Ainda que seja um crime que se encontra presente desde os primórdios da história da humanidade, o homicídio de uma criança é aquele que, não raras vezes, provoca as manifestações públicas de horror mais intensas, pela violação do princípio de que dos pais se espera amor, cuidado e proteção incondicional para com os filhos. Contudo, a parentalidade não deveria ser para todos.
O choque associado a estes crimes é também derivado dos métodos a que os pais tendem a recorrer para provocar a morte dos filhos, como é exemplo o afogamento, o estrangulamento, o esfaqueamento e a exposição a condições extremas (por exemplo, queimaduras provocadas pelo calor e situações de hipotermia causadas pelo frio). À medida que aumenta a idade da criança, também o grau de violência associado ao crime é acentuado, destacando-se o recurso a armas, a atos de violência física extremos e ao envenenamento.
Mais concretamente, por filicídio entende-se o ato intencional de um ou ambos os progenitores (mãe e pai) matarem um ou vários descendentes. Ainda que possa acontecer com filhos adultos, as vítimas tendem a ser crianças. Neste sentido, o que leva um ser humano a matar de forma intencional e premeditada o próprio filho e o que acarreta para o luto dos demais familiares?
Em alguns casos, sobressai o desejo de vingança como motivação para este ato violento. A morte da criança surge como uma forma de retaliação contra o cônjuge, possivelmente na sequência de uma infidelidade ou abandono.
Outros casos surgem associados a uma aparente e distorcida motivação de altruísmo e amor pela criança. Ou seja, o progenitor mata achando que o faz pelo melhor interesse da criança, sendo a morte a única estratégia para salvar o filho de “um mal maior”. Por exemplo, o caso de crianças com deficiências físicas e/ou mentais, em que um dos progenitores acredita que a morte irá terminar com o sofrimento da mesma.
Aparecem também situações em que o progenitor que mata o descendente apresenta uma perturbação mental, como a depressão pós-parto, ou psicose (perturbação em que existe um corte com a realidade). Por exemplo, uma mãe diagnosticada com esquizofrenia afirmar que foi o Diabo que ordenou que matasse a própria filha ou, em casos de depressão, a mãe tomar a decisão de terminar com a sua própria vida e considerar que o mundo é demasiado perigoso, injusto e cruel para deixar o filho para trás.
Outra classificação possível remete para o filicídio de criança não desejada, cuja atuação se deve ao percecionar da criança como um embaraço, podendo estar relacionado com a ilegitimidade ou incerteza quanto à paternidade. Nestes moldes, surge a designação de “infanticídio” (morte de uma criança com menos de um ano) ou “neonaticídio” (quando a vítima morre nas primeiras 24 horas de vida).
Naturalmente que o ato de terminar com a vida do próprio filho pode ser motivado por vários fatores e não apenas por um motivo único. Pode ainda acontecer num contexto de violência, mas de forma acidental. Tome-se como exemplo uma história de maus-tratos constantes (por exemplo, negligência da higiene, da alimentação e saúde no geral) ou um episódio de abusos físicos ou sexuais que acabam por ser fatais e terminam na morte da criança.
Nos casos de filicídios motivados por supostos atos de altruísmo, bem como em alguns casos de doença mental, os progenitores que cometeram o crime recorrem, não raras vezes, à decisão de recorrer ao suicídio.
Os processos de luto dos progenitores que não cometeram o crime, principalmente nos casos em que o homicídio da criança é motivado por questões de vingança, são de elevado risco de patologia, como depressão, ansiedade e perturbação do stress pós-traumático. Frequentemente, são processos em que predominam sentimentos de culpa, raiva, impotência e revolta (“será que eu poderia ter evitado a morte?”), totalmente impeditivos do mínimo bem-estar e da integração da perda na identidade e história de vida.
Estes são considerados lutos traumáticos pela natureza inesperada e violenta da perda, assim como pelo elevado risco de serem desenvolvidas imagens emocionalmente dolorosas para as pessoas que têm contacto com o local do crime (por exemplo, sangue, fragmentos do corpo ou pertences da pessoa). Para as pessoas que não têm este contacto, existe um risco igualmente elevado de serem desenvolvidas imagens de carga negativa baseadas naquilo que as pessoas imaginam que foram os últimos momentos de vida da pessoa perdida.
Acresce ainda o risco de não existir um momento de despedida da pessoa perdida, o que aumenta os desafios, por si só, difíceis do processo de aprender a viver na ausência de alguém que foi roubada de forma tão violenta e desumana.
Contudo, não está sozinho(a) e são conhecidas as vantagens da consulta de apoio ao luto nestes cenários. Recorra a ajuda psicológica especializada para gerir uma das experiências mais traumáticas e dolorosas da sua vida, a perda de um filho, neto, sobrinho, aluno...
As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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