Terá o acaso contribuído para o aparecimento das primeiras bebidas que viriam a originar as cervejas. Um pouco de papa líquida de aveia esquecida numa panela ou mesmo alguns grãos de cevada não torrada deixados num recipiente, poderão ter germinado, estando na origem da invenção de uma beberagem semelhante à cerveja, talvez ainda no período Neolítico.

Acredita-se que a cerveja maltada exista há mais de seis mil anos, data aproximada da mais antiga referência do seu fabrico. A comprová-lo está um baixo-relevo em pedra, encontrado no Monumento Azul, reproduzindo a forma como os Sumérios fabricavam cerveja, oferenda à deusa Nina. Este povo fazia também uso da cerveja como fonte de energia para os trabalhos mais árduos. Na Suméria, cerca de 40% da produção dos cereais destinava-se às cervejarias chamadas "casas de cerveja" mantidas, ao que parece, por mulheres.

Uma breve e fantástica história com os bisavós das nossas cervejas
Uma breve e fantástica história com os bisavós das nossas cervejas créditos: JuniperPhoton

Rezam os achados arqueológicos que naquela época era comum fazer-se uma massa homogénea (com grãos moídos e macerados), que após o cozimento era servida como pão. Com o passar das horas esta massa começava a fermentar, tornando-se quase líquida. Surgiu então a fama do “pão líquido”, que possuía semelhanças com a cerveja.

 A “cerveja dos notáveis”

Para além dos Sumérios, Assírios e Babilónios, também os Gregos, os Romanos (estes mais tardiamente pois consideravam a cerveja como uma bebida bárbara), os Chineses e os Egípcios foram grandes cervejeiros.

No Egito, os arqueólogos descobriram a aquilo que se crê ser a mais antiga cervejaria do mundo (5.400 a.C.) e que produzia vários tipos de cerveja, entre as quais a “cerveja dos notáveis” e a “cerveja de Tebas”. Os Egípcios reivindicavam a descoberta da cerveja, fundamentando-a nos seus mitos. Alegavam que o semideus Osíris, já fabricava a bebida 1.300 anos antes da construção da Esfinge.

A descoberta mostrou, entre outros ambientes, uma sala para degustação da cerveja, na época, uma bebida escura, forte, muitas vezes substituindo a água, sujeita a todo o tipo de contaminação e, como tal, portadora de doenças. As operações iniciais do seu fabrico (com a moagem do cereal entre duas pedras) eram idênticas ao fabrico do pão e os dois processos praticavam-se normalmente juntos. Embora bastante diferente daquela que bebemos hoje em dia, a base de fabricação do produto era a mesma, isto é, a cevada fermentada.

cerveja
cerveja créditos: Food Photographer David Fedulov

Na época a cerveja era utilizada como moeda para pagar aos trabalhadores e também como produto de beleza para as egípcias que, esperançosas, acreditavam no seu poder de rejuvenescimento.

Também os antigos chineses preparavam bebidas semelhantes à cerveja, obtida de grãos de cereais. A Samshu, fabricada a partir dos grãos de arroz, e a Kin já eram produzidas cerca de 2.300 a.C.

A cerveja entra nos conventos

Os povos do norte da Europa descobriram a técnica da cervejaria não muito antes da era cristã. As primeiras bebidas celtas e teutónicas feitas de uma mistura de milho e mel originaram o hidromel de sabor ligeiramente ácido, o que levou ao desenvolvimento de fermentações lácticas. A cerveja sempre foi consumida em países onde o clima e solo eram inadequados para a produção de vinho de uva.

Os Gauleses, os Celtas e os Saxões fabricavam cervoise que ainda não continha o lúpulo. Era uma beberagem alcoólica fabricada com cevada fermentada ou com outro cereal aromatizado com diversas especiarias. A maturação desta bebida fazia-se em ânforas de olaria e, mais tarde, em tonéis. O fabrico desta bebida prolongou-se durante a Idade Média, tornando-se os monges os principais produtores de  cervoise.

No século X, conforme documentos encontrados num convento de St. Gallen, Suíça, os frades que produziam a cerveja, recebiam diariamente cinco generosos litros, para o consumo pessoal. Foram os monges que tornaram popular o uso de lúpulo como factor de amargor da cerveja, organizando, ainda, as receitas escritas, permitindo preservar a qualidade da cerveja e aperfeiçoar cada vez mais as técnicas de fabrico. Estes centros religiosos serviam não apenas a comunidade local com cerveja, como também toda uma região.

cerveja
cerveja créditos: Gianluca Gerardi

A par de St. Gallen, os conventos que primeiro se iniciaram nas lides de fabrico da cerveja foram os alemães Weihenstephan e St. Emmeran. Os beneditinos de Weihenstephan foram os primeiros a receber, oficialmente, a autorização profissional para fabrico e venda da cerveja, em 1040 d.C. Notável o facto desta cervejaria ainda hoje laborar, tornando-a a mais antiga do mundo, sendo actualmente conhecida como o Centro de Ensino da Tecnologia de Cervejaria da Universidade Técnica de Munique.

A “Lei da Pureza”

Em 1516 foi decretada na Baviera, pelo Duque Guilherme IV, a “Lei da Pureza”, que determinava os ingredientes que podiam ser utilizados no fabrico de cerveja: a cevada, o lúpulo e água. Mais tarde foi incluída na lei a levedura de cerveja, que ainda não era conhecida na época. Aliás, a própria antiguidade do fabrico da cerveja na Europa, essencialmente no Norte e no Leste, pois o Sul entregava-se mais à vinha, deveu-se ao valor das matérias-primas: pureza da água, qualidade da cevada e finura do lúpulo.

Curioso, foi o decreto do século XVI relativo ao “teste da calça”: um fiscal chegava à fábrica e embebia fatias de beterraba na cerveja, colocando-as numa cadeira. Depois, sentava-se sobre as mesmas. Se ao levantar-se a calça ficasse agarrada à cadeira, a bebida era boa.

Mais tarde, em Pilsen, uma pequena cidade da República Checa, foi descoberta pelos cervejeiros a baixa fermentação, passando assim a cerveja a ter uma cor mais clara, um sabor mais suave e uma maior duração para o consumo. Estas novidades levaram à substituição das canecas de cerâmica, onde se bebia o precioso líquido, por copos de vidro transparentes.

Em 1876, Louis Pasteur iniciou uma revolução na indústria da cerveja, com a publicação de estudos sobre a fermentação de microorganismos, que resultaram na pasteurização, uma técnica bastante importante no fabrico do produto, uma vez que permite o aumento da durabilidade do mesmo e permite ainda o transporte para grandes distâncias. Sete anos depois, Emil Hansen descobriu que o isolamento da célula de baixa fermentação permitia a constância do sabor e da qualidade da cerveja.

Nesta altura solucionou-se um outro grande problema no fabrico de cerveja, prendendo-se com o facto de só ser possível controlar as temperaturas de fermentação e maturação no Inverno. Carl Von Linde constatou então que, com a teoria da geração do frio artificial e com a ajuda de máquinas frigoríficas à base de amónia, era possível produzir cerveja em qualquer altura do ano.

Com os avanços tecnológicos e científicos e a constituição de uma sociedade de base industrial, o século XIX viu surgir as grandes fábricas de cerveja.

A partir do século XX, a cerveja começou a tornar-se um hábito de consumo, nomeadamente nos meses de verão.