Reparem: parte-se do princípio que há aquisições do bebé que devem ser devidamente preparadas, postas em marcha, estimuladas e por fim, conquistadas. Tudo num esforço de aquisição constante, fruto de uma preparação e educação esmeradas.
O que a pergunta acima traduz é que está vigente a corrente de pensamento mais recente que nos diz que o cérebro tem potencialidades inesgotáveis e que caminhos entre neurónios (sinapses e transmissão neuronal) que não são estimuladas são eliminadas permanentemente, truncando de forma irremediável o desenvolvimento infantil. Bebés não estimulados teriam um desenvolvimento subóptimo em relação ao seu potencial inicial.
Isto é absolutamente verdade. E é assustador! E é por isso que, também eu, faço parte desta geração de pais que tentou estimular ao máximo o seu bebé.
Não nos podemos esquecer que os neurónios de bebés recém-nascidos podem estabelecer até mil sinapses (ligações) por segundo. Isto é tão importante que mesmo os bebés mais pequeninos podem ser estimulados ao seu nível desde o primeiro dia. A estimulação no bebé pequeno deve ser integrativa entre o movimento corporal e as sensações. E sobretudo, tem que ser produzida pelo próprio bebé: não basta por isso os bebés estarem simplesmente ao colo ou no bercinho.
O exemplo dos bebés bilingues
O exemplo clássico disto mesmo é que um bebé de 4 meses tem a capacidade de distinguir entre diferentes línguas e integrá-las no seu cérebro. De tal forma esta capacidade é inata que podemos bem dizer que os bebés não têm língua nativa até aos 8 meses, momento em que se dá uma espécie de diferenciação cerebral. Se a criança for exposta a duas ou mais línguas durante este período, vai integrá-las naturalmente gerando 2 ou mais línguas maternas (e isto não só é possível, como é natural).
Este é um exemplo clássico de estimulação! As crianças que aprendem línguas a um nível pré-verbal, fazem-no de forma que se tornam bilingues, sem confusão de línguas, apenas e só com um discreto atraso expressivo.
Se é impossível de aprender uma segunda ou terceiras línguas depois dos 8 meses? Claro que não! (E ainda bem, já que não sou bilingue!) Mas a verdade é que a aprendizagem formal de uma outra língua, depois desta idade, usa áreas cerebrais completamente diferentes e é muito mais dependente da concentração e capacidade de abstração, pelo que está desaconselhada antes dos 7 anos.
Apesar do optimismo inerente à constatação que somos na medida do que somos estimulados, temos um certo revés: a crença que o céu é o limite. Não é verdade. Infelizmente, não é verdade.
E aqui voltamos à convicção mais antiga, vigente durante grande parte do século XX, que o determinismo genético de uma criança determina o seu potencial. E tal como herdamos os olhos azuis da avó Conceição, também herdamos a idade que aprendemos a desafiar a gravidade e damos os primeiros passos, ou herdamos a idade em que (finalmente) dominamos a arte do controlo dos esfíncteres e deixamos de fazer xixi e cocó na fralda.
E o mais estranho é que, pelo menos em parte, isto também é verdade. Há um plano de desenvolvimento que é próprio de cada criança, mas existem alguns princípios universais. Vejamos: por muito que estimularmos o nosso bebé recém-nascido a aprender a andar, a verdade é que ele só conseguirá fazê-lo depois de adquirir algumas competências prévias, como segurar a cabeça, controlar o tronco, conseguir sentar-se e eventualmente gatinhar.
Por isso, a estimulação é importante, sim, totalmente de acordo, mas colide com aquilo que o bebé, dentro de cada etapa do seu desenvolvimento, vai efetivamente conseguir fazer. Há um plano biológico de desenvolvimento que tem algumas regras; tudo o que a estimulação faz é, dentro de cada etapa do desenvolvimento, optimizar ao máximo as aquisições que são feitas. E não vale a pena estimular uma aquisição fora do período em que o bebé ou a criança estão predispostos à sua aquisição.
Por exemplo, o ser o humano tem dentes que foram desenhados para mastigar a comida. A paixão por mastigar, dentro do desenvolvimento, tem uma janela de oportunidade entre os 7 e 9 meses. Se não for devidamente estimulada, vamos ter um bebé e seguramente uma criança, que, nos seus primeiros tempos, vai preferir a comida toda passada.
É lógico que, chegados à idade adulta, independentemente de termos sido estimulados ou não durante aquela janela de oportunidade, a apreciar comida sólida, acabaremos todos por prescindir de sopas e papas como base da nossa dieta.
Resumindo, se a estimulação faz diferença: sim! Se a estimulação consegue elevar-nos para lá das nossas capacidades meramente humanas? Pouco provável.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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