Por muito que gostem um do outro, pode não ser suficiente e não faltam por aí filmes, séries de televisão e até livros que alertam para isso. O relacionamento tóxico mais conhecido nos últimos anos chegou às salas de cinema portuguesas em fevereiro de 2015. Com 29 milhões de visualizações no YouTube, o trailer do filme "As cinquenta sombras de Grey", baseado na famosa saga literária do mesmo nome, era na altura o mais visto de sempre na internet.

Os números deixavam antever um sucesso nas bilheteiras mais do que garantido, como se viria a confirmar pouco depois. Mas, entretanto, recordemos os aspetos que tornam tóxica a relação entre os protagonistas, Anastasia Steele e Christian Grey. Antes do livro de E. L. James ter sido publicado em 2012, nunca um romance erótico centrado num relacionamento sexual sadomasoquista tinha conquistado o público a nível global.

Contudo, a crítica literária foi rápida a classificar a relação ficcional como extremamente abusiva e a obra como um atentado ao feminismo. De facto, "As cinquenta sombras de Grey" geraram muitos debates sobre a sexualidade feminina, polarizando opiniões. Tanto assim foi que a trilogia de romances eróticos foi acusada de disseminar a falsa ideia de que todas as mulheres desejam ser dominadas.

A necessidade de diagnosticar a relação

Conheça os sinais que denunciam uma relação tóxica e descubra como escapar-lhe. Embora não seja um termo académico, a expressão relações tóxicas tornou-se popular na caracterização daqueles relacionamentos onde "predomina o julgamento, a crítica, a competição, o ciúme e a inveja", como esclarece Telma Pinto Loureiro, psicóloga clínica e especialista na área do amor e dos relacionamentos.

São relações disfuncionais em que um dos elementos do casal como que envenena o outro, comparam muitos especialistas. Chegam mesmo, em muitas situações, a contagiar as pessoas mais próximas dos dois, o que acaba por ser perverso. Daí que alguém se tenha lembrado do conceito físico-químico, um argumento a que inúmeros especialistas, um pouco por todo o mundo, também recorrem.

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Segundo Telma Pinto Loureiro, "as relações tóxicas nos casais podem apresentar-se de múltiplas formas", verificando-se na maioria dos relacionamentos vários tipos de interações, nomeadamente subjugação, manipulação, dependência fortemente emocional, relação marcadamente assimétrica (em que um dos elementos do casal detém o poder), tentativa de incutir sentimentos de culpa e inutilidade, responsabilização por tudo o que acontece de negativo, e ridicularização de um dos elementos do casal. Às vezes, entra-se num ciclo vicioso em que se magoam um ao outro.

Nesses casos, é difícil sair ou mudar a situação por causa dos "padrões relacionais que carregamos", sublinha Telma Pinto Loureiro. "Muitas vezes encenamos as mesmas histórias, em que mudam as personagens, ficamos nós no papel principal, mas não escrevemos novos episódios", clarifica Maria Joana Almeida, psicóloga clínica e sexóloga. Outras vezes, os sinais estão à vista, mas são difíceis de interpretar ou de aceitar, porque, já dizia Shakespeare, o amor é cego.

O imperativo de reconhecer os piores sinais

Analisar o casal é essencial, fazendo uma introspeção e uma observação interior pormenorizada. "É difícil ter consciência de que uma relação nos fará mal, normalmente é em retrospetiva que nos apercebemos de que houve sinais que ignorámos", adianta Maria Joana Almeida. Uma relação disfuncional pode facilmente descarrilar, de tal forma que demoramos a perceber que, das palavras, o nosso parceiro passou à ação.

Embora sejam uma armadilha disfarçada de amor na qual milhões de mulheres e homens caem, as relações tóxicas não terminam necessariamente em violência doméstica. Mas as vítimas, como Leslie Morgan Steiner, a autora do livro "Crazy love", "Amor louco" em tradução literal, descrevem sinais de alerta idênticos. Entre os dois tipos de relações existe uma diferença fundamental, como sublinha.

Numa, há saída. Na outra, a luz ao fundo do túnel está tão longe que parece não haver saída. Segundo Leslie Morgan Steiner, no início, aquele que virá a ser o perpetrador da violência doméstica apresenta-se como uma pessoa charmosa, sedutora, compreensiva e dá a ilusão de que a companheira controla a relação. Os indivíduos que possuem personalidades dominantes, geralmente, relacionam-se com pessoas que sabem que conseguem submeter.

Seguidamente, sem que a vítima desconfie, começa a isolá-la dos amigos e da família. Se possível, mudando de cidade ou até de país. Depois, começa a ditar o que a mulher ou namorada deve vestir, se pode usar maquilhagem, que tipo de emprego pode ter, controlando o máximo do seu quotidiano. Introduz a ameaça de violência comprando armas brancas (que não servem para a cozinha) ou de fogo, que coloca no quarto do casal para estarem à mão.

E logo ataca, desculpando- se com o cansaço, com os nervos, com o stresse do dia a dia… Não faltam justificações! Leslie Morgan Steiner explica que "é incrivelmente perigoso deixar uma relação destas, porque o passo final no padrão da violência doméstica é matar a vítima". Os números dos analistas confirmam a teoria.

Mais de 70% dos homicídios por violência doméstica acontecem no seguimento da vítima ter terminado a relação ou fugido de casa. Ainda que não tenhamos controlo sobre quem nos apaixonamos, afirma ainda que é possível identificar os primeiros sinais de violência e intervir antes que seja tarde demais.

Como sair do estado de negação

Os relacionamentos tóxicos apresentam sintomas que funcionam como um sistema de alerta. Assim, comece por avaliar como se sente quando está com o seu companheiro e tente perceber qual é o seu papel no relacionamento. Monitorize as vezes que se mostra ciumento porque saiu com amigas, que a critica ou nomeia aspectos que gostaria de mudar em si.

É provável que esteja numa relação tóxica se o seu parceiro faz apenas o que lhe apetece sem a consultar, aproveita mais do que oferece, e raramente tem uma palavra amiga. Contudo, Telma Pinto Loureiro afirma que "a toxicidade de um elemento só se manifesta porque o outro elemento permite que assim seja".

"As pessoas que tendem a ser tóxicas nos seus relacionamentos não seriam da mesma forma se estivessem com alguém com características diferentes", refere ainda. E, de facto, um estudo liderado pelo professor Matt Johnson da Universidade de Alberta, no Canadá, demonstrou que as pessoas com baixa autoestima têm maior probabilidade de virem a estar em relações disfuncionais.

Tal como a personagem Anastasia Steele em "As cinquenta sombras de Grey". Quando as pessoas são gravemente magoadas e a sua autoconfiança é destruída ainda na juventude, normalmente, têm mais dificuldade em aceitar ou oferecer amor. Carregam consigo uma imagem negativa de si próprias, porque mudar implica sentimentos de ansiedade. Se, por acaso, se revê nesta descrição, lembre-se que o seu bem-estar e felicidade estão em primeiro lugar.

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Rodeie-se de pessoas que lhe querem bem, e peça-lhes uma opinião, em particular se está emocionalmente vulnerável. "Não escolhemos por quem nos apaixonamos. Simplesmente acontece", comenta Maria Joana Almeida.

Mudar as pessoas é difícil, mas pode repensar o seu modo de estar na relação, facilitando o convívio entre os elementos do casal. Estabeleça limites para o seu relacionamento, definindo o que é permitido e o que não é, e o que quer da relação.

O equilíbrio de um relacionamento, seja ele sexual ou amoroso, não deve depender de uma palavra usada na intimidade de um casal que separa a zona de conforto do medo pela própria vida, como nas relações sexuais sadomasoquistas. Se não há volta a dar, passe menos tempo com o seu companheiro. Procure distanciar-se emocionalmente, como aconselham muitos especialistas.

E, antes que a situação chegue a este ponto, lembre-se das sábias palavras de Eleanor Roosevelt, que uma vez disse que "ninguém pode fazer-nos sentir inferiores sem o nosso consentimento". As necessidades de um não são mais importantes do que as do outro membro do casal. Uma relação amorosa deve ser entre iguais, e os parceiros devem elevar-se mutuamente, a todos os níveis.

O problema do coração partido

As nossas relações pessoais estão directamente associadas ao risco de virmos a ter problemas cardíacos, segundo um estudo publicado no Archives of Internal Medicine. A investigação, que começou em 1985, seguiu mais de 10.000 participantes de ambos os sexos e, ao longo de 12 anos, monitorizou fatores como a depressão, a ansiedade, o stresse, a pressão arterial, os diabetes, a obesidade, os níveis de colesterol e o estilo de vida.

Os participantes tiveram de preencher questionários que avaliavam vários aspectos das suas relações pessoais mais próximas (64% das quais eram os respetivos esposos), nomeadamente se a relação lhes oferecia mais apoio emocional ou prático. No final, o estudo concluiu que quanto mais disfuncionais eram os seus relacionamentos, maior era a probabilidade de desenvolverem doenças coronárias durante a investigação.

Leituras que podem não ajudar

Há ficção que pode ser prejudicial. Ler "As cinquenta sombras de Grey" afeta o equilíbrio psicológico, defende um estudo publicado há uns anos no Journal of Women’s Health. Os investigadores descobriram que ler a trilogia de romances eróticos pode levar as mulheres com idades entre os 18 e os 24 anos, a terem comportamentos disfuncionais, como perturbações alimentares, alcoolismo e até a entrarem em relações abusivas.

Das 650 mulheres que, voluntariamente, participaram no estudo e que tinham lido os livros da famosa trilogia sadomasoquista, como muitos lhe chamam, cerca de 75% desenvolveram posteriormente perturbações alimentares e 65% revelaram mesmo aos investigadores que ficavam embriagadas mais do que seis dias por mês.

Quando comparadas com as mulheres que nunca tinham tido experiências sexuais sadomasoquistas, as participantes tinham, em média, mais 34% de probabilidade de entrarem em relações com parceiros que mostravam tendências de perseguidores e também mais 25% de probabilidade de virem a estar num relacionamento em que eram verbalmente atacadas, como sublinharam os autores do estudo. Dá que pensar!

Texto: Filipa Basílio da Silva com Luis Batista Gonçalves (edição digital)

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