“Preciso de ajuda para a minha filha, de 16 anos, para a minha família e para mim. Tudo começou tinha a Maria 7 anos… com ataques de fúria constantes, ficava permanentemente de castigo na escola porque batia nos colegas, ofendia a professora, dizendo saber fazer tudo! …. esta angústia e incertezas sobre o que se passava com a Maria e como agir mantiveram-se ao longo de toda a primária, oscilando a Maria entre períodos de excelência nas notas e no seu comportamento e períodos que parecia ter desaprendido até o alfabeto ou as regras mais básicas de convivência….. Só agora quando entrou para o ensino básico é que me falaram de Perturbação Bipolar Pediátrica de Início Precoce. A questão que coloco é se isso existe nestas idades? Não é só na idade adulta?? E poderia ter sido o diagnóstico estabelecido mais cedo e dessa forma evitado o grande sofrimento que a incerteza do que se passava com a Maria sempre nos trouxe???? !!! “

A Perturbação Bipolar Pediátrica (PBP) é uma condição marcadamente disruptiva na vida da criança/adolescente e constitui um verdadeiro desafio para todos desde técnicos a professores e pais e sobretudo para a própria criança/adolescente. De facto se tem um filho com diagnóstico de Perturbação Bipolar, cada dia poderá parecer uma verdadeira montanha russa de emoções e de incertezas. Nunca sabendo onde o dia o levará e como terminará. E quando por vezes sente que a situação está resolvida, surge mais uma novidade, ficando sem saber o que fazer para lidar com as suas mudanças de humor e de comportamento.

A P.B.P. é uma disfunção neurológica caracterizada por uma instabilidade e variabilidade emocional marcadas que se traduzem em oscilações no humor, na energia, no comportamento e ao nível do pensamento com implicações significativas na vida da criança e do adolescente. A forma mais simples de descrever esta perturbação consiste em dizer que o jovem oscila entre momentos em que está mais “em cima” (optimista, entusiasmado, enérgico) do que os pares e momentos em que está mais “em baixo” (triste, apático, pessimista, desesperançoso). É contudo uma condição muito mais complexa do que esta descrição simplista e constitui uma aprendizagem contínua.

Apesar dos avanços e consensos conceptuais durante os últimos anos, a controvérsia e cepticismo referentes ao diagnóstico da PBP persistem na comunidade científica, sobretudo no que diz respeito à apresentação sintomática da Mania na primeira infância, assim como no que respeita à sua prevalência.
Os estudos apontam que a P.B.P. na infância é mais elevada do que se julgava e de início mais precoce, assim como se manifesta de forma diferenciada e atípica da que observamos na idade adulta.

Nesse sentido, entenda-se que estudos recentes sugerem que a Mania nas crianças tende a apresentar um curso crónico e contínuo por oposição ao curso episódico que registamos na idade adulta, sendo caracterizado por oscilações de humor rápidas, ou ultra-rápidas, e como tal podendo observar-se uma alternância do estado depressivo e do estado de (hipo) mania várias vezes no mesmo dia, ou por períodos de dias (definindo o que se designa por estados mistos). O limite entre estes estados de humor é muitas vezes pouco claro para o próprio e para os outros.
A marcada dificuldade em estabelecer um diagnóstico rápido e preciso de PBP, e a dificuldade em muitos acreditarem na sua existência, prende-se com a ampla apresentação sintomática que se observa nestas crianças, pela variabilidade no número de sintomas, na manifestação dos mesmos, na intensidade e na desadaptação ao longo da vida. Entenda-se que não se trata de uma perturbação definida por mais ou menos sintomas (um certo número) que nos permitam estabelecer o diagnóstico, nem mesmo a presença de determinados comportamentos e/ou ausência de outros. Devemos entender a PBP como um Espectro de Perturbação de Humor.

O facto da perturbação bipolar raramente ocorrer como uma entidade pura, sendo frequentemente acompanhada de agrupamentos de sintomas que sugerem igualmente outras perturbações, dificulta o seu diagnóstico. A impulsividade; desatenção e agitação motora que a caracterizam, são sintomas presentes em ambos os diagnósticos, PHDA e PB, o que explica a co-existência frequente de ambas as perturbações e muitas vezes a dificuldade em traçar um diagnóstico claro. Acrescente-se ainda que falamos de comportamentos que são considerados normativos, como a agitação motora, as birras, as ideias de grandiosidade e interesse pelo corpo, em determinadas etapas do desenvolvimento, o que dificulta frequentemente a diferenciação entre o normal e o patológico. É para isso fundamental analisar a frequência, severidade, duração e impacto de cada sintoma.

Agora que sabemos que a PBP existe em crianças, a questão determinante consiste em saber quais os sintomas exclusivos da Mania na infância e adolescência?
Diferentes autores têm descrito a PBP sob diferentes formas decorrente do sintoma ou dimensão a que deram maior enfoque como determinante da perturbação. Uns focaram-se na irritabilidade, uma das principais causas na procura de ajuda por parte das famílias, outros no humor eufórico e ideias de grandiosidade e outros ainda na oscilação clássica entre os estados de humor depressivo e eufórico.

O consenso assenta no pressuposto de que a criança com PBP experimenta marcadas oscilações de humor, variando entre humor eufórico ou marcadamente irritável e o humor depressivo, e o inverso. Oscilação essa imprevisível e sem qualquer situação desencadeadora ou como uma reacção exagerada ao contexto.

O Humor na Mania varia entre demasiado excitado e o irritável. No primeiro as crianças parecem excessivamente alegres e optimistas e exageradamente auto-confiantes (ideias de grandiosidade). Pode não ser capaz de parar de rir por algum motivo que mais ninguém considera engraçado e/ou ficar repentinamente marcadamente irritado sem razão aparente. Em geral os pais conseguem perceber que se trata de um humor eufórico, quando não é compatível com as circunstâncias de vida, ou seja, sem contextualização. No segundo a criança fica facilmente irritada e agressiva, podendo atirar objectos, bater portas, sendo hostil e sarcástica, pontapeando ou tentando bater no outro ou em si, exibindo comportamentos de desconsolo intensos e desadequados. Esta irritabilidade distingue-se da que se verifica na criança com Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), que frequentemente fica irritada face à frustração e ao Não, pela sua natureza extrema e episódica e pela violência que acompanha a “explosão”.

É importante perceber que a complexa turbulência emocional provocada por estes sintomas é clara e muitas vezes dramática, no entanto, e como já referido, a sua criança poderá apresentar os “sintomas clássicos da perturbação” ou outros que se assemelhem, ou outros ainda muito diversificados e aparentemente pouco “clássicos” e mesmo assim ter o diagnóstico clínico, PBP, pois variabilidade e instabilidade são as tónicas deste quadro ou até tratar-se de outra perturbação. Para terminar, saber que a sua filha tem uma perturbação do espectro do humor pode ser aliviante por finalmente termos um nome para o que se passa, mas simultaneamente assustador e confuso. De repente entramos num mundo novo de termos médicos, de opções de medicação e de tratamento, enquanto decidimos também qual a melhor opção educacional e como melhor gerir as necessidades da família, é contudo importnate perceber que começam hoje a exisitir respostas estruturadas e especializadas ao nivel nacional.

É pois importante face a sinais de alerta procurar ajuda especializada que lhe permita dar respostas às suas dúvidas e angústias.

Contudo e voltando à Maria, uma história real da minha prática clínica, é importante perceber que é possível um percurso de esperança e serenidade.

Agora a Maria, com 23 anos, está a terminar a licenciatura em Apoio à Infância e está muito bem académica, social e pessoalmente. Mantém uma relação amorosa esável desde há 4 anos e está sem terapêutica há mais de 4 anos, tendo apoio e vigilância psicológica e médica de forma pontual.

A Maria e sua família são para mim verdadeiras heroínas e a sua história tem sido uma lição de vida como profissional e como mãe.

Sónia Fernandes - sonia.fernandes@pin.com.pt

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Consulta Perturbações na Regulação do Humor

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