Costumamos referir-nos a 'tempo' para falar das previsões atmosféricas, que tanto afetam a nossa qualidade de vida mas, na cidade do Porto, o tempo que se debate é aquele que temos para implementar novas medidas de forma a preservar o planeta Terra contra as alterações climáticas e como este flagelo pode colocar em risco a indústria vinícola.

No primeiro dia da conferência (quarta-feira), o diretor-geral da Organização Internacional da Vinha e do Vinho, Pau Roca, abordou o papel da entidade com os vários governos mundiais, num discurso em que apelou contra a “atitude negativa” no combate às alterações climáticas.

“Temos de encontrar a oportunidade que as alterações climáticas nos trazem. Nós [indústria do vinho] nunca estivemos em negação, sempre avisamos que havia alterações climáticas. Temos uma grande oportunidade, porque somos muito sensíveis a esta realidade. No contexto global, acho que somos a porta de entrada de uma grande mudança na economia”, afirmou.

Adrian Bridge, CEO da Taylor’s e organizador do evento, abriu a cerimónia, destacando a importância de uma cooperação de todos para mitigar os efeitos das alterações climáticas.

“Todas as pessoas podem fazer mais do que já fazem. Há muitas empresas e estudiosos a liderar iniciativas, mas de forma fragmentada. O importante agora é trabalharmos juntos, numa base de cooperação internacional, entre as instituições, as empresas e as pessoas”.

Adrian Bridge mostrou-se convicto de que a indústria do vinho tem capacidade para liderar esta nova abordagem global associada à economia sustentável, estendendo o seu exemplo não só dentro do sector, como também a outros parceiros de negócio e aos consumidores, inspirando-os a fazer escolhas mais conscientes e informadas.

No mesmo sentido, Margareth Henriquez, presidente e CEO da KRUG, defendeu que tem de haver “um movimento coletivo de mudança” nas empresas e isso tem “de partir da liderança na empresa”. A responsável abordou ainda os problemas verificados na Argentina, como o aumento de temperatura e a falta de água.

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Miguel Torres, presidente da empresa espanhola de vinhos Bodegas Torres, destacou a ação Torres&Earth, implementada em 2007 e que alocou 15.795.000€ para investigação, investimento em energias renováveis e para a otimização das terras. Este esforço, traduzido em medidas como a preservação de espécies autóctones e a reflorestação, recolha e tratamento das águas pluviais, recuperação de variedades ancestrais (Querol, Moneu, Gonfaus, Forcada, Selma, Pirene na Catalunha), utilização de energias renováveis e redução do consumo elétrico, substituição da frota a diesel por soluções híbridas ou elétricas, implementação de vinhas em altitude e adaptação das adegas para modelos autossustentáveis, teve um impacto direto na redução das emissões de CO 2 por garrafa em 26,8%, mas o objetivo é chegar aos 30% em 2020.

Miguel Torres terminou por dizer que “cada empresa pode fazer sempre algo mais porque as próximas gerações merecem o nosso esforço”, salientando o objetivo apontado pela International Association for Climate Action, de garantir nos próximos 10 anos que 20% da energia possa suportada por meios renováveis. “A União Europeia quer cortar as emissões em 40% em 2030, comparativamente aos níveis de 1990. Mas devíamos ambicionar o dobro.”

Climate Change Leadership - Porto 2019
Climate Change Leadership - Porto 2019 créditos: Climate Change Leadership
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Já António Graça focou a sua intervenção no terroir e nos seus marcos identitários: solo, topografia, clima, biodiversidade e características da paisagem. Para o Diretor do Departamento de Investigação e Desenvolvimento da Sogrape, o principal aliado para este desafio climatérico é a vinha, o estudo dos seus genótipos e a sua integração resiliente nos diferentes terroirs. Uma agricultura livre de herbicidas, o aproveitamento da água pluvial (68% da água usada no grupo provém desta fonte), a produção integrada e certificada e a monitorização dos efeitos de fenómenos como a seca na qualidade das uvas foram outras das alíneas em destaque na apresentação. António Graça terminou por dizer que ninguém pode ficar para trás e que o esforço tem de ser coletivo.

António Amorim disse que o presente e o futuro residem na geração Millennials, consumidores que, segundo o presidente e CEO da Corticeira Amorim, são mais conscientes e responsivos a atitudes positivas por parte das marcas. “Podem não comprar o vinho mais caro, mas compram um vinho que lhes traga boas associações”, referiu fazendo a ponte com os vinhos orgânicos e biodinâmicos que se prevê que cresçam 15% em vendas entre 2020 e 2022. “É preciso ser coerente e transparente em todo o processo. Os consumidores querem que lhes mostremos os argumentos para que os próprios suportem este posicionamento ambientalmente consciente e sustentável.”

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António Amorim referiu igualmente que um dos objetivos da Corticeira Amorim passa por fechar o ciclo económico, “envolver todos os agentes da cadeia de produção, comércio e serviços”. Apesar de ter reciclado mais de 550 milhões de rolhas nos últimos dez anos, o CEO da empresa portuguesa líder mundial do mercado da cortiça diz que é possível fazer sempre mais.

“Temos de tornar a certificação das empresas uma prioridade, há investidores atentos a isso e que enviam auditores só para avaliar o quão sustentável é uma empresa. Não podemos sair desta cimeira a pensar que só é possível fazer um bocadinho melhor, mas devemos sim traçar objetivos estruturais a 5, 10 anos e repensar a fundo a filosofia empresarial de cada um.”

O antigo vice-Presidente dos Estados Unidos e Prémio Nobel da Paz Al Gore, que tem vindo a chamar a atenção para os impactos do aquecimento global, dá, esta quinta-feira, uma conferência no Porto sobre o clima.

No último dia da conferência "Climate Change Leadership Porto - Soluções para a Indústria do Vinho", Al Gore vai falar durante uma hora sobre o tema "Protocolo Porto - Um caso de otimismo na crise do clima".

Ao longo do dia serão debatidos temas como a sustentabilidade, biodiversidade e gestão de solos, com participantes do Chile, Arábia Saudita e França.

"Roteiro da neutralidade de carbono", será o tema da intervenção que estará a cargo do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes.