A enurese refere-se à emissão repetida da urina cama ou nas roupas (involuntária ou intencional) em crianças com pelo menos 5 anos.
Manifesta-se com 2 episódios semanais durante, pelo menos, 3 meses consecutivos ou a presença de mal-estar social/académico. Estes episódios não são explicados pelo uso de substância diurética ou por uma condição médica (diabetes, espinha bífida, epilepsia).
Existem três tipos de enurese: noturna, diurna e mista
A enurese noturna ocorre em cerca de 10-15% das crianças com 7 anos. A sua prevalência vai diminuindo com a idade. A etiologia é multifatorial, tornando a perturbação ainda mais complexa. Três fatores major são apontados: produção noturna da urina aumentada, capacidade funcional da bexiga diminuída e perturbação do despertar. Em muitos casos, encontra-se uma história familiar positiva. Vários trabalhos de investigação têm associado esta perturbação a alterações em alguns genes.
Uma história clínica detalhada, a par do exame físico são os motores iniciais de uma abordagem que se requer multidisciplinar o mais precoce possível, a fim de minorar o negativo impacto na vida familiar, escolar e na autoestima.
A enurese noturna pode ainda ser classificada como primária ou secundária. A primária implica que não tenha sido adquirida a continência urinária noturna durante 6 meses consecutivos; a secundária ocorre após 6 meses consecutivos de continência urinária noturna. Poderá ser necessário o pedido de exames complementares de diagnóstico, tais como, análise de urina, ecografia renal e vesical e/ou estudos urodinâmicos. A orientação deverá ser conduzida por uma equipa multidisciplinar, passando por medidas educativas e/ou farmacológicas.
A enurese diurna implica que a criança não tenha adquirido a continência urinária diurna e algumas das causas podem incluir a existência de: uma Bexiga Hiperativa, que se caracteriza por uma necessidade urgente em urinar mas com um volume baixo de urina; uma Bexiga Hipoativa, que pressupõe a dificuldade em esvaziar totalmente a bexiga, e onde é descrita a dificuldade em iniciar a micção e a Micção Disfuncional onde as queixas habitualmente são relacionadas com uma quantidade de urina variável, odor forte, sensação de esvaziamento incompleto, necessidade de voltar a urinar e, por vezes, história de infeções urinárias e obstipação.
Algumas das crianças com esta dificuldade podem ser sensíveis às condições da casa de banho (odores, sons, luminosidade e higiene) e à privacidade que têm, podendo interferir com a micção.
Interessa referir que a enurese noturna tem maior prevalência nos rapazes. As meninas tendem a ter uma maior prevalência de enurese diurna. 30-50% das crianças identificadas com Enurese e/ou Encoprese têm associadas outras perturbações do desenvolvimento (Gontard, 2012).
A encoprese ocorre em crianças com pelo menos 4 anos de idade, consistindo na emissão fecal repetida em locais inadequados (roupa, chão), intencional ou involuntária; pelo menos 1 vez por mês durante um mínimo de 3 meses. Não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p.e. laxantes) ou outra condição médica.
A encoprese pode ter história de obstipação ou não. Torna-se difícil, algumas vezes, a identificação da obstipação por ser observada a existência de fezes, na roupa, que são habitualmente liquidas. Estamos perante o fenómeno “soiling”. A impactação das fezes no intestino origina este fenómeno, que é involuntário e tem por base uma obstipação. É fundamental despistar também: doença de Hirschsprung ou megacólon congénito, intolerância à proteína do leite, doença celíaca, espinha bífida, hipercalcemia, hipotiroidismo e diabetes, entre outros.
Caso exista história de obstipação, a intervenção prioritária será a limpeza do intestino sendo necessária a avaliação do Pediatra para a necessidade de utilização de laxantes. Considera-se útil a promoção de hábitos regulares de defecação, com a ida à casa de banho a seguir às refeições principais, usando a nosso favor o maior reflexo gastro-cólico. Para crianças com recusa à casa de banho a exposição deverá ser gradual.
Após esta conquista será trabalhada a enurese diurna e, só depois, a noturna. Familiares próximos e professores devem ter conhecimento da intervenção para que possam contribuir para a implementação das estratégias. Será importante o aumento de ingestão de líquidos, não gasosos, durante o dia. À noite deverá ser feita a redução de líquidos, pelo menos uma hora antes de deitar.
Durante o treino é importante a criança ter acesso, fácil, a casas de banho. As rotinas de idas à casa de banho, devem ser regulares, com cerca de 2 horas de intervalo. A higiene é protetora na contração de infeções urinárias.
A postura com que se urina é importante, permitindo um correto esvaziamento da bexiga. Estar sentado, que torna-se útil mesmo para os rapazes, costas curvadas e pés ligeiramente levantados, em cima de um banco. Deve valorizar a criança pelos seus esforços, recompensar os ganhos, envolvê-la na higiene, mas sem a culpabilizar.
Na Enurese noturna, em concreto, é útil fazer um esvaziamento eficaz da bexiga, com a estratégia de urina dupla (urina, conta até 10 e volta a urinar). Se a criança vai para a cama e não adormece logo, por ficar a jogar ou ver televisão, deve voltar a ir à casa de banho antes de adormecer. No caso dos pais se deitarem mais tarde, podem aproveitar esse momento para mais uma ida à casa de banho.
Em alguns casos, pode ser importante voltar a urinar a meio da noite. A retirada total da fralda à noite apresenta-se adequada, após a introdução do treino do controlo do esfíncter. O alarme de urina, pode ser uma ferramenta adjuvante neste treino quando associada a outras, por exemplo medicação.
Após a aquisição do controlo dos esfíncteres é fundamental um a dois anos de seguimento para monitorização da aquisição da competência.
Sempre que os sintomas acima descritos estejam presentes, é importante valorizar. Um tratamento precoce, com a aplicação de estratégias ajustadas promove o sucesso da aquisição do controlo da bexiga e intestinos. Valorizar sobretudo quando há história desta dificuldade nos familiares próximos. Procure aconselhar-se com o Médico Pediatra percebendo a necessidade de intervir com a utilização de medicação e/ou estratégias comportamentais específicas que podem ser introduzidas com a ajuda de um psicólogo especializado na área.
Andreia Leitão
Pediatra de Neurodesenvolvimento
Joana Marafuz
Psicóloga/Psicoterapeuta cognitivo-comportamental
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