A 4 de março último o canal temático de cozinha, 24Kitchen, ganhou um novo rosto na condução de um programa e, com ele, a oportunidade para todos nós de olharmos para a pastelaria com novos olhos, e mãos. Mais criativa, contemporânea e adaptada a diferentes públicos, estilos de vida e necessidades nutricionais. Francisco Moreira, chefe de pastelaria, mestre chocolateiro é o condutor destes “Doces do Ofício”.

Uma série em 22 episódios, de 20 minutos, que nos entrega um jovem talento da pastelaria. Francisco tem 27 anos. Muito preenchidos por sinal. Sete anos de experiências em cozinhas portuguesas, com estrela Michelin, como a Fortaleza do Guincho, em Cascais, atividade desenvolvida na ilha atlântica espanhola de Tenerife na equipa Martín Berasategui, no restaurante M.B, galardoado com duas estrelas Michelin.

Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa
Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa

Amadurecido o homem e o trabalho, em 2017 Francisco dá mais um salto internacional, arrojado no que respeita aos desafios na arte da pastelaria. O jovem ruma à Bélgica onde atualmente se encontra a laborar na Chocolate Academy, em Wieze. Aí o chefe de pastelaria, ministra consultoria e ensina a arte do chocolate.

O SAPO Lifestyle visitou as gravações deste “Doces do Ofício” para perceber como a um chefe de pastelaria habituado a operar no stresse de uma cozinha exigente, lhe é pedido um bónus de paciência, boa disposição e resiliência no decurso da gravação de um programa de 20 minutos. Contas feitas são três receitas por programa, num para/arranca incessante. Há que encontrar o enquadramento certo, as palavras que fluam consistentes. Acresce a delicadeza dos ingredientes, a conservação dos mesmos no decurso de muitas horas de filmagens.

“Corta”, “vamos filmar”, “retoma a posição”, assim impõe o ritmo de realização na cozinha de Francisco, moderna, arejada, de janelas amplas para um jardim com ares de primavera. No caso vertente, o obreiro destes “Doces do Ofício” prepara uma Pavlova de frutos vermelhos, nata e vinagre balsâmico. Isto num programa que ao longo das próximas semanas nos irá propondo diferentes temas, dos piqueniques e pequenos-almoços em família aos bolos de viagem, às tortas e à pastelaria colorida.

Aguardamos uma pausa para encetar conversa com este indefetível admirador do chocolate, lisboeta de nascença que, em 2016, venceu a primeira edição do concurso ADN Pasteleiro.

Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa
Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa Brownie.

Francisco descansa após filmagens de “fio a pavio” no decurso da manhã. Toda a equipa, larga em número, faz uma pausa, breve, para almoço. A tarde continuará longa no que respeita a filmagens. Francisco neste cá e lá entre Portugal e a Bélgica, tem de maximizar o tempo de gravações. Isto numa primeira experiência em televisão (e no canal temático no digital criado para o efeito).

Sou uma pessoa muito organizada e perfecionista. A pastelaria obriga a muito rigor e identifiquei-me com isso.

Há um sorriso de bonomia em Francisco. “Doces do Ofício” são também para o nosso interlocutor “ossos do ofício”. Algo que faz com dedicação e muita entrega. “Tirei o curso de cozinha e pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, porque na realidade queria seguir cozinha. Confesso que ao sair da Escola ainda estava um pouco indeciso. Na época, o mercado não estava nos seus melhores dias e fiquei expectante face ao que apareceria. Surgiu no meu caminho a pastelaria e não hesitei”, conta-nos Francisco.

Uma escolha que para Francisco acabou por se afigurar natural face ao seu Modus operandi: “Sou uma pessoa muito organizada e perfecionista. A pastelaria obriga a muito rigor e identifiquei-me com isso”. Acresce a este fascínio toda uma descoberta de um mundo pasteleiro diferente daquele que Francisco identificava nas tão nossas pastelarias de rua. “Para mim, até iniciar os estudos, a pastelaria era aquilo que via nos estabelecimentos de rua. Depois, já no mundo do trabalho, deparei-me com outros contextos e fiquei fascinado. A precisão, o rigor, a técnica. Quis saber mais”.

Ainda sobre a sua assinatura, Francisco responde-nos: “Sempre laborei muito na escola francesa, com muita técnica, mas com muito respeito às bases. Dentro disto, podemos tentar modernizar, sem ofender os mais puristas e tradicionais. Gosto, também, de trabalhar com produtos mais arriscados, mas considero que a pastelaria continua a ter de trabalhar com as suas bases. Uma massa folhada ou uma massa de brioche vão continuar sempre a existir”.

Não quero ser mal interpretado, em Portugal temos excelentes profissionais. Contudo, a valorização da profissão, aqui [na Bélgica], é maior.

No que respeita à experiência internacional, Francisco revela que, “na verdade sempre pensei em sair de Portugal, não por pensar que cá fora se faria melhor, mas pelo facto de querer saber como é ter uma prova de como é ver as coisas ´de fora para dentro`. No caso vertente, a partir da Bélgica, onde a pastelaria é levada muito a sério. Não quero ser mal interpretado, em Portugal temos excelentes profissionais. Contudo, a valorização da profissão, aqui [na Bélgica], é maior”.

Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa
Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa

“Na época em que saí de Portugal estava como chefe de pastelaria dos restaurantes do Grupo Olivier [do chefe de cozinha Olivier da Costa]. Na altura, considerei que no processo de construção da minha carreira precisava de desafios e algo novo. Senti que em Portugal me faltava o passo seguinte nesse desafio. Surgiu a oportunidade de ir para o M.B. em Tenerife, como chefe de pastelaria. Pensei, ´agora é que é´, e atirei-me de cabeça. Estive nove meses em Espanha até me surgir a oportunidade de vir para a Bélgica”.

Francisco confessa que o choque de quem sai do país para uma nova realidade social não se deu quando rumou a Espanha, “tinha um grupo de amigos em Tenerife”, mas quando aterrou na Bélgica em janeiro de 2016. “Quando cheguei à Bélgica, com as malas na mão, não conhecia ninguém. Ai começou o grande desafio. Estava num país com uma visão diferente da pastelaria e, principalmente, da chocolataria”.

Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa
Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa

Sem criticar os hábitos de consumo portugueses face à pastelaria, “que respeito”, o nosso interlocutor sempre adianta que “em Portugal as pessoas têm hábitos muito vincados. Vão dez anos ao mesmo café para comer o seu pastel de nata. É difícil convencer as pessoas de que nós, pasteleiros, fazemos coisas diferentes. Eventualmente mais caras, porque também incorporam mais trabalho e porque têm outro tipo de ingredientes, provavelmente, muito mais saudáveis”.

Em casa as pessoas também conseguem fazer diferente. Quero revelar como se pode fazer diferente, um pouco mais sofisticado, mas igualmente simples e acessíveis.

Para Francisco, o programa no 24Kitchen que agora inaugura, “também serve para dar a conhecer este nosso trabalho. Há todo um mundo ligado à pastelaria e à chocolataria. Este meu programa traz-nos coisas diferentes. Gosto de ir abordando diferentes formas de pastelaria, variando, adaptando a estilos diferentes. Os episódios estão divididos por temas, cada um com receitas específicas, coisas portuguesas, mais tradicionais, outras mais contemporâneas, outras ainda opções para pessoas celíacas, vegans”.

Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa
Francisco Moreira, o chefe de pastelaria que está a fazer dos “ossos do ofício” um “Doce Ofício” de programa

Sobre esta nova experiência, saindo do anonimato da cozinha de restaurante para as luzes de uma cozinha aberta ao pequeno ecrã, Francisco confessa-nos o seu stresse: “Num restaurante temos a pressão de entregar uma sobremesa perfeita. É um ambiente controlado, onde não podemos falhar. Quando estamos a filmar, focamo-nos na informação que transmitimos e, simultaneamente, estamos a trabalhar. Há que gerir estes dois momentos, o que gera alguma ansiedade”.

Ansiedade que Francisco supera com descontração e química frente às câmaras. O mestre chocolateiro sente-se como peixe na água quando o assunto é doceiro, para mais quando procura junto de todos nós desmistificar, “revelando que em casa as pessoas também conseguem fazer diferente. Quero revelar como se pode fazer diferente, um pouco mais sofisticado, mas igualmente simples e acessíveis. Podemos brincar, fazer diferentes combinações. Inspirar as pessoas”.