Era com grande expectativa que mais de 5 milhões de jogadores de todo o mundo aguardavam o desenrolar daquele que tem sido o maior fenómeno do mundo dos videojogos nos últimos dois anos. Estava agendada para a tarde de domingo, dia 13 de outubro, um evento especial no mundo de Fortnite.

Até à data, desde o lançamento do jogo, já tinham existido dez eventos especiais, cada um deles criando um forte impacto e alteração na forma como o jogo era jogado, ora por alterações no mapa, ora por alterações nos próprios jogadores e armas.

O que os fãs não estavam à espera foi o que aconteceu nessa tarde. Diante do olhar de vários jogadores que estavam online durante esse momento, o mundo inteiro de Fortnite foi engolido por um buraco negro, deixando quem estava a jogar numa suspensão cósmica sem desenlace, e para aquelas que não estavam online nesse momento, a impossibilidade de regressarem ao seu jogo de eleição.

Durante várias horas não foram dadas explicações e as reações dos jogadores, crianças, jovens e adultos, foram sendo partilhadas através das redes sociais.

Vários foram aqueles que reagiram com choro e desespero, outros cuja noite foi passada com uma enorme insónia e preocupação e, no dia seguinte, um dia normal de aulas e trabalho, vários não se conseguiram concentrar nas suas tarefas, na expectativa de que alguma explicação fosse apresentada.

Foi necessário esperar dois dias para que a resposta chegasse

Um mundo inteiramente novo, com um novo mapa, cheio de novos locais por explorar, novos modos de jogo, novas personagens, novos movimentos e novas armas. O desespero deu espaço à esperança e os jogadores já puderam respirar de alívio. As lágrimas cessaram, os suspiros terminaram, a concentração voltou e a vida retoma a normalidade.

Para além de tudo isto, no começo deste segundo capítulo na história de Fortnite, parece também existir um “bónus” visto que os jogadores estão a conseguir facilmente primeiras vitórias (entenda-se, ser o último sobrevivente) derivado da estratégia dos desenvolvedores de jogo acrescentarem jogadores de inteligência artificial (“bots”), tornando mais fácil ser o último sobrevivente na grande batalha real.

O fenómeno não é novo

Reações intensas já tinham sido manifestadas em eventos dos media que interferiram com as emoções de muitos, como a aterragem na lua, a dissolução dos Beatles a 10 de abril de 1970, entre outros fenómenos. Estes eventos mediáticos, de fenómenos partilhados por vários espectadores, têm acompanhado a história dos media ao longo dos anos.

Porém, parece ser um marco histórico no mundo dos videojogos: dificilmente se consegue encontrar ao longo da história um momento que um videojogo teve um impacto como este. Esta manifestação é uma clara demonstração de como os videojogos se instalaram no nosso quotidiano e desempenham um papel muito significativo na cultura atual.

Em formações dadas um pouco por todo o país, é frequente ouvir pais a falarem sobre o Fortnite, sobre o quanto absorvente é para os seus filhos este videojogo e as horas que são despendidas a jogá-lo. Porém, é frequente existirem mais pais que desconhecem o tipo de jogo que é e todas as suas especificidades, do que aqueles que verdadeiramente o conhecem e entendem o real significado na vida dos seus filhos.

Para os primeiros, as fortes reações emocionais são surpreendentes e difíceis de aceitar; para os segundos, a compreensão dá imediatamente espaço para a aplicação de estratégias de regulação e tranquilização de todas as emoções manifestadas ao longo de dois dias.

Torna-se impossível evitar a constatação deste fenómeno. Vários videojogos são vividos por aqueles que os jogam com um enorme envolvimento e emoção, tornando-se uma parte significativa das suas vidas. Estas experiências interativas transportam em si um enorme potencial para se aprender e evoluir, até do ponto de vista emocional. Porém, para as famílias que não estão inteiramente a par deste fenómeno e que se mantém “à parte” do seu impacto, a surpresa e o choque impossibilita-os de desencadearem estratégias que verdadeiramente vão ao encontro das necessidades dos seus filhos.

É preciso ver para crer, saber para aprender. O envolvimento dos pais nas experiências com videojogos dos seus filhos assume, mais do que nunca, um papel relevante no quotidiano, visto esta se ter tornado uma experiência de brincar transversal a vários meios e faixas etárias.

Torna-se difícil perceber até que ponto uma forte reação emocional a um determinado videojogo é um fenómeno normativo ou reveladora de uma perturbação. Havendo já critérios definidos pela Organização Mundial de Saúde e pela Associação Americana de Psicologia em termos do que é uma Perturbação dos Videojogos, é fundamental que as famílias estejam cientes de quais são os sinais de alerta a que devem estar atentos para conseguirem perceber se o fenómeno já extrapolou o domínio da normalidade e se transformou em patologia.

Existem 9 sinais a que os educadores devem estar atentos:

1) tornar-se um interesse exclusivo e obsessivo;
2) reagir com extrema tristeza ou raiva quando são retirados da experiência de jogo;
3) necessitarem de cada vez mais tempo de jogo para se sentirem satisfeitos;
4) demonstrar incapacidade para reduzir tempo de jogo ou parar;
5) perder interesse por outras atividades que anteriormente gostava;
6) continuar a jogar, apesar de todos os danos causados em redor;
7) mentir sobre a quantidade de tempo que esteve a jogar (incluindo jogar às escondidas);
8) utilizar o videojogo como fuga a emoções difíceis de lidar no dia-a-dia;
9) provocar conflito ou corte com relações importantes (família, amigo, escola).

O segundo capítulo do Fortnite já começou, trazendo os milhões de jogadores de volta à ação. Se continuará a ser um sucesso como até agora fica por se saber, sendo necessário acompanhar de perto o desenvolvimento do fenómeno.

Compreender este mundo e o que se sente em relação a ele deve ser um foco das famílias para mais e melhor compreenderem os gostos e interesses dos seus filhos.

Texto: João Faria, psicólogo clínico, PIN