Existe um oceano de informação disponível. Basta um clique e já estamos a ler sobre as teorias atuais e as correntes modernas. Um mudar de página e aparece um novo rol de itens que temos que cumprir para sermos bons pais, frases e semânticas novas que temos que utilizar para sermos mais bem compreendidos, gestos e atitudes que devermos adotar para não traumatizar a criança, programas que devemos fazer, a dois, a três, ou a solo, eventos a que temos que assistir para estarmos mais informados, livros que devermos ler para estamos a par do que se quer e pretende para as crianças dos dias de hoje. É cansativo.
É mais do que cansativo, é extenuante.
Deve-se elogiar, não se deve elogiar, deve-se deixar a criança exprimir a sua personalidade, deve-se obrigar a criança a respeitar certas regras, deve-se deixar ser a criança a ditar o seu horário, deve-se impor um horário, deve-se falar baixo, não se deve dar a palmada (tão nossa conhecida), deve-se estar sempre a chamar a atenção, deve-se dormir na cama dos pais, não se muda de quarto até a criança querer, deve-se dar beijos, não muitos, não poucos. Deve-se pressionar a criança para ter boas notas como sinal que vai ser bem sucedida neste mundo, afinal deve-se ignorar por completo a vida acadêmica pois o que importa é que seja feliz e sorridente, devemos educa-los para serem bilingues, trilingues e já a jogar xadrez, devemos aprender o mandarim e incentivar os instrumentos musicais pois activa uma parte do cérebro não usada, e tudo o que aprendemos na nossa infância já não faz sentido nenhum.
Devemos deixar a criança berrar, devemos deixar chorar, mas afinal não, não pode chorar, nem berrar, pois fará mal ao seu desenvolvimento e à vida de adulto (e ninguém quer prejudicar a vida dos filhos). Se é hiperativa, precisa de dormir, senão já não precisa de dormir a sesta, deverá dormir com música, às escuras e com luz de presença, em silêncio e rodeada dos mais que tudo. Deve ouvir música, deve ver televisão, afinal, só não deve jogar iPad, nem falar no Skype até aos seus 12 anos de idade ( algo muito fácil de alcançar nos dias de hoje, diga-se de passagem).
Deve comer tudo biológico, deve ser vegetariana e ainda macrobiótica, deve ficar em casa a descansar, não deve ir a restaurantes, não deve estar sem os pais, não deve brincar sozinha, deve ser capaz de contar até dez ainda no berço, deve andar descalça em casa e na rua, deve poder cantar de madrugada, deve poder escolher o menu das suas refeições, deve isto e deve aquilo.
A pressão para sermos mais e melhores é mais que muita. A pressão para termos filhos extraordinariamente felizes é grande. Devemos ser pais, acima de tudo, sempre, 24/7. Devemos anular a nossa identidade de pessoas, mulher, marido, homem, esposa, filha e irmã, para sermos unicamente mãe ou pai. Devemos brincar e ouvir, rir e cuidar, alimentar, tratar, educar, sempre e todo o sempre. Deixamos de ter liberdade para podermos ter dez minutos só para nós, pois as críticas e as consequências (segundo os entendidos) poderão ser nefastas.
Quanto mais lemos, ouvimos e queremos fazer, mais nos perdemos. O bom senso, que sempre guiou os nossos pais e todos os das gerações prévias, deixou de ser a bússola orientadora. Agora aprendemos pelos livros, de estranhos que (des)conhecemos, pela net, pelos outros, e menos por nós. As teorias de educação são mais que muitas, dependendo do sentido que queremos, do estilo em que acreditamos. Podemos escolher uma diferente para cada semana do ano. O certo de hoje é o errado de amanhã. Mas, se uns acreditam nos benefícios da tecnologia, outros deitam por terra o seu uso por completo.
Somos aquele tolo no meio da ponte, ora vira para um lado, ora vira para o outro. Andamos ao sabor do vento e dos dizem que sabem mais, sempre com o medo, com a chantagem psicológica que iremos prejudicar os nosso filhos.
Ora, é avassalador rumar sem bússola.
Mas não devia ser muito difícil criar e educar uma criança. Afinal, basta darmos o nosso melhor, usar o bom senso e fazer o que sabemos: amar e cuidar.
Marta Andrade Maia
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