Este é um apontamento que podia começar à mesa do Restaurante Flores do Bairro, no Bairro Alto Hotel, em pleno Largo de Camões. Podia, mas não começa porque o chefe Bruno Rocha, um lisboeta de 38 anos, apaixonado pela sua cidade quis dar prova dessa afeição. Como? A bordo do elétrico 28, num passeio de colinas, começando no Chiado para terminar na Graça. Uma viagem que não se fez apenas de vistas lisboetas. O périplo serviu para o chefe, que já antes passou pelo Vila Vita Parc e liderou as cozinhas dos Tivoli Vilamoura, apresentar a nova carta do Flores do Bairro. Curiosamente numa altura em que este lisboeta de gema desenvolve pela primeira vez o seu trabalho na capital.
O resultado é uma carta desenvolvida ao longo de três meses e que reflete as origens de Bruno Rocha, embora assimile elementos de outras cozinhas e integre “uma base de cozinha francesa nos molhos e nos caldos. Isto para obter mais sabor”, explica o chefe formado em cozinha e pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve.
Bruno Rocha quis vincar nesta carta, extensa, em vigor desde 21 de abril, a multiculturalidade da capital. Isso mesmo nos explica embalado pelos solavancos do velhinho 28 na sua aproximação à Sé. “Os pratos que apresento no Flores do Bairro resultam das experiências que vivi na minha cidade natal. Encontramos, por exemplo, a Mouraria e toda a sua diversidade cultural. Tenho pratos que nos remetem para figuras históricas da cidade”.
Uma aproximação à carta denota, precisamente, esta abordagem, com pratos que entroncam na Lisboa com história e nas suas gastronomias. Veja-se, então: “Meia desfeita de bacalhau”, prato estimado por Eça de Queirós, os “Peixinhos da Horta”, ou a “Amêijoa veste-se de bulhão pato”.
É precisamente esta “meia desfeita de bacalhau” que temos oportunidade de provar neste embalo do elétrico. O fiel amigo casa com a cebola roxa, em picle, com pimentão-doce, grão cozido num caldo de presunto pata negra. Para finalizar um bom fio de azeite e vinagre. Antes, em jeito de degustação e diretamente das entradas da nova carta, “o requeijão de ovelha desfez-se pelo escabeche de pimentos”. O requeijão de ovelha da Serra de Sicó, acompanha aqui com pão alentejano frito, azeitonas pretas e rebentos de alho.
Já à mesa do Flores do Bairro, espaço intimista com 40 lugares, abordamos com Bruno Rocha a questão dos fornecedores. Diz-nos: “quase todos os ingredientes provêm de fornecedores locais, por exemplo, do Mercado da Ribeira”. O chefe não escusa, contudo, fazer umas centenas de quilómetros para encontrar ingredientes genuínos. Prova-o o requeijão. “Fui à Serra de Sicó para provar o requeijão e perceber o método de produção”, acrescenta o chefe.
De carta na mão não passa despercebida a extensão da mesma. São três dezenas de propostas correndo as entradas (“Para abrir hostilidades”), peixes (“Do mar”), carnes (“Terra”), uma aproximação à cozinha vegetariana (“Nem carne nem Peixe”) e as indispensáveis sobremesas (“O pecado mora aqui ao lado”).
Nos principais está bem vincada a ligação do autor às suas vivências. É o próprio quem nos explica: “O `Atum metido numa cebolada de batata-doce` conta a história das dificuldades em conseguir sempre o melhor exemplar e a minha ligação fraternal ao Algarve. Já o `Lombo de vitela assado sem demoras, esparregado de acelgas e Touriga Nacional`, faz a minha ligação familiar à região de Viseu e as memórias das férias de verão”.
No repasto em apreço nota para a frescura do “Tártaro de tomate e orégãos”. Bruno Rocha quis surpreender e escusou-se à ligação natural deste tártaro à carne. Em substituição temos o tomate a emparelhar com o molho inglês e gema de ovo confitado. A tosta que acompanha é produzida com broa de Avintes. Ainda de sublinhar o “Lombo de vitela assado sem demoras, esparregado de acelgas e Touriga Nacional” e o “Pregado e pata negra, molho da fragateira”. Duas propostas com assinatura de Bruno Rocha que se juntam a alguns clássicos que transitam da carta anterior. Entre os sobreviventes, o “Peixe do mercado à Flores do Bairro”, o “Arroz de berbigão e chips de corvina”.
Para rematar a refeição, o chefe que quatro vezes lhe viu ser entregue o prémio Garfo de Ouro, do “Guia Boa Cama Boa Mesa” (jornal Expresso), apresenta um “Creme de arroz doce e citrinos, gelado de bolacha Maria”. Uma vez mais um aproximar às memórias remetendo para os tempos de escola onde o momento mais aguardado era abrir a lancheira, ver a sanduíche e optar pela tablete de chocolate.
Uma sobremesa onde a aparente simplicidade (tons de branco), esconde a diversidade de texturas e o espicaçar do palato que se sente ao misturar um pouco de pó de baunilha com o creme de arroz doce.
Nestes comeres doces saliente-se o “O toucinho vindo do céu, com café e migas de amêndoa”, “O chocolate e o azeite numa tablete”, o “Queijo de Niza, da Ilha e da Serra com chutney de tomate”.
Contas feitas uma refeição neste Flores do Bairro fica nos 32,00 euros (preço médio). Os comensais encontram portas abertas entre as 13h00 e as 15h00 e as 19h30 e as 23h00. Carece de reserva antecipada pelo telefone, 213 408 288 ou email: flores@bairroaltohotel.com
Praça Luís de Camões, N.º2, Lisboa.
Texto: Jorge Andrade
Fotografias: Restaurante Flores do Bairro
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