Aceito bem a globalidade. Aceito bem a internacionalização e mobilidade dos empregos, a facilidade com que se vai a Nova Iorque a uma reunião, ou uma conference call para Xangai. Já nem sequer falo de fins-de-semana passados nas capitais europeias ou o facto de o avião ser considerado como um meio transporte "normal", e uma ida ao aeroporto faz parte da rotina diária de um qualquer jovem profissional. Aceito bem. Tal como aceito muito bem, com muita normalidade metade (ou a totalidade) dos estudos serem feitos fora de Portugal, e considero que deveríamos todos ter estágios internacionais. Faz parte do crescimento da pessoa, faz enriquecer tanto a experiência profissional como pessoal de qualquer um. A pessoa fica com "mais mundo", mais cultura, um olhar mais aberto e mais global.
Mas o que me está a custar aceitar, e de ver, são as famílias jovens, com um ou dois filhos, que embora não estejam separados legalmente, estão sim geograficamente. Pais que aceitaram trabalhar noutra cidade, noutro país, de forma a garantir o bem-estar dos seus filhos. Não critico estas decisões, que por vezes até são mais imposições, que certamente devem custar imenso a quem as toma, mas que são quase vitais para a família.
É sem dúvida um ato de coragem, um acto altruísta, que deve pesar, e pesar muito.
Muitas mães vêem-se a ter que cuidar dos filhos sozinhas, a serem mãe e pai ao mesmo tempo. A terem saudades e não poderem mostrar, a sentirem-se cansadas e ter que aguentar mais um dia, a fazer contagem decrescente para aquele fim?de?semana em que voltam à normalidade, a terem que arranjar força e desculpas para explicarem aos filhos que choram a chamar pelo Pai. A não terem com quem dividir as tarefas de casa, a estarem sempre disponíveis para os filhos e por vezes até deixar escapar alguma asneira, a não terem com quem comentar as notícias do dia, ou contar o seu dia. A adormecerem sozinhas para mais um dia ter pela frente (também ele sozinho), e a pensar 'tem que ser, tem que ser", e o tem que ser tem (mesmo) muita força.
Os filhos, vivem duas realidades , quando estão em casa com a mãe, e a casa mais calada, mais silenciosa. Abraçam com toda a normalidade ver o Pai via Face Time ou skype, comunicar através de mensagens ou de email, diminuir a distância com a ajuda das novas tecnologias. Depois regressa o Pai, a agitação, a euforia e a as saudades. O pai chega, é completamente absorvido pelas suas crias, que querem mostrar tudo e mais alguma coisa, e por vezes até uma birra ou outra fazem para chamar a atenção.
Os pais. Que passaram de um dia para o outro de uma casa cheia, vivida, casa de família, para uma casa (mais) pequena, silenciosa, e que não é a sua. Deita-se numa cama que não é a sua, chega a noite a casa, sozinho, sem barulho, sem indício qualquer que lá tenha estado gente, para ainda fazer o seu jantar, e esperar pela tão aguardada chamada pelo skype. Vê a sua família, vê aquelas rotinas que já tão bem conhece mas que agora não faz parte. Ouve uma birra, ouve um choro, tenta disfarçar uma lágrima para não mostrar. Tenta continuar a fazer parte daquela vida que é a sua, mas que já lá não esta. Depois regressa no fim?de?semana, engolido pelos filhos com tantas novidades. Desdobra-se e multiplica-se para dar atenção a todos, aos seus pais, aos seus filhos, e à sua mulher. Tem que fazer um esforço para estar dentro do que é seu, e não mostrar as saudades.
Os adultos rendem-se às saudades naquela altura em que estão sozinhos, quando se vão deitar, naquela altura em que o coração já não obedece à cabeça. As crianças ainda não percebem muito bem o que são saudades, mas que já as sentem, e as demonstram nas mais variadas maneiras.
Todos estão cansados, todos fazem um esforço, e todos têm (muitas) saudades.
Marta Andrade Maia
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