Um casamento de sonho, dois filhos perfeitos, uma casa e emprego. Quem pode desejar mais? O sonho de uma vida a dois estava a realizar-se e era tudo o que desejávamos e mais. Mas o desejo de mais um filho apanhou-nos de assalto. Diz o povo: “Em equipa que ganha não se mexe”, mas povo diz muita coisa… e nós queríamos mexer!

- “É menino ou menina? O que é preciso é que venha com saúde!”

Perdi a conta às vezes que me disseram isto quando estava grávida… Provocava-me sempre, porque a saúde podia mesmo faltar. Falta a tantas crianças, não se pode mesmo dar como adquirida. E no meu caso, portadora de uma doença genética rara, a falta de saúde ainda era mais provável.

Nesse momento, pus a mão na barriga, para me voltar a dar conta de que ali estava alguém que era, para mim, ainda um mistério. Se alguma coisa era certa, era que o bebé que ia nascer, seria diferente do imaginado… seria real.

Já nasceu!

O embate com a realidade aconteceu em outubro, quando o bebé nasceu. Chegou o Pedro,  como o chamámos e chegou a doença. Deram-lhe também um nome, era crónica e era clinicamente complexa.

- Não tem cura

- É para sempre

- Precisa de oxigénio

- Tem que ser ventilado

- Tem que ser internado

- Precisa de cuidados paliativos

Aos poucos, começámos a acreditar que é verdade que “saúdinha é que é preciso". Numa realidade assim, como se pode ser feliz? Mas ainda era a felicidade que desejávamos para os nossos outros dois filhos, para nós e mesmo para aquele bebé que teimava em ser doente.

Dores de crescimento

Naquela realidade, fomos todos crescendo num trabalho de parto que não ficou pelo nascimento.

Cresceu ele, crescemos nós, cresceram os seus irmãos, nasceu a sua irmã.

Estreitaram-se laços entre nós, que não éramos nós que atávamos. Nasceram relações noutros âmbitos, que eram novas, imprevisíveis, até impossíveis, mas muito bem vindas. A nossa família saiu de casa, e chamou casa a outros lugares.

Pode um hospital ser uma casa? O nosso passou a ser, e a equipa passou a ser família.

E aquele bebé, que não era o que tínhamos imaginado, começou a ser mais agradável aos nossos olhos.  Ainda não anda, não fala, respira mal, mas é feliz e faz-nos felizes. Tudo o que faz é uma conquista e uma celebração, partilhada em família.

O Futuro não se ‘mede aos palmos’

Ver uma criança nascer e crescer é espetacular! E eu que já tinha dois filhos saudáveis, desvalorizava-o como se não fosse um autêntico milagre. Como é que nos acontece desvalorizar este milagre? O facto de vir descrito mês a mês nos livros de desenvolvimento, pode ser uma razão: é normal, logo não é milagre.

Mas o desenvolvimento do Pedro não é normal e não vem certamente descrito nos livros. É uma descoberta todos os dias. Como devia ser com todos os nossos filhos. No Pedro tudo acontece lentamente. Tão lentamente quanto a nossa capacidade de o apreender. Sendo assim, lento, deu-nos a oportunidade de entrar mais a fundo no mistério de que somos todos feitos.

Do medo que senti naquele nascimento de outubro, já não há vestígios. Foi conquistado pela realidade que venceu a imaginação. Pelo sorriso que ele esboça quando ouve a minha voz. Pela tranquilidade que o adormece quando o sento ao meu colo.

O Futuro não se mede e não se imagina. O futuro é, como diz o povo, o que Deus quiser. E a saúdinha, essa afinal, não é tudo o que é preciso.

O que é mesmo preciso é este amor que vemos crescer entre nós, todos tão diferentes mas unidos nas preocupações e nas alegrias de fazer sorrir. O sorriso do Pedro nasce com o sol, logo de manhã, e é para nós bitola para cada dia. Na relação com as pessoas que encontramos e com aquilo que acontece.

Veio substituir as queixas e os incómodos, e fez-nos agradecidos e atentos. Agradecidos ao que temos e atentos ao que podemos dar. Dar de nós nunca é pedir muito. Isto é família.