Na segunda-feira passei literalmente a noite em branco. Preocupada com um projeto profissional que está quase a sugar toda a minha energia, aproveitei a madrugada para dar voltas nos lençóis, acreditando que a dedicação ao tema me faria chegar ao momento eureka. Não cheguei lá e não ganhei mais que um cansaço e uma dor de cabeça gigantes que, no decorrer do dia seguinte, ainda me dificultaram mais o processo produtivo.

Trabalhei horas a fio, dividindo-me entre o computador, a cafeína que não me faz qualquer efeito e a auto punição que me infligi ao longo do dia, regressando a casa tal e qual como se fosse a mais decadente cambaleante na estrada das mágoas profissionais. Mas, como qualquer outra mãe, vesti então o meu papel de progenitora responsável e procurei a força e a coragem que me permitiriam enfrentar os desafios que se aproximavam: os banhos, os jantares, as brincadeiras, as birras.

À hora de decretar o momento de sono sub-15, os mais novos perguntaram se podiam dormir comigo.

[E, agora, faça-se uma pausa cinematográfica para contextualizar: dormir na mesma cama que estes dois meninos pode equiparar-se a um estado de tortura absoluta, em que os pequenos pés me pontapeiam as zonas mais agrestes e os braços se esmeram em impulsos inexplicáveis que inclusivamente já me puseram uma narina a sangrar. Trata-se, conforme se poderá imaginar, de um processo de co-sleeping particular: eles dormem, efetivamente. Já eu, passo a noite armada em Lara Croft, procurando evitar os esgares violentos que quase prometem vazar-me uma vista.]

Tudo isto para dizer que expliquei às crianças o meu cansaço e a necessidade de ter uma noite tranquila, prometendo que ainda esta semana teria o enorme prazer (!) de dormir com eles. Os miúdos deitaram-se nas suas camas e eu arrastei-me até ao computador, apenas para despachar os últimos emails antes de o desligar.

Com os olhos pesados de uma direta para que já não tenho idade, vim até ao meu quarto, vesti o pijama e estava a preparar-me para me entregar ao maravilhoso conforto dos meus lençóis quando senti um braço a tocar-me. Confesso que o cansaço tem um efeito estupidificante em mim - o que fez com que eu tenha imaginado que um ladrão oportunista tivesse invadido a minha casa. Claro que, no caso, esqueci-me de processar que o teria feito não com o intuito de levar quaisquer pertences, mas antes de me aquecer o colchão em que eu ia dormir.

Gritos. Meus. Que apenas foram interrompidos quando um dos meus filhos tirou a cabeça debaixo dos lençóis e me fixou com uma admiração profunda.

Deu-se então uma nova espertina que apenas cedeu quando o relógio indicava faltar precisamente meia hora para mais um dia começar.

Há 15 anos, duas diretas seguidas significavam noites loucas que, ainda assim, me permitiam fazer os meus dias com total frescura e tranquilidade. Hoje, com quatro filhos e com o cartão do cidadão a lembrar-me constantemente das “tantas” décadas acumuladas, duas diretas fazem de mim a mais copiosa criatura ao cimo da terra.

Por isso, da próxima vez que alguém me ouvir dizer (como tantas vezes repito) que isto de se ter 40 anos é simplesmente maravilhoso, façam o favor de me pôr um espelho à frente. Sobretudo se eu não tiver maquilhagem.

Alda Benamor