“Considera-se improvável que os números reais de abuso infantil tenham diminuído, uma vez que investigação existente mostra que o fenómeno aumenta durante emergências de saúde pública”, refere-se no relatório global sobre prevenção da violência sobre crianças, da responsabilidade de várias agências da ONU, incluindo a Organização Mundial de Saúde, a Unicef e a Unesco.
Baseando-se no que os meios de comunicação mundiais foram relatando, há sinais contraditórios: pelo menos na China, França, Índia e África do Sul, o confinamento devido à covid-19 “coincidiu com aumentos substanciais” nas chamadas para as linhas de apoio dedicadas à violência infantil.
Contudo, em países como as Filipinas e os Estados Unidos da América, houve “descidas no número de casos de abuso infantil comunicados aos serviços de proteção”, o que os peritos atribuem à falta de contacto das crianças com professores, assistentes sociais, enfermeiras ou médicos, os profissionais que em circunstâncias normais reconheceriam e denunciariam situações suspeitas.
Além disso, aumentaram os perigos a que as crianças estão sujeitas ‘online’, incluindo “exploração sexual e ‘ciberassédio’ que resulta do aumento do uso da Internet por crianças”.
“Com adultos e crianças postos de quarentena durante semanas para prevenir a expansão da covid-19 – e em alguns casos com as próprias pessoas que as magoam – é possivelmente a pior situação imaginável para a violência familiar”, assinalam.
Estima-se que a pandemia tenha sujeitado ao confinamento 1,5 mil milhões de crianças, sujeitas a níveis aumentados de ‘stress’ e ansiedade, tal como os pais, que ficaram sem muitos dos recursos em que se podiam apoiar para ajudar a cuidar dos filhos, como amigos, família alargada ou profissionais.
Na altura da conclusão do relatório, em maio, as agências afirmavam que era “demasiado cedo para saber como o fim do confinamento e a reabertura das sociedades pode ter impacto na violência interpessoal”, apontando que “a devastação económica pode levar anos a ser ultrapassada”:
O regresso ao trabalho e a reabertura de escolas pode aliviar a carga de ‘stress’ sobre os pais, cuidadores e crianças e “assim reduzir o risco de as crianças sofrerem ou testemunharem violência doméstica”.
“Contudo, o desemprego e a insegurança financeira das famílias pode continuar e o acesso à proteção social pode, em muitos contextos, diminuir, significando que, embora os números da violência infantil possam descer, deverão permanecer a um nível superior ao que se verificava antes da covid-19”, refere-se no relatório.
As agências salientam que é preciso apostar em investigação rigorosa sobre como a violência sobre crianças evoluiu nos últimos meses, “uma face escondida” da covid-19 cuja prevenção deverá ser “uma prioridade à medida que o mundo avança para uma realidade pós-pandemia.
“Durante a pandemia e durante o encerramento das escolas, vimos um aumento na violência e no ódio manifestado ‘online’, incluindo o ‘bullying’. Agora, à medida que as escolas reabrem, as crianças expressam medo de voltar”, afirmou a diretora geral da Unesco, Audrey Azoulay.
“É nossa responsabilidade coletiva garantir que as escolas são ambientes seguros para todas as crianças. Precisamos de pensar e agir coletivamente para acabar com a violência nas escolas e na sociedade em geral”, defendeu.
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