Sara Serrão tem 43 anos e depois de ter lido um artigo na versão online do jornal Expresso intitulado “Mulheres que têm filhos depois dos 40”, sentiu que devia partilhar a sua história, que não tinha tido um final feliz como o caso de sucesso do casal relatado no referido artigo.
“O artigo do Expresso, que deu depois origem ao meu depoimento, era sobretudo sobre a maternidade depois dos 40, a procriação medicamente assistida, as dificuldades associadas à idade, e um caso de sucesso. O artigo tocou-me por várias razões e escrevi à jornalista a dizer que me tinha feito pensar muito mas que, como sempre, e apesar das estatísticas apontarem para taxas de sucesso bastante baixas depois dos 40, só dava voz a um caso de sucesso e a nenhum de insucesso. Ou seja, a pequena percentagem que tem um final feliz tem todo o destaque, e a maioria que fica a lidar com o vazio é absolutamente invisível na nossa sociedade. Desses não reza a história”, explica.
Passados uns dias, a jornalista contactou Sara a dar-lhe razão e sugeriu que escrevesse um testemunho na primeira pessoa. E assim foi. “Antes de prestar o depoimento ao Expresso estava nervosa e com um nó no estômago por me expôr, mas também achei importante ajudar a quebrar um silêncio pesado que não ajuda ninguém”, conta.
Sara partilhou nesse testemunho (acesso pago) que tentou ser mãe e não conseguiu. Fez três tratamentos de procriação medicamente assistida. Investiu não só tempo e dinheiro, como emoções. Recorreu a uma clínica privada, porque no sistema nacional de saúde há listas de espera de um a dois anos, e não queria perder mais tempo. Após várias tentativas falhadas, Sara foi confrontada com uma opção: a doação de ovócitos de outra mulher. E foi aqui que parou para pensar. "Não queria ser mãe a qualquer preço".
“O carrossel emocional em que me vi enquanto fiz os tratamentos, deixaram-me muito em baixo também em termos de saúde. Por outro lado, desde há muitos anos que este tema começou a preocupar-me e a vida pode ficar como que refém disto, em suspenso. Por fim, eu tenho 43 anos e o meu marido tem 56, por isso a idade e a nossa longevidade (que não se pode prever) também pesam nesta minha afirmação”, acrescenta.
Também ponderou ser mãe de forma independente, mas hoje reconhece que ainda bem que não optou por esse caminho e explica porquê: “Acho importante o contributo de mãe e pai na formação de uma pessoa e ainda hoje me vou conhecendo através da maneira de ser da minha mãe e do meu pai. Uma pessoa conhecer-se bem também ajuda a enfrentar dificuldades e a conhecer as próprias limitações. Não digo que quem cresce sem mãe ou sem pai não possa crescer bem, saudável e feliz, mas às tantas senti que estava a pensar mais em mim do que numa criança que viesse ao mundo sem pai. Mas não julgo quem opte por esse caminho, compreendo perfeitamente”.
No meio de todo este processo de tentar ser mãe, Sara teve o apoio do marido e da família, em especial da mãe. "Eu e o meu marido demorámos bastante tempo a acertar agulhas quanto ao tema “filhos”, uma vez que ele já tinha quatro. No entanto, a partir do momento em que nos entendemos sobre o assunto, ele apoiou-me e continua a apoiar-me muito. A minha mãe é minha eterna aliada e ampara-me sempre. E o meu pai, à sua maneira. Algumas amigas também me ajudaram muito só por poder falar abertamente do assunto”, assume.
E críticas? “Não houve ninguém que me criticasse. O meu maior desafio é mesmo dentro de mim, gerir o melhor possível as emoções associadas ao facto de querer ter filhos e não conseguir. Tenho mesmo que ser a minha melhor amiga”, afirma Sara.
No entanto, na sociedade em geral, o sentimento é um pouco diferente. Sara sente que “as mulheres sem filhos são menos relevantes, menos tidas em conta, menos valorizadas. Sinto que não existe uma consciência social de que a maternidade e paternidade não são um dado adquirido para toda a gente”.
No fundo, Sara tinha um plano de vida que saiu completamente ao contrário: “Nunca fui de imaginar ter dois, três ou quatro filhos, mas sabia que não queria ter só um porque sou filha única do lado da minha mãe e não adorei. Acho que é um desperdício não ter tido filhos, acho que teria sido boa mãe”.
Muitas vezes, perguntam-lhe porque não opta pela adoção. Quanto a isso, Sara sabe bem como responder: “Quando era solteira cheguei a fazer formação na Santa Casa da Misericórdia para adoção singular, mas depois felizmente encontrei o meu marido e, por várias razões, essa possibilidade não se coloca no atual enquadramento da minha vida. Aliás há sempre umas frases chave que surgem associadas aos problemas de infertilidade, como por exemplo, “porque não adotas?”. Enfim, não se enquadra na minha situação. A pessoa está sempre acompanhada das suas circunstâncias. É assim”.
O grupo de apoio vai mesmo acontecer
O depoimento de Sara ao jornal Expresso tinha, também um outro objetivo. “Para além de quebrar um tabu, a ideia seria tentar gerar um movimento de pessoas que passam pelo mesmo processo sem sucesso num grupo informal de ajuda/apoio, por exemplo, um grupo fechado de Facebook. Não sabia o impacto disto mas sabia que não sou exemplar único, porque acompanho online grupos de apoio no Reino Unido e EUA, e mais recentemente um espanhol mais pequenino”.
Depois do depoimento ao Expresso, o tema “não ser mãe” foi também abordado no programa da Antena 1 “O Amor É”, por Inês Menezes e Júlio Machado Vaz. Na sequência disso, “fui contactada via Facebook por três pessoas e vamos ficar em contacto num grupo online, a constituir um num futuro próximo, disponível para que outras pessoas possam entrar se sentirem necessidade”.
Sara acrescenta ainda que “existem muitas pessoas por esse mundo fora que quiseram (ou não quiseram) mas não conseguiram ter filhos, por razões de saúde, insucesso consecutivo nos tratamentos, falta de recursos financeiros para os fazer, ou circunstâncias sociais (não encontrar um parceiro estável), e que sentem um grande alívio ao encontrarem um grupo de apoio inter pares, onde se podem expor com segurança e ver que não são “extraterrestres”! Lá está, como não se fala, a pessoa que passa por isto, sozinha e em silêncio, sente-se deslocada e incompreendida. Se há grupos e associações de pessoas e empresas com os mais variados interesses comuns, inclusive grupos de mães e pais, porque é que não há-de haver grupos de não-pais, que se apoiem entre si ou até que debatam dificuldades e vantagens inerentes à situação?”.
Filipa Santos, Psicóloga Clínica da clínica de fertilidade IVI suporta esta ideia de criar grupos de apoio e confirma que em Portugal não existe nada do género para estes casos. Não por falta de interesse, até porque Filipa Santos já foi confrontada por pacientes na clínica onde trabalha acerca disso.
“As pessoas perguntam-me muito sobre isso. Se eu conheço outras pessoas na mesma situação. Ainda há muito tabu à volta do tema, ainda há muitas pessoas que falam com os amigos ou com a família e que ouvem respostas do tipo 'eu se fosse a ti não fazia nada disso', 'espera, relaxa e vais ver que engravidas', e às vezes as pessoas estão anos nestes processos. Sentem-se muito incompreendidos pelos outros. E quando falam, as respostas que têm não vão ao encontro das suas necessidades”, explica.
De acordo com a psicóloga, a partilha das vivências ajuda muito a normalizar alguns sentimentos, a validar algumas emoções o que é muito importante nestes casos. “Nós temos pacientes que decidem engravidar de forma independente, ou seja, sem parceiro(a), e que gostariam de ter um grupo para se apoiar”, afirma.
Sara deixa alguns conselhos para outras pessoas na mesma situação e que passam por “falar o mais abertamente possível sobre o assunto, pedir ajuda, permitir-se viver as emoções que surgem pelo caminho, sem se entregar a um luto eterno, pois a única certeza que temos é o dia de hoje, portanto temos que fazer de hoje o melhor dia possível”.
Tenho 43 anos. Sou velha para ser mãe?
Um dos fatores com mais influência na fertilidade da mulher é a idade. A mulher nasce com um número finito de óvulos que constituem a sua reserva ovárica. Esta reserva vai-se esgotando ao longo da vida de forma contínua, até próximo dos 35 anos, quando começa a entrar em declínio.
A qualidade dos óvulos também diminui, o que contribui para o insucesso reprodutivo.
Filipa Santos, alerta: “Tenho pacientes que me dizem, 'nunca pensei que isto me fosse acontecer porque tenho uma amiga que engravidou aos 46 ou 42 anos e correu tudo bem'. Nós não podemos continuar a passar essa mensagem às pessoas. Eu acho que os médicos de clínica geral e familiar e os ginecologistas têm aqui um papel muito importante. É claro que não estou a dizer que toda a gente vai ter problemas a partir de uma determinada idade. Mas quero dizer que se a pessoa tem esse projeto de ser mãe, tem 35 anos e que pensa que daqui a cinco ou dez vai ter as mesmas possibilidades de engravidar. Não vai”. E acrescenta que “é preciso passar a mensagem de que há formas de as pessoas conhecerem a sua fertilidade, de programarem as coisas e não pode ser só esta ideia de que um dia quando eu quiser, vou conseguir”.
Miguel Lopo Tuna, ginecologista especialista em Medicina de Reprodução, esclarece que “as taxas de sucesso da Fertilização in Vitro (FIV) - o tratamento mais sofisticado e eficaz contra a infertilidade - rondam os 30-50% antes dos 35 anos (da mulher) e baixam para cerca de 10 % a partir dos 40 anos". Portugal tem uma das taxas de sucesso mais altas do mundo no que diz respeito a tratamentos de fertilidade, mas "nenhuma clínica pode oferecer um tratamento 100% eficaz", explica ainda o médico.
A Organização Mundial de Saúde define infertilidade como "uma doença do sistema reprodutivo traduzida na incapacidade de obter uma gravidez após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares e sem uso de contracepção".
As causas da infertilidade são múltiplas e podem, ou não, estar associadas a anomalias do sistema reprodutor masculino ou feminino.
Os tratamentos de fertilidade: os desafios
"Existe no Estado um limite de idade, para início de tratamento, de 39 anos da mulher, enquanto que a lei permite tratamentos até um limite de idade de 50 anos na mulher e 60 anos no homem", explica o médico Miguel Lopo Tuna.
“Geralmente quem chega à clínica são mulheres que já perceberam que algo não está bem, já se confrontaram com a realidade que não estão a conseguir ter filhos no timing que decidiram. Chegam com alguma frustração, algumas dúvidas, muitos porquês… Porque é que a minha irmã ou amiga conseguem ter filhos e eu não? E depois entram neste mundo, que é assim muito específico. E as pessoas não têm essa noção antes de o iniciarem”, afirma Filipa Santos.
De acordo com a experiência da psicóloga, há que gerir as expectativas e os desafios dos tratamentos, que “são eles próprios indutores de alguma ansiedade. Também são processos que invadem um pouco a vida das pessoas. É comum, procurarem ajuda psicológica no sentido de gerirem as suas relações pessoais e familiares. O que responder aos outros, como lidar com o impacto emocional que isto tem nelas (e neles)”.
Para Sara Serrão, e fala por si, os tratamentos de fertilidade foram como uma montanha-russa. “A nível psicológico, oscilava entre uma esperança e uma fé enormes, e uma perda do chão, um grande vazio, a cada má notícia”, relembra.
Filipa Santos salienta: “Muitas vezes quando as pessoas entram neste processo dos tratamentos caem no erro de focar todas as suas energias nisto, e as outras coisas passam para segundo plano. Gerir as expectativas, as esperas, é muito complicado quando paramos a nossa vida. Ter objetivos é muito importante”.
Na opinião da Psicóloga Clínica, os tratamentos continuam a ser um tabu. “As pessoas têm muitos sentimentos de vergonha, de culpa, por terem esperado tanto tempo. É muito comum as mulheres acharem que têm algum defeito ou incapacidade de serem mães. É muito difícil, por isso, assumirem algo que perante a sociedade as diferencia das outras. É algo que trabalho muito em consulta, porque a mulher é muito mais para além da sua fertilidade. Trabalhar a autoestima e autoconfiança é importante, porque estas mulheres chegam aqui muitas vezes destruídas”, acrescenta.
“Acredito que para uma pessoa que queira ter filhos e não consegue é um vazio, mas a vida não fica vazia”, conclui a psicóloga.
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