encontra sozinho(a)!
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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