Os dados do inquérito revelam que 93,3% dos jovens têm acesso a ecrãs durante a noite no quarto e 54,9% costumam utilizar diariamente a tecnologia imediatamente antes de dormir ou até adormecer, o que, segundo a psicóloga e investigadora do Instituto Universitário (Ispa) Ivone Patrão tem impacto na “higiene do sono” e na concentração e atenção no dia ou nos dias seguintes durante as aulas.
O uso da Internet também afeta a alimentação, com 73,8% dos jovens a admitirem fazer refeições ou ‘snacks’ enquanto estão no computador ou no telemóvel, sendo que os alimentos mais consumidos são doces (54,9%), laticínios (33,4%) e salgados (37,8%), refere o estudo, salientando ainda que 54,7% dizem não praticar atividade física.
A coordenadora do projeto Geração Cordão, Ivone Patrão, que realizou o estudo em parceria com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, diz que estes dados são sinais preocupantes e alerta para os efeitos adversos que estas situações podem ter a médio e longo prazo.
A partir dos dados, os investigadores fizeram “um perfil de risco” que enumera as características associadas aos jovens com dependência ‘online’ severa, com um impacto negativo para a sua saúde física e mental, disse à Lusa a coordenadora do estudo, que decorreu durante o ano de 2020 e visou avaliar o impacto do uso da internet na saúde mental, numa amostra de 344 jovens portugueses entre os 12 e os 30 anos, com uma média de idades de 21 anos.
O perfil do utilizador com dependência ‘online’ severa tem entre os 16 e os 21 anos, é homem, com frequência do secundário, começou no mundo ‘online’ aos oito anos, não pratica exercício físico, tem um rendimento escolar mais baixo, não namora, está mais de seis horas diárias na internet, envia e recebe dados íntimos (sexting), joga online e é vítima ou agressor (cyberbullying).
A investigadora salientou que são jovens em que as suas 24 horas do dia estão muito entregues ao mundo ‘online’, não havendo um equilíbrio com o mundo ‘offline’ em termos de atividades.
No caso da alimentação, exemplificou, privam-se de estar nas refeições com a família para estarem entregues à tecnologia.
“Estas três áreas, a alimentação, o sono e o exercício físico, que são tão importantes para a nossa saúde, são áreas em que deveremos apostar junto dos jovens nas atividades ‘offline’ para promover um melhor bem-estar nestes jovens”, defendeu.
Quase 47% dos jovens admitem utilizar o telemóvel mais de 31 vezes ao dia, a maioria para estar nas redes sociais, principalmente no Instagram (92,7%), seguido do Tik Tok (51,2%) e do Facebook (46,6%).
“O mundo ‘online’ tem muitos aliciamentos, muito entretenimento, tem muito que se pode fazer e pesquisar à distância de um clique, e tem um grande cariz de socialização” ao estarem a jogar com outros utilizadores. Contudo, 41,3% dos jovens disse que já teve pelo menos um episódio de desconforto ‘online’ e uma grande percentagem diz que não partilhou esta situação com ninguém.
Dois terços dos inquiridos admitiram que alguém os tratou de maneira ofensiva ou desagradável (ciberbullying), 82,8% disseram ter falado com alguém que não conheciam pessoalmente e 59,8% referem ter tendência para estar ‘online’ quando têm problemas emocionais.
Segundo a psicóloga, o que se verificou neste contexto de socialização é que os jovens não estão a desenvolver uma forma de estar ‘online’ “respeitadora de regras sociais” como existem no mundo presencial.
“Percebemos que quem pratica este tipo de socialização e comportamento ‘online’ acaba por ter alterações no seu estado de humor, mais baixa empatia pelo que o outro sente, pelo que o outro necessita”, sublinhou.
Por outro lado, a perceção que os jovens têm da supervisão dos pais é que não estão a impor regras rígidas relativamente ao uso da internet e que as regras são feitas por eles, um dado que Ivone Patrão disse constituir “um alerta importante para os pais”.
“Para jogarmos um jogo de futebol precisamos de balizas e aqui também precisamos de balizas. Precisamos de regras bem definidas relativamente ao sono, às horas das refeições, aos conteúdos, aos tempos online”, defendeu, frisando que “não há uma regra uniforme para todos”.
A investigadora ressalvou que não pretendem “diabolizar a tecnologia nem a internet”, defendendo que “o caminho deve ser a introdução das tecnologias cedo, mas com muita sensibilização junto de pais e professores para os tempos de tecnologia e os conteúdos adequados à idade”.
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