É difícil não ouvirmos o nome “Casa do Forno” e não pensarmos em algo comunitário. Mas é disso mesmo que falamos. Aqui reaviva-se a arte de cozinhar num tradicional forno de lenha do Torre de Palma Wine Hotel, em Monforte, arte conduzida pelas mãos do Chef Miguel Laffan, que não tem estado sozinho nestas experiências que se querem “com ingredientes portugueses, sejam de mar ou terra, passando pelo pasto alentejano”, diz.

Nesta que é já a quinta edição da “Casa do Forno”, e que vai acontecer a 26 de fevereiro, o chef convidou Alexandre Silva (Fogo e Loco, em Lisboa) e André Ribeiro (Restaurante Callum, em Oleiros) para uma refeição a seis mãos, onde as especialidades de cada um vêm ao de cima, numa edição que traz uma novidade.

“Será a primeira vez que vai decorrer durante o dia, ao almoço”, explica o chef, em declarações ao SAPO Lifestyle, uma vez que “pretende-se que haja uma maior interação entre os chefs e os hóspedes, à luz do dia”. Miguel Laffan exalta o facto de este ser um evento cada vez mais consolidado e destaca que “os dois chefs convidados são incríveis, um com uma estrela Michelin e o outro especializado em cabrito estonado, uma das grandes maravilhas gastronómicas do nosso país”.

Miguel Laffan, Alexandre Silva e André Ribeiro cozinham na Casa do Forno, onde o fogo é o elemento principal
Miguel Laffan é o anfitrião da Casa do Forno. créditos: Carlos Vieira

Segundo Luísa Rebelo, diretora-geral do Torre de Palma Wine Hotel, a Casa do Forno “era um forno comunitário da herdade de Torre de Palma, onde as gentes da terra cozinhavam e faziam pão. Estas edições são uma ligação a estas memórias, que fazem parte da nossa história e tradição, e queremos que perdurem no tempo”.

Num evento que já contou com nomes como Rodrigo Castelo, Leopoldo Calhau, Nuno Diniz, José Júlio Vintém, Miguel Gameiro e Guilherme Charão, há muito ainda a mostrar no que toca a tradições portuguesas.

“Há muitos anos que conheço o Alexandre Silva e que sigo o seu maravilhoso trabalho, tanto no Loco como no Fogo. Já o André, conheci-o num evento onde estava a representar o seu restaurante e o cabrito estonado de Oleiros. Fiquei fã do chef e do seu talento. Por isso, pensei que ambos fariam uma escolha perfeita. O Alexandre é muito focado neste tipo de gastronomia - forno a lenha - e achei que os dois juntos iriam criar muito valor ao evento”, afirma Laffan, ideia partilhada por Alexandre Silva. “Vai ser espetacular porque temos técnicas completamente diferentes, formas de olhar a cozinha completamente diferentes, mas todos com um valor em comum que é a qualidade que um prato tem de ter”, acrescentando que tem muita curiosidade de ver a técnica usada por André Ribeiro, cuja especialidade é cabrito estonado, um dos pratos do menu.

Cozinhar a seis mãos é um privilégio, resume André Ribeiro. “Poder partilhar experiências em volta do forno... não tenho palavras”.

Tradicional da zona de Oleiros, o cabrito estonado é um dos pratos mais aguardados deste menu da Casa do Forno. “O que diferencia o cabrito estonado dos restantes cabritos assados no forno é a pele. O cabrito não é esfolado, mas sim retirado o pelo. Costumo dizer, para as pessoas entenderem melhor, que o processo é muito idêntico ao do leitão, a pele não deixa secar a carne dando-lhe a suculência e ao mesmo tempo o crocante. É a combinação perfeita. Outro fator diferenciador é o que são cabritos com dois meses e meio, com um máximo de sete quilogramas”, explica o chef André Ribeiro.

“É uma viagem ao passado que nos enche a alma”

Aquela que foi a maior conquista do ser humano na pré-história e que teve impacto em várias dimensões contribuiu de uma forma inquestionável para a forma como a humanidade desenvolveu a sua alimentação. E foi para resgatar esse poder que Alexandre Silva abriu o seu próprio Fogo, em dezembro de 2019. “O fogo liberta um ingrediente que não se consegue ir buscar a mais lado nenhum, o fumo, e é isso que faz com que um prato deixe de ser bom para ser espetacular, que marca realmente. O fumo não aparece numa receita, numa ficha técnica, todas as pessoas se esquecem, mas ele está lá e é muito importante”, afirma.

Não há nada mais simples do que o uso do fogo para cozinhar alimentos, mas há técnicas que se vão aprimorando. Por exemplo, “a maior parte das pessoas quando vai grelhar um bacalhau ou outro peixe, normalmente a pele tem tendência para agarrar à grelha. Há técnicas para que isso não aconteça, como secar um pouco mais a pele através de ventilação ou não usar a grelha de todo, usar-se espetos japoneses para trabalhar o peixe. Há aqui algumas técnicas que podemos adaptar para conseguir um trabalho melhor”, explica Alexandre Silva que é um dos nomes de referência a nível nacional no uso desta técnica, acrescentando que no geral não há grande diferença entre cozinhar-se os diferentes alimentos.

Menu “Casa do Forno”, 26 fevereiro

Snack (Miguel Laffan): Empadinha de pato assado lentamente no forno comunitário.

Snack (Alexandre Silva): Ostra no forno com manteiga fumada e óleo de salsa.

Entrada (Miguel Laffan): Sopa de peixe da costa de Setúbal cozido a lenha.

Entrada (Alexandre Silva): Tártaro de vaca com tutano e servido no osso.

Peixe (Alexandre Silva): Feijoada de sames de bacalhau.

Carne (André Ribeiro): Cabrito estonado de oleiros, arroz de miúdos e couves da aldeia com broa de milho.

Sobremesa (Márcia Dias): Pera Rocha assada em caldo de especiarias, nougat de pinhão e gelado de líchias.

Preço: 70€ por pessoa.

Reservas: reservas@torredepalma.com | 245 038 890.

Falar de fogo é também falar de memórias. Muita da gastronomia nacional passa pela brasa, do peixe à carne e cada vez mais os legumes. O ADN português, como nomeia Alexandre Silva. Nas zonas rurais, os fornos, comunitários ou não, povoam a mente de quem teve essas vivências, como é o caso de André Ribeiro. “Desde muito pequeno que me lembro das tradições na aldeia e quase todas giravam em torno do forno de lenha. É quase como um ritual, todo o processo de escolher a lenha, acender o forno, rodar a lenha para ‘temperar’ o forno, sentir o calor e a cor da chama, o fumo, os cheiros. É definitivamente algo muito especial. Para termos bons resultados, temos que entender o forno”. Trata-se acima de tudo de uma paixão, como nos explica.

A fama do seu cabrito estonado faz-nos perceber que não é preciso inventar muito na cozinha para se conseguir um bom prato. Bons ingredientes - a qualidade dos cabritos usados é atestada com produtores de confiança que conhecem a sua forma de trabalhar - e uma dose de experiência são o suficiente para um manjar inesquecível. “As pessoas perguntam-me como é que faço para ver a temperatura, o que respondo é que não tenho termómetro e utilizo o meu braço, acima de tudo é entender o comportamento dos alimentos que estão no seu interior”.

Miguel Laffan resume aquela que vai ser uma experiência única, que tem partilhado nos últimos anos com outros chefs, cada edição com a sua identidade: “Tem sido muito enriquecedor voltar às origens, cozinhando como os nossos antepassados faziam. É uma viagem ao passado que nos enche a alma”.