No dia em que a decisão de fechar a escola do Francisco foi tomada, os pais, já antes preocupados com toda a situação vivida no país, entraram, literalmente, em pânico. “Fechado em casa? O Francisco? Como vai ser possível?”

Agarraram-se à ideia de que tinham de conseguir enfrentar o que aí vinha e decidiram criar e manter uma rotina estável. A ideia surgiu de um amigo que lhes disse para lerem o que circulava nas redes sociais - “É essencial manter a rotina”.

E a rotina entrou. Curiosamente, o Francisco aceitou muito bem. Estava entusiasmado com a novidade. Tudo o que é novo é sempre bem aceite por ele, até se tornar um hábito monótono e aborrecido, o que normalmente acontece muito mais rapidamente do que com outras crianças. Mas a aceitação inicial facilitou. Ainda que lentas, as rotinas da manhã deixaram de ser apressadas pela necessidade de sair, não apanhar trânsito, deixar a irmã mais velha a horas. E assim a zanga dos pais também esmoreceu.

“O Francisco até que cumpre as rotinas agora. Está muito mais responsável.”

A Professora envia alguns trabalhos por mail. Vêm em formato escrito e com pouco texto para que todos percebam o que devem fazer. São tarefas que podem ser feitas em tempos curtos. Que podem ser feitas de forma intercalada com outras. O Francisco está satisfeito. Até consegue fazer bem. De pé, na sua secretária, saltitando enquanto escreve. Vai dando resposta. As frases podem ser escritas com a cadeira a rodopiar e não está lá o Afonso para se queixar à professora.

“O Francisco está muito melhor. Consegue fazer os trabalhos da escola”. E os pais estão surpreendidos e elogiam o Francisco porque nessa semana foi o primeiro a enviar os trabalhos à Professora.

Ainda é difícil fazê-lo ir para o banho. A guerra para deixar a Playstation, desligar o cabo, deixar as batalhas suspensas e os amigos do lado de lá, é difícil de superar. Mas na verdade, se não tiver esses momentos, quando é que está com os amigos? Como é que liberta a energia que o caracteriza? Castigá-lo e impedir o acesso a um espaço que o liga aos outros? Não parece justo, pensa o pai. E também aqui parece mais fácil porque a rigidez cede face ao contexto de privação que todos vivemos. E o Francisco está bem melhor… tem feito os trabalhos da escola sem refilar…

O próprio Francisco sinaliza a diferença - “Estou muito mais atento”. A sério, como assim? “Já consigo ouvir o que a professora diz sem me distrair”. Certo! As aulas têm 30 minutos. A ideia é deixar bem claro o que é para fazer e estudar. É preciso ter a certeza que o Francisco, que é um cabeça na lua, percebeu do lado de lá do ecrã. E a professora dirige-se a ele. Numa distância bem mais próxima, o habitual “podes ficar sossegado?” transforma-se num “Francisco escreveste o que pedi para fazer?” Sim, o Francisco escreveu.

E os pais continuam a surpreender-se. Ou a duvidar das queixas dos professores, por vezes. Mesmo quando começaram as aulas síncronas. Duas disciplinas em cada dia. O tempo de aula, gerido com a ajuda de muitas janelas abertas, de visionamento de vídeos em simultâneo, de pesquisas sobre temas interessantes, passa rápido.

Depois as tarefas a fazer podem ser partilhadas no grupo da turma e o Francisco acaba por acompanhar. Os pais até acham que o melhor é não dar a medicação. “Para quê se ele está a cumprir, sentado em frente ao ecrã durante toda a manhã?”

A cada “intervalo” vai jogar à bola. Como vive num andar, os pais transformaram o corredor num campo de futebol e tem permissão para jogar com uma bola de esponja. Agora joga sem que ninguém o empurre, não se zanga com os colegas por não lhe passarem a bola e o mandarem sempre para a baliza. Decide ele e tudo é bem melhor.

Não há trânsito para os treinos e os pais não pressionam com “arruma o teu saco a tempo para não te esqueceres de nada”, “vê lá não te esqueças do passe e do cartão para entrares na escola”. Na verdade, o equipamento está sempre no mesmo sítio. É só ir buscar e pôr para lavar.

Este é um exemplo do comportamento que uma criança com PHDA pode estar a viver durante a telescola. Os fatores de proteção que referenciámos neste exemplo são a existência de uma rotina estável, a duração curta das aulas online, a possibilidade de se poder mexer sem perturbar a aula, a maior frequência dos intervalos, as tarefas escolares em formato escrito e curto, as instruções claras e objetivas, a diversidade da natureza das tarefas e a não existência de desafios ao nível sócio emocional com os pares.

As características da PHDA não desapareceram, estão mais contidas e a criança e/ou adolescente estão mais protegidos pelas alterações dos contextos, quer da dinâmica familiar quer do ensino. Na verdade, acontece agora naturalmente o que muitas vezes é sugerido como estratégia de intervenção.

Não obstante, continuam a existir fatores de risco para que o funcionamento das crianças e adolescentes com PHDA não se mantenha num nível adequado. A progressiva desorganização e monotonia da rotina, o aumento da exigência da escola, a tendência a poder adiar tarefas por dificuldades na gestão do tempo, e consequentemente, a acumulação das mesmas são evoluções naturais.

Com o aumento do tempo de aulas síncronas e mais tarefas para gerir, e prazos dilatados por necessidade, terá que existir um maior esforço por parte dos pais para ajudar nesta gestão, e além de uma articulação ativa com a escola. Nesse sentido sugerimos:

Aos Pais:

Criar e ou manter uma rotina e horários diários explícitos e visíveis: quando deve fazer os trabalhos da escola, brincar e realizar outras tarefas; Usar cores ou símbolos para salientar coisas importantes; utilizar um planificador onde seja possível ver a semana inteira;

Auxiliar na organização das tarefas através de post-its, quadros, planos; sinalizadores do tempo e organização de um espaço físico para as tarefas da escola, com limite de estímulos distratores;

Permitir e incentivar a pequenas pausas e intervalos para evitar frustrações e permitir movimento;

Aos Professores:

Interagir diretamente com os vossos Franciscos; reforçar ideias de forma visual e permitir tempo para o seu registo.

A todos:

Reforçar e elogiar sempre que o trabalho esteja terminado.

Autoria: Ana Rodrigues (Técnica Superior de Educação Especial), da Marta Duarte (Psicóloga Clínica) e da Rita Ávila (Técnica Superior de Reabilitação Psicomotora)