Em Hollywood, as estrelas de cinema exibem com desmedido orgulho as suas proles numerosas. Brad Pitt e Angelina Jolie têm seis filhos, três biológicos e três adotados. Chris O’Donnel conta já com cinco herdeiros e Mel Gibson vai imparável no seu oitavo descendente.

 

Muitos outros famosos lhes seguem as pisadas na hora de constituir família. «Ah, mas esses podem, são célebres, bem pagos, têm empregados e, assim, não custa nada ter filhos», poderá estar a pensar. Porém, não se iluda com a ideia de que a situação financeira é o único entrave à constituição de uma família numerosa. É verdade que pesa, e muito, na decisão, mas há outros vetores a ter em conta, como a instabilidade emocional e um certo egoísmo típico das sociedades mais desenvolvidas.

 

Basta ver os diversos estudos sobre a felicidade para perceber que quase nunca o dinheiro e os bens materiais estão inteiramente associados a este sentimento, como refere Marta Gonçalves, investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-IUL. O certo é que as regiões mais pobres continuam ainda a registar altas taxas de natalidade e as mais abastadas debatem-se agora com um problema transversal às suas sociedades: o envelhecimento generalizado.

 

O fenómeno da maternidade adiada, limitando as famílias a um ou dois filhos, está a ganhar terreno e a provocar graves problemas aos países desenvolvidos. A baixa fertilidade pode trazer alguma prosperidade individual, mas põe em causa o crescimento sustentável das economias. «Convém não esquecer que ter menos filhos representa menos produção, menos riqueza, logo mais pobreza. Deveríamos ver a pobreza como uma consequência da baixa natalidade e não uma causa da mesma», afirma Marta Gonçalves.

 

O que se passa lá fora


Europa, América do Norte e até já alguns países asiáticos, tradicionalmente férteis, enfrentam há algumas décadas uma queda abrupta dos seus níveis de fertilidade. Jay Winter e Michael Teitelbaum são autores da recente obra The Global Spread of Fertility Decline – Population, Fear and Uncertainty, publicada pela Yale Univesity Press, que está a fazer despertar muitos responsáveis mundiais para o tema.

 

O livro alerta para o facto da redução da dimensão das famílias estar finalmente a provocar grandes preocupações a vários níveis, sublinhando que as políticas de incentivo ou desincentivo ao casamento, natalidade e imigração têm muita influência nas tendências demográficas.

 

A população mundial cresceu até aos cinco mil milhões no século passado, um incrível incremento de 300%, mas a não-renovação das gerações acarreta uma série de problemas de sustentabilidade, já que mais de 60% da população mundial vive atualmente em regiões de baixa natalidade. Apesar de existirem quase sete mil milhões de pessoas no mundo, os demógrafos estimam dificuldades a partir de 2050, altura em que a média de filhos por família cairá abaixo dos dois.

Na maioria dos países, a fertilidade começou a derrapar por volta da década de 1960, logo seguir ao babyboom, no período pós segunda guerra mundial.

 

Hoje, e segundo dados do Population Data Bureau, a taxa mundial de fertilidade está nos 2,8 filhos por mulher, ainda acima do valor exigido para a renovação das gerações, que é de 2,1 mas a América está nos 2 e a Europa fica-se por uma preocupante média de 1,4.

 

África é ainda o continente que mais contribui para a população mundial, com 5,1 filhos por cada mulher. Alguns países europeus adotaram políticas de incremento da natalidade, tentando, dessa forma, inverter a tendência negativa. «Temos de agir. A grande maioria dos países europeus que tomaram medidas para combater o decréscimo da natalidade viram as suas taxas de fecundidade aumentar», refere a propósito Marta Gonçalves.

 

As políticas de incentivo  à natalidade situam-se em quatros eixos fundamentais: proteção na maternidade, durante a gravidez e no período após o nascimento; licença parental, que diz respeito ao direito à ausência no emprego para cuidar dos filhos nos primeiros anos de vida; serviços de acolhimento, ou seja, cuidados fornecidos às crianças por instituições privadas ou públicas; e os benefícios recebidos, como transferências públicas feitas às famílias.

 

Segundo a investigação sobre o tema realizada pelo Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa ISCTE – IUL, constatou-se que estas políticas variam de país para país, mas, na Europa, podem ser agrupadas por semelhanças, como no caso dos países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia e Islândia), continentais (Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Andorra, Mónaco, Luxemburgo, Holanda, Suíça e Liechtenstein), anglo-americanos (Irlanda, Malta eReino Unido), mediterrânicos (como Itália, Espanha e Portugal) e pós-socialistas (como a Hungria, a Polónia e a Rússia).

 

Nos países continentais, as políticas de maternidade têm uma duração média de 15 semanas, relata Marta Gonçalves. França oferece 26 semanas a partir do terceiro filho e 34 em caso de vários nascimentos, sendo o pagamento superior a 70% do salário. No que concerne às políticas de licença parental, existem várias opções que variam entre a ausência e tempo integral ou parcial nos primeiros meses de vida do filho, período que pode ser repartido entre os pais.

 

No caso do acolhimento das crianças em creches e jardins de infância, o pagamento faz-se consoante o escalão de rendimentos e oferece horários flexíveis. Já nos benefícios monetários, o valor dos abonos varia em função do número e idade das crianças e do rendimento dos pais e, na área fiscal, as famílias com mais de três filhos são beneficiadas.

 

Imbatíveis neste tipo de apoios são os países nórdicos. Nesta zona, as políticas de família são transversais e não em função do rendimento. A política de maternidade tem uma duração média superior a 52 semanas e o pagamento é superior a 80% do salário, existindo a possibilidade de uma licença não remunerada durante um ano. Já na vertente parental, há a possibilidade de reduzir o tempo de trabalho até 25% até o filho terminar o primeiro ano de escolaridade.

 

Na Suécia, por exemplo, o abono de família é igual para todos e aumenta em valor por cada filho que nasça. Existem ainda apoios à habitação em função do número de filhos e existe uma rede de creches com resposta para todos. Na Noruega, os pais podem escolher se colocam os filhos na creche ou se ficam com eles em casa, recebendo para o efeito um subsídio. Este país, onde foi feita uma forte aposta em políticas para a estabilidade do casamento, reduzindo-se assim os divórcios, regista uma elevada percentagem de trabalhadores a tempo parcial.

O que se passa em Portugal


Em Portugal, a situação está muito longe destes modelos exemplares. Para Marta Gonçalves, as políticas seguidas têm tido «contornos suicidas».

Além da forte pressão cultural, a penalização das famílias com filhos, a vários níveis (fiscal e habitação), e o facto dos poderes públicos darem pouca atenção ao problema não tem ajudado em nada.

 

«Liberalizou-se o aborto, os métodos contracetivos tornaram-se gratuitos, há facilidades no divórcio, e até se incentiva a laqueação de trompas de mulheres com vários filhos», refere.

 

A baixa natalidade em Portugal começa a ter contornos preocupantes, com os nascimentos a cair a pique. A renovação de gerações já não se faz desde 1980 e, desde 2007, que o saldo natural de nascimentos é negativo. Em 2009, ficámos, pela primeira vez abaixo dos 100 mil, em 2012, situaram-se nos 90 mil e, para este ano, estima-se um decréscimo para os 80 mil.

 

Segundo Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), o número de famílias com mais de três filhos caiu vertiginosamente e, se nos Censos de 2001 eram ainda 250 mil, nos de 2011 apenas foram contabilizadas 150 mil. As famílias sem filhos representam 35% do total, com apenas um filho a fatia é de 37,8%, com dois filhos é de 22% e com mais de 3 filhos, consideradas já famílias numerosas, existem apenas 4,7%.


Esta responsável acredita que ainda é possível conseguir mudar o passo, concretizando algumas medidas com o objetivo de aumentar quer o número de famílias numerosas quer as famílias que decidem ter filhos. «A França desenvolveu, desde a altura de François Miterrand, fortes políticas de apoio à natalidade e conseguiu, num espaço de 10 anos reverter totalmente a tendência negativa e manter-se como o país europeu mais próximo da renovação das gerações». 

 

Há aqui um dado curioso. Em França, as primeiras famílias a responder às políticas de apoio à família, tendo mais filhos, foram precisamente as de origem portuguesa. Num estudo realizado pela associação em 2009, verificou-se que o número médio desejado de filhos era 3,1. Ora, a vontade expressa é bastante mais elevada do que a realidade.

«As razões podem ser culturais, é certo, mas estão também fortemente relacionadas com uma ausência de condições, diria mesmo uma penalização, das famílias que têm filhos a seu cargo, tanto maior quanto maior o número de filhos. Esta penalização encontra-se no mercado de trabalho, nas políticas de conciliação entre família e trabalho, no IRS e nas políticas de saúde», acrescenta.


O ideal seria seguir-se, em Portugal, um modelo transversal, que abrangesse medidas no âmbito da fiscalidade, da habitação, da saúde, na educação e na conciliação entre trabalho e família, algo que é ainda inexistente. «Não podemos falar de apoios às famílias numerosas. Existe uma majoração no abono em dobro ou triplo com o nascimento de um segundo ou terceiro filho, mas apenas concedido a famílias com baixos rendimentos, e só até aos 36 meses. A dedução no IRS para famílias com três ou mais dependentes é mais elevada, mas estamos a falar de uma diferença que não chega a dois euros por mês».

 

E as famílias numerosas exigem mais. Seguindo o exemplo dos países que obtiveram sucesso, impõem-se medidas ligadas ao abono de família, descontos nos impostos, melhores condições de habitação, escolas, creches, possibilidade de trabalho parcial e, não menos importante, um trabalho de educação da população, pois, por vezes, os casais não têm o número de filhos que desejam por uma hipervalorização de questões materialistas.

 

A APFN acredita que se o princípio do rendimento per capita for introduzido e, se houver boas práticas de conciliação de trabalho e vida familiar, já se está no bom caminho. Para Marta Gonçalves, uma boa prática a seguir deveria ser a alteração da capitação para cálculo da isenção das taxas moderadoras, comparticipar os pais para que possam escolher a sua creche, alterar a cultura de reutilização dos livros e criar uma cultura de poupança. O abono de família deveria ser universal e considerar o rendimento e os passes escolares não deveriam ter desaparecido.

Porém, a esperança não morreu. Nilza Mouzinho de Sena, deputada do PSD e professora universitária, apresentou recentemente no Parlamento uma proposta que mostra que sopram ventos de mudança. Em causa estão três diplomas destinados a aliviar a carga fiscal das famílias com maior número de filhos já em 2014, que propõem uma redução de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e que fossem considerados os elementos per capita no preenchimento da declaração de IRS, bem como a possibilidade de dedução das atividades extracurriculares.

 

«Não partilho da opinião que haja um vazio de preocupação dos responsáveis. Sabemos que este tema é relevante e temos consciência das dificuldades que levanta. Estou empenhada nesta matéria e acredito que se consiga avançar alguma coisa. Se for aprovada uma proposta que seja, já é um passo positivo», refere a deputada.

 

As propostas, que serão ainda discutidas na especialidade, prevêem uma redução de 25% no IMI para casais com mais de três filhos, 50% para mais de quatro e 75% a partir de cinco filhos e, como adianta Nilza Mouzinho de Sena, um reforço significativo no sentido de despenalizar a compra de viatura com mais de cinco lugares. «Estas viaturas são vistas como um luxo e, no caso destas famílias, são uma necessidade e, muitas vezes, só conseguem mudar de carro recorrendo a viaturas usadas», refere a propósito.

 

Texto: Helena C. Peralta com Marta Gonçalves (investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-IUL), Ana Cid Gonçalves (secretária-geral da Associação Portuguesa das Família Numerosas) e Nilza Mouzinho de Sena (professora universitária no Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas e deputada do grupo parlamentar do PSD)